O carvão vegetal vira mocinho quando funciona como biocombustível, sequestrador permanente de carbono e um agente que melhora a qualidade dos solos e da água
O neologismo “biochar” tem sido usado como nome de guerra do carvão vegetal, quando este é reduzido em partículas fi nas (granulação inferior a 2 milímetros) a serem colocadas nos solos agricultáveis. Na verdade, trata-se de uma prática antiga das populações pré-colombianas na Amazônia, que deu origem às famosas manchas de “terras pretas” férteis.
O vilão – carvão vegetal –, responsável pela depredação de tantas matas virgens, passa a ser o mocinho, graças à sua função de catalisador do metabolismo dos solos, mas desde que a sua produção não seja pretexto de desmatamento.
Um artigo recente no Agronomy Journal fala de um cenário triplamente vencedor, já que o carvão vegetal, produzido em condições ambientalmente sustentáveis, passa a funcionar como um biocombustível, um sequestrador permanente de carbono fi xado no solo e um agente que melhora a qualidade dos solos e da água. [Laird D. A., “The Charcoal Vision: A win-win-win scenario for simultaneously producing bioenergy, permanently sequestering carbon, while improving soil and water quality”, Agronomy Journal, Volume 100, Issue 1, 2008, p.178-181.]
O autor parte da premissa correta de que devemos centrar o debate científi co em como conceber agrossistemas integrados de produção de alimentos e bioenergia. Para tanto, convém devolver o carvão vegetal aos solos, a fi m de fechar o ciclo de nutrientes de uma maneira que imita os efeitos benéfi cos dos incêndios naturais nas campinas para a qualidade dos solos. O carvão vegetal tem enorme capacidade de absorção e atua de várias maneiras, no sentido de melhorar a qualidade e, portanto, a produtividade dos solos. Outrossim, removido do ar e contido no carvão vegetal, uma vez colocado no solo, o carbono fi cará ali sequestrado por milênios.
A condição que deve ser respeitada é a produção sustentável do carvão vegetal à base de resíduos agrícolas e fl orestais, num processo de pirólise (decomposição térmica) contínua. Esta pode ser feita escolhendo-se uma escala que reduza os custos de transporte da volumosa biomassa. Laird advoga a construção de uma rede de pequenos equipamentos para pirólise rápida, criando assim oportunidades de emprego e renda nas comunidades rurais.
Esses equipamentos têm condição de produzir conjuntamente – em circunstâncias mais vantajosas do que as plataformas de produção de etanol celulósico – bio-óleos (cerca de 60% da massa), gás (cerca de 20%) e carvão vegetal (cerca de 20%). Praticamente toda a energia necessária para o processo virá do gás nele gerado.
Segundo seus cálculos, existem condições, nos Estados Unidos, para produzir bio-óleo capaz de substituir 1,91 bilhão de barris de óleo fóssil a cada ano, ou seja, 25% do consumo atual, evitando jogar no ar 224 milhões de toneladas de carbono. Por sua vez, o carvão vegetal aplicado nos solos sequestraria 139 milhões de toneladas de carbono por ano. Laird propõe que toda a produção do carvão vegetal sirva de biochar.
Uma ONG baseada em Paris – a Pro- Natura International – ganhou em 2002 o prêmio da inovação tecnológica da Fundação Altran, pelo equipamento que permite a produção por pirólise contínua de briquetes de carvão vegetal verde à base de resíduos vegetais e fl orestais, de gramíneas e de outras biomassas. Cada máquina produz de 4 a 5 toneladas de carvão vegetal por dia, em condições economicamente efi cientes, graças à recuperação dos gases de pirólise. Vários países africanos já estão com instalações em pleno uso.
A partir dali, a Pro-Natura International criou um centro de desenvolvimento do biochar em Ross Bethio, no Senegal, para testar as aplicações no solo do carvão vegetal verde pulverizado, ou seja, o biochar.
Segundo o New Agriculturist, de setembro 2009, a adição de 1 quilo de biochar por metro quadrado de solo permite dobrar os rendimentos de milho e arroz, além de contribuir para uma melhor retenção de água e de nutrientes nas raízes. A aplicação do biochar leva, portanto, a um forte aumento da rentabilidade dos cultivos.
Por outro lado, um cálculo preliminar mostrou que cada tonelada de carvão verde agregada ao solo sequestra pelo menos 3 toneladas de gás carbônico, ou seja, 30 toneladas por hectare no caso da aplicação padrão de 1 quilo por metro quadrado.
Aparentemente, o biochar tem uma grande carreira à frente. A prestigiosa revista Nature fez duas abordagens sobre as suas potencialidades [ature, “Putting the carbon back: black is the new green”, (n° 442, p. 624-626, 10 de agosto de 2006) , e J. Lehmann, “A handful of carbon”, (n°447/10 de maio de 2007).] e a Universidade do Colorado promoveu uma conferência sobre o biochar, à qual a edição de 29 de agosto da revista The Economist consagrou um artigo.
* Ecossocioeconomista da École des Hautes Études en Sciences Sociales[:en]O carvão vegetal vira mocinho quando funciona como biocombustível, sequestrador permanente de carbono e um agente que melhora a qualidade dos solos e da água
O neologismo “biochar” tem sido usado como nome de guerra do carvão vegetal, quando este é reduzido em partículas fi nas (granulação inferior a 2 milímetros) a serem colocadas nos solos agricultáveis. Na verdade, trata-se de uma prática antiga das populações pré-colombianas na Amazônia, que deu origem às famosas manchas de “terras pretas” férteis.
O vilão – carvão vegetal –, responsável pela depredação de tantas matas virgens, passa a ser o mocinho, graças à sua função de catalisador do metabolismo dos solos, mas desde que a sua produção não seja pretexto de desmatamento.
Um artigo recente no Agronomy Journal fala de um cenário triplamente vencedor, já que o carvão vegetal, produzido em condições ambientalmente sustentáveis, passa a funcionar como um biocombustível, um sequestrador permanente de carbono fi xado no solo e um agente que melhora a qualidade dos solos e da água. [Laird D. A., “The Charcoal Vision: A win-win-win scenario for simultaneously producing bioenergy, permanently sequestering carbon, while improving soil and water quality”, Agronomy Journal, Volume 100, Issue 1, 2008, p.178-181.]
O autor parte da premissa correta de que devemos centrar o debate científi co em como conceber agrossistemas integrados de produção de alimentos e bioenergia. Para tanto, convém devolver o carvão vegetal aos solos, a fi m de fechar o ciclo de nutrientes de uma maneira que imita os efeitos benéfi cos dos incêndios naturais nas campinas para a qualidade dos solos. O carvão vegetal tem enorme capacidade de absorção e atua de várias maneiras, no sentido de melhorar a qualidade e, portanto, a produtividade dos solos. Outrossim, removido do ar e contido no carvão vegetal, uma vez colocado no solo, o carbono fi cará ali sequestrado por milênios.
A condição que deve ser respeitada é a produção sustentável do carvão vegetal à base de resíduos agrícolas e fl orestais, num processo de pirólise (decomposição térmica) contínua. Esta pode ser feita escolhendo-se uma escala que reduza os custos de transporte da volumosa biomassa. Laird advoga a construção de uma rede de pequenos equipamentos para pirólise rápida, criando assim oportunidades de emprego e renda nas comunidades rurais.
Esses equipamentos têm condição de produzir conjuntamente – em circunstâncias mais vantajosas do que as plataformas de produção de etanol celulósico – bio-óleos (cerca de 60% da massa), gás (cerca de 20%) e carvão vegetal (cerca de 20%). Praticamente toda a energia necessária para o processo virá do gás nele gerado.
Segundo seus cálculos, existem condições, nos Estados Unidos, para produzir bio-óleo capaz de substituir 1,91 bilhão de barris de óleo fóssil a cada ano, ou seja, 25% do consumo atual, evitando jogar no ar 224 milhões de toneladas de carbono. Por sua vez, o carvão vegetal aplicado nos solos sequestraria 139 milhões de toneladas de carbono por ano. Laird propõe que toda a produção do carvão vegetal sirva de biochar.
Uma ONG baseada em Paris – a Pro- Natura International – ganhou em 2002 o prêmio da inovação tecnológica da Fundação Altran, pelo equipamento que permite a produção por pirólise contínua de briquetes de carvão vegetal verde à base de resíduos vegetais e fl orestais, de gramíneas e de outras biomassas. Cada máquina produz de 4 a 5 toneladas de carvão vegetal por dia, em condições economicamente efi cientes, graças à recuperação dos gases de pirólise. Vários países africanos já estão com instalações em pleno uso.
A partir dali, a Pro-Natura International criou um centro de desenvolvimento do biochar em Ross Bethio, no Senegal, para testar as aplicações no solo do carvão vegetal verde pulverizado, ou seja, o biochar.
Segundo o New Agriculturist, de setembro 2009, a adição de 1 quilo de biochar por metro quadrado de solo permite dobrar os rendimentos de milho e arroz, além de contribuir para uma melhor retenção de água e de nutrientes nas raízes. A aplicação do biochar leva, portanto, a um forte aumento da rentabilidade dos cultivos.
Por outro lado, um cálculo preliminar mostrou que cada tonelada de carvão verde agregada ao solo sequestra pelo menos 3 toneladas de gás carbônico, ou seja, 30 toneladas por hectare no caso da aplicação padrão de 1 quilo por metro quadrado.
Aparentemente, o biochar tem uma grande carreira à frente. A prestigiosa revista Nature fez duas abordagens sobre as suas potencialidades [ature, “Putting the carbon back: black is the new green”, (n° 442, p. 624-626, 10 de agosto de 2006) , e J. Lehmann, “A handful of carbon”, (n°447/10 de maio de 2007).] e a Universidade do Colorado promoveu uma conferência sobre o biochar, à qual a edição de 29 de agosto da revista The Economist consagrou um artigo.
* Ecossocioeconomista da École des Hautes Études en Sciences Sociales