Se o fiasco de Copenhague deveria propagar novas ideias e formas de mitigar as mudanças climáticas, como sugeriu Mike Hulme, pelo jeito elas não virão da Austrália. Um plano alternativo ao do governo para cortar as emissões do país em 5% até 2020 foi apelidado de “Viagra do carbono”. A meta não é lá essas coisas – foi oficialmente submetida à ONU em 1o de fevereiro –, e agora o partido de oposição, o Liberal, garante é possível atingí-la sem custo para empresas ou consumidores. Mais ou menos como o tiozinho que acredita que continua em forma, até parar de tomar o santo Viagra.
De um lado, o governo propõe um esquema de negociação de créditos de carbono (CPRS na sigla em inglês), em que se impõe um limite para as emissões e se obriga os grandes poluidores a comprar permissões se emitirem acima do limite. Os que emitirem abaixo podem vender créditos no mercado. A receita com a venda de permissões seria usada, basicamente, para compensar indústrias com mais dificuldade de se adaptar, exportadores que concorrem com empresas de países onde não há legislação para corte de emissões, e famílias de média e baixa renda.
Do outro lado do ringue, o novo líder dos liberais, Tony Abbott, lançou essa semana um plano que, segundo ele, é simples e cost-free. Empresas que cortem suas emissões seriam pagas pelo governo, por meio de um fundo, e aquelas que aumentem, levariam multa – mas não haveria limite. Os liberais não especificaram como pretendem decidir quem é multado ou não, e em quanto. O importante, segundo o líder, é não penalizar o business as usual – e, acrescentam vários comentaristas, as chances de Abbott nas eleições que devem ocorrer até o fim do ano.
O governo pagaria também para que os agricultores estoquem carbono no solo, incentivaria as famílias a instalar painéis solares, as geradoras de energia a abandonar o carvão em favor do gás natural e a plantação de 20 milhões de árvores. Abbott só não revelou de onde sairá o dinheiro – A$ 3,2 bilhões nos primeiros quatro anos (A$ 1 = R$ 1,63). Disse apenas que há como se achar tais bilhões no orçamento.
O interessante é que Abbott acusa o governo de criar um “imposto gigante”, dizendo que o CPRS vai custar mais de A$ 40 bilhões em quatro anos. A proposta do governo não é isenta de críticas, mas a cifra reflete o que o esquema deve arrecadar e repartir entre as compensações e outras alocações. Ao contrário, o plano dos Liberais, se financiando pelo orçamento, sairia diretamente dos impostos que cidadãos australianos e milhões de imigrantes pagam. O custo pode não estar evidente, “pero que lo hay, lo hay”.
Antes de se tornar líder em dezembro – e, portanto, candidato a primeiro-ministro –, Abbott foi citado pela imprensa dizendo que “a ciência em torno das mudanças climáticas é bobagem total”. Agora ele jura acreditar que é preciso agir para conter as emissões, mas não ao custo de atividade econômica e empregos. O argumento ressoa positivamente na comunidade corporativa e até com pequenos empresários, como um conhecido meu que se sentiu vingado ao ouvir o plano de Abbott. Segundo ele, não se pode penalizar quem movimenta a economia nem subtrair a escolha de consumidores, queiram eles comprar o maior SUV do mundo ou viajar de jatinho particular por aí.
O Wentworth Group of Concerned Scientist, grupo independente de pesquisadores da área de conservação, parabenizou Abbott por reconhecer o problema climático, mas apontou que para evitar o aumento de temperatura em mais de 2 graus até o fim do século é preciso limitar as emissões dos setores de transporte e energia.
O governo e o primeiro-ministro Kevin Rudd vinham surfando na onda de conscientização popular sobre as mudanças climáticas e, agora, terão que reembalar seu peixe. A comunidade cética australiana se delicia com as notícias de que o relatório do IPCC contém um erro sobre o derretimento do Himalaia. O fracasso nas negociações em Copenhague só reforça ao argumento de que corte de emissões na Austrália, por mais drástico que seja, pouco afeta o estado global das coisas – deixando de mencionar que, embora pequenas na comparação global, as emissões australianas per capita estão entre as mais altas do mundo.
As mudanças climáticas, queiram os políticos ou não, trarão custos. Mas, em ano eleitoral, impera a estratégia Viagra, a que apenas sustenta a ineficiência.