Anúncio da ministra Dilma Rousseff ocorre dois dias após senadora Marina Silva defender proposta semelhante em Copenhague
A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que lidera a delegação brasileira na COP-15, anunciou nesta quarta-feira em Copenhague a criação de uma linha de US$ 5 bilhões para ajudar os países pobres mais vulneráveis às mudanças climáticas em suas ações de adaptação ao fenômeno.
O anúncio foi feito depois que a senadora Marina Silva (PT-AC) defendeu proposta similar na última segunda-feira no Bella Center, onde ocorre a 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudança do Clima (COP-15).
Os recursos serão aplicados nos próximos dez anos em projetos de adaptação, sobretudo na América Latina e na África, e farão parte do pacote de assistência financeira pública do futuro fundo climático global. Nessa ajuda, haverá assistência técnica gratuita e os financiamentos serão concedidos a fundo perdido ou com juros muito reduzidos.
Com a oferta, o governo espera sinalizar aos países desenvolvidos que abre mão oficialmente de recursos para a adaptação. Mais que isso, o Brasil deverá ser o primeiro signatário da Convenção do Clima a apresentar proposta financeira para ajudar os países pobres até 2020.
Até o momento, os países ricos colocaram na mesa apenas ofertas para a ajuda emergencial nos próximos três anos. A União Europeia comprometeu-se com US$ 10,5 bilhões. Ontem, dia 16, o Japão anunciou US$ 15 bilhões (US$ 11 bilhões do governo e o restante do setor privado) e um grupo de seis países ricos –Austrália, França, Japão, Noruega, Reino Unido e Estados Unidos- ofereceu US$ 3,5 bilhões especificamente para projetos de combate ao desmatamento nos países em desenvolvimento.
Os países africanos mostram-se dispostos a não aprovar um acordo que não estabeleça um pacote financeiro de longo prazo e um modelo de governança do fundo climático global com representação equilibrada entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Suspeitam que os países ricos querem concluir o acordo de Copenhague apenas com a assistência emergencial, empurrando para 2010 a discussão sobre a ajuda de longo prazo.
Da água para o vinho
No último domingo à noite, Dilma insistiu mais de uma vez na entrevista concedida à imprensa brasileira em Copenhague que eventual contribuição do país somente seria avaliada após os países ricos se comprometerem com um pacote estimado entre US$ 100 bilhões e US$ 500 bilhões anuais em 2020.
Curiosamente, a repentina mudança de posição da ministra Dilma ocorreu logo depois que a senadora acreana, pré-candidata pelo PV à Presidência da República, propôs que o Brasil oferecesse US$ 1 bilhão como ajuda às nações mais vulneráveis às modificações no clima. Na terça-feira, Dilma chegou a menosprezar a sugestão de sua ex-colega de ministério, ao dizer que “um bilhão de dólares não faz nem cosquinha”.
Para Marina, a oferta “seria um gesto simbólico do País para provocar constrangimento ético nos países ricos”, explicou à Página 22 na noite desta quarta-feira no Bella Center. Ao saber do anúncio dos US$ 5 bilhões, Marina não escondeu o sorriso por novamente ter proposta sua incorporada pelo governo Lula.
A ministra Dilma, provável candidata do PT à Presidência da República em 2010, tem se esforçado em absorver teses ambientalistas depois que Marina deixou o PT em agosto passado para se filiar ao PV. Nessa estratégia, o governo tem acompanhado de perto a senadora acreana e reagido prontamente a críticas e propostas de Marina.
Analistas avaliam que o efeito Marina já está levando os dois principais pré-candidatos à Presidência, a ministra Dilma Rousseff e o governador José Serra (PSDB-SP), a assimilarem ideias verdes a suas campanhas e programas de governo. Tal tendência não esvaziaria a candidatura de Marina?
A senadora contou que foi questionada se não ficava triste em ver mais uma vez suas propostas encampadas pelo governo ao qual serviu por quase sete anos como ministra do Meio Ambiente. Sua resposta à pergunta não surpreende quem conhece a trajetória da ex-seringueira. “Estamos numa luta muito maior que é salvar o planeta. Não temos de perder tempo tentando ver quem vai ganhar com essa ou aquela proposta”, disse Marina.
Antes da COP-15, a senadora já havia levado o governo a incorporar sua proposta de incluir as metas de redução nas emissões na lei que institui a política nacional de mudanças climáticas.
Custo das metas
Dilma e o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, também divulgaram a estimativa preliminar da necessidade de recursos para o Brasil cumprir sua meta de diminuir as emissões de gases-estufa de 36% a 39% em relação ao cenário tendencial para 2020 (se nada fosse feito para mitigar os gases). O país precisará de aproximadamente US$ 166 bilhões, oriundos do Tesouro e de financiamentos externos.
Do valor total, seriam destinados a ações de mitigação cerca de US$ 110 bilhões no setor energético, US$ 32 bilhões na agricultura e US$ 21 bilhões em ações de combate ao desmatamento na Amazônia. Não foi calculada a necessidade de recursos para ações de redução no desmatamento no cerrado.
Outro aceno de Dilma aos ambientalistas foi dado nesta última terça-feira. Durante reunião com diversas ONGs no escritório da delegação brasileira no Bella Center, os ambientalistas pediram à ministra que articulasse com os líderes governistas no Congresso Nacional a retirada da pauta de votações desta semana do projeto de lei 6424, que altera o Código Florestal. Segundo relatos de ambientalistas, a ministra imediatamente telefonou ao ministro da Articulação Política, Alexandre Padilha, orientando-o a atender ao pedido das ONGs.
“Seria vergonhosa a aprovação do projeto de lei 6424, enquanto o governo apresenta metas ambiciosas na COP-15”, diz Paula Moreira, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Entre outras coisas, o projeto reduz para 50% o percentual de reserva legal com mata nativa na floresta amazônica. Hoje, a lei determina 80% de reserva com espécies nativas.
A ministra também solicitou aos ambientalistas que redigissem proposta com suas demandas em relação ao mecanismo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd).