Desde 1957, por decisão da Assembléia Geral da ONU, a UNESCO implementa o chamado Ano Internacional. A cada ano que passa um assunto é nomeado como prioridade para a agenda socioambiental mundial: 2001 foi o ano do voluntariado, 2003 foi a vez da água potável e 2010 é o ano da biodiversidade. O intuito é chamar a atenção da sociedade civil e dos tomadores de decisão para questões essenciais à tão cobiçada sustentabilidade. Espera-se que essa conscientização gere um engajamento que, por sua vez, seja traduzido em mais recursos e tempo para estas causas, ou seja, em projetos concretos.
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A biodiversidade, para quem não sabe, tem desde 1994 uma conferência própria organizada pela ONU, a Conferência sobre Diversidade Biológica (CBD, na sigal em inglês) e que, neste ano, terá sua décima edição realizada no mês de outubro em Nagoya, Japão. No entanto, apesar de ser umas das principais ameaças ambientais sobre a economia global, a perda de biodiversidade sempre foi o “primo pobre” das mudanças climáticas, que ganhou ainda mais destaque na mídia internacional em 2009. Por este motivo, essa nomeação, aparentemente aleatória, poderia passar batida como uma estratégia de marketing verde que não pegou, não fosse o momentum criado por uma série de fatores recentes.
A disparidade entre a importância que a sociedade percebe dos temas biodiversidade e mudanças climáticas é completamente equivocada e tem duas causas principais que se relacionam. Uma é a complexidade na compreensão da relação entre biodiversidade e as atividades humanas e a outra é o espaço desproporcional dado pela mídia aos dois temas. Tudo isso é fruto de uma falha grave que acredito ser o maior desafio para a sustentabilidade como um todo, a comunicação. O caminho para um desenvolvimento sustentável passa por grandes mudanças no modelo de produção, no estilo de vida e recai, em última instância, no indivíduo. A questão é que uma pessoa não vai mudar seu comportamento sem que seja convencida de que isso será bom para si mesma, para seus filhos, para seu bolso e, por fim, para o mundo.
Pois bem, os bilhões de genes das milhares de espécies que compõem os ambientes naturais da Terra são as peças de um maquinário único e cujos produtos são extremamente diversos, conhecidos em conjunto como serviços ambientais. Nossa economia depende fortemente dos serviços ambientais de diversas formas diferentes, e estes serviços dependem da biodiversidade para funcionar. Por isso, uma vez extinta, uma espécie coloca em risco toda uma cadeia produtiva e todos os indivíduos que nela trabalham.
Da manutenção da fertilidade do solo à “produção” de chuvas os serviços ambientais têm uma importância enorme para todos os setores produtivos, isso sem mencionar a nossa saúde. Um destes serviços, a estocagem de carbono, foi um dos assuntos mais discutidos na COP15 em Copenhagen, e sem dúvida aquele cuja evolução no sentido de um acordo global foi mais perceptível. Isso porque REDD, um mecanismo para geração de créditos de carbono por desmatamento evitado, é o elo mais claro entre as duas principais conferências da ONU, clima e biodiversidade. A conservação das florestas previne que mais CO2 seja lançado para a atmosfera agravando as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, garante a permanência do habitat de aproximadamente 60% de todas as espécies do planeta.
Apesar de o movimento ambientalista ser muito mais antigo e ter como bandeira histórica a luta contra a extinção das espécies, ele nunca chegou próximo de tamanha mobilização promovida em 2009 pelas mudanças climáticas. O motivo para tal fiasco foi a falha em se quantificar e comunicar o valor econômico da biodiversidade. Foi só a partir do início deste século, através do caminho do carbono, que finalmente a conservação ambiental fez sentido na lógica da macro–economia. Bastou a devida valoração de apenas um dos muitos serviços ambientais para percebermos que uma floresta vale mais em pé do que derrubada, imaginem quando conseguirmos quantificar e valorar todos os outros!
Este é o desafio de um projeto ambicioso chamado “The Economics of Ecossistems and Biodiversity-TEEB” (www.teebweb.org), cujo resultado final deverá ser apresentado em Nagoya, em outubro deste ano. Números preliminares já apontam para 50 bilhões de euros o prejuízo que temos todos os anos com a degradação ambiental e conseqüente perda da biodiversidade.
Foi um longo caminho percorrido, mas com a aproximação dos objetivos das duas conferências da ONU promovido pelo REDD, com os esforços para a valoração dos serviços ambientais através do TEEB, e com o sucesso de diversos projetos de pagamentos por serviços ambientais implementados pelo mundo; tudo indica que 2010 será realmente o ano da biodiversidade. Estas tendências são essenciais para despertar uma consciência global de que o problema é um só, o desequilíbrio ambiental provocado pela forma predatória com que nos relacionamos com nosso planeta. Agora é a hora de acertamos as contas do passado e escolhermos um novo caminho para nosso desenvolvimento.
Beto Strumpf