EUA e Brasil travam batalha sobre governança do mecanismo financeiro do acordo para reduzir emissões a partir de 2013
A disputa entre Estados Unidos e países em desenvolvimento em torno do modelo de governança do futuro mecanismo financeiro da Convenção do Clima poderá reequilibrar o jogo de poder nas agências multilaterais de desenvolvimento, hoje sob hegemonia dos países ricos, que são os principais doadores de instituições como o Banco Mundial e o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF em inglês).
Uma das mais difíceis batalhas da 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudança do Clima (COP-15), que começou na última segunda-feira em Copenhague, trava-se na negociação do fundo que será criado para ajudar os países em desenvolvimento a promoverem medidas de mitigação das emissões de gases-estufa e adaptação às mudanças climáticas.
A atenção da opinião pública está voltada para o tamanho da conta a ser paga para atenuar os estragos das mudanças climáticas e promover a transição a uma economia de baixo carbono no mundo em desenvolvimento.
Pouco foco, contudo, está sendo dirigido ao modelo de governança do futuro mecanismo financeiro do acordo climático, que é tema tão fundamental para o sucesso das negociações quanto a definição do volume de recursos, concordam especialistas em clima de organizações não-governamentais, como Morrow Gaines, do Vitae Civilis, e técnicos de agências multilaterais que preferem não se identificar.
Os Estados Unidos defendem com unhas e dentes a vinculação do mecanismo financeiro às agências multilaterais que já operam no financiamento de programas ambientais.
Acham que é o caminho menos pedregoso para tocar operações de bilhões de dólares que deverão fluir para ações climáticas no mundo em desenvolvimento. São agências, avaliam os EUA, com corpo técnico altamente qualificado, estrutura gerencial e longa experiência operacional para administrar o fundo climático do novo acordo que sairá de Copenhague ou de novo encontro da Convenção do Clima em 2010.
As propostas globais de assistência financeira oscilam a grosso modo entre US$ 150 bilhões e US$ 400 bilhões em 2020. Ambientalistas e países pobres defendem que o valor projetado para 2020 comece a ser aplicado já a partir de 2012. Outros proponentes, como a União Europeia, propõem aporte muito mais baixo em 2013, aumentando progressivamente até alcançar a proposta total em 2020. É praticamente consensual que uma ajuda emergencial de no mínimo US$ 10 bilhões a US$ 15 bilhões anuais seja concedida de 2010 a 2012.
No outro lado do tabuleiro, países em desenvolvimento como o Brasil nutrem desconfiança com o passado pouco alvissareiro na atuação dessas instituições. Tal desconfiança dá sustentação à proposta desses países para que o mecanismo financeiro do futuro acordo climático seja materializado como um novo organismo multilateral, vinculado diretamente à Conferência das Partes (COP), onde cada país tem um voto e as decisões só podem ser tomadas por consenso.
No GEF, a representação no conselho do fundo é dividida meio a meio entre países ricos e em desenvolvimento. Mas quem tem a palavra final são os doadores, principalmente os EUA, o maior provedor de dinheiro no GEF.
Não é sem razão que Brasil e países parceiros do G-77 são reticentes a um papel protagonista para GEF e bancos multilaterais de desenvolvimento na arquitetura financeira do acordo, admite uma fonte de uma dessas agências que pede para não ser identificada. Durante o governo do presidente George W. Bush, os EUA cortaram substancialmente seu aporte no GEF e impuseram procedimentos burocráticos que dificultaram o acesso dos países em desenvolvimento a seus recursos.
Contudo, a proposta defendida por ambientalistas e países em desenvolvimento não parece realista, na opinião da fonte. Embora ainda haja acirrada disputa em torno do tamanho da ajuda, a assistência financeira que fará parte do futuro acordo envolverá dezenas de bilhões de dólares de qualquer forma. “As cifras serão muito maiores do que os recursos que o próprio GEF vem operando”, assinala a fonte.
Não será simples dar conta de diferentes tarefas relacionadas ao fundo climático: auxiliar governos a formular projetos de mitigação e adaptação, analisar contrapartidas, avaliar o potencial dos projetos para impulsionar o desenvolvimento sustentável, efetuar repasses a instituições financeiras e monitorar, auditar e avaliar os resultados da aplicação do dinheiro.
Já se conversa nos bastidores da COP-15 sobre uma fórmula intermediária que inclua o GEF e as agências multilaterais na operação do fundo de mudanças climáticas, mas com estrutura de governança conectada à Conferências das Partes da Convenção do Clima. Oficialmente, EUA e Brasil jogam duro um com o outro para arrancar concessões mútuas na barganha tradicional nesse tipo de negociação.
“Embora alguns ambientalistas alimentem falsos mitos negativos sobre as agências multilaterais, o questionamento deles e do Brasil está levando essas instituições a reavaliarem suas estruturas de governança”, conta a fonte.
Publicamente, os EUA dizem que não faz sentido financiar ações climáticas nos grandes países emergentes. Tentam, assim, forçá-los a se comprometer com metas significativas de corte nas emissões que sejam auditáveis por organismos internacionais independentes.
Para Obama, isso pode ajudá-lo a aprovar a lei de clima e energia no Senado. Mas o presidente democrata e sua equipe de mudanças climáticas sabem que a participação de um país como o Brasil no fundo climático, até como receptor de recursos, conferiria maior credibilidade ao mecanismo.
Como parte de sua estratégia para pressionar os EUA e demais países ricos a adotar metas mais ambiciosas de corte nas emissões e ajuda financeira no futuro acordo, o governo brasileiro recusou os recursos do programa de fundos de investimento em clima (CIFs na sigla em inglês).
Lançada em julho de 2008 pelo Banco Mundial, a iniciativa é implementada conjuntamente com outros três bancos multilaterais de desenvolvimento (MDBs na sigla em inglês): o africano, o asiático (ADB), o europeu (EBRD) e o interamericano (BID). Dez países industrializados anunciaram que alocarão US$ 6,1 bilhões para os fundos do programa.
Há países do G-77, como as Filipinas, que aceitaram receber dinheiro do Fundo de Tecnologia Limpa (CTF na sigla em inglês), umas das linhas de financiamento do programa do Banco Mundial. No caso do Brasil, o elevando grau de influência internacional que o país adquiriu ao longo desta década o induz a caminhar com muita cautela em um jogo tão pesado como o da negociação climática. Nessa arena, os movimentos de um ator influente emitem sinais que podem ser decisivos no desfecho de uma negociação.
É possivelmente essa avaliação que definiu a recusa do Brasil. O país teme que a aceitação do dinheiro seja interpretada como tentativa de os EUA “comprar” seu apoio à proposta de o GEF, que tem seus recursos administrados pelo Banco Mundial, assumir a operação financeira do novo acordo climático.
Há, porém, sinais de que o país acharia razoável a solução intermediária aventada nas conversas de bastidor entre técnicos das agências multilaterais e colegas brasileiros e estadunidenses. Mas o Brasil somente aceitaria tomar recursos do CIF após uma decisão da COP em relação à governança do mecanismo financeiro do acordo climáticos pós-2012.
Por hora, o modelo intermediário é cozinhado em banho maria à espera de entendimentos cruciais para a conclusão do acordo climático nos temas do volume de recursos da assistência financeira aos países em desenvolvimento, às metas de redução nas emissões e à transferência de tecnologia.