As mulheres conquistaram independência e sucesso, mas o que elas querem mesmo é mais tempo e bem estar
Uma moça bonita e decidida exibindo seu muque num cartaz que diz “We can do it” pode parecer uma ultrapassada apologia do feminismo. Mas a figura conhecida nos Estados Unidos como Rosie, The Riveter (ou Rosie, a Rebitadeira) foi criada, na verdade, para intimar as americanas a substituir os homens na indústria de armamentos durante a Segunda Guerra Mundial.
Se a motivação por trás da ilustração era bélica, a clássica peça gráfica tornou-se um dos marcos de um movimento que começou com as operárias da Revolução Francesa e terminou por transformar as mulheres ocidentais em “Rosies” capazes de fazer quase tudo com as próprias mãos. A contrapartida é que a medida do tempo nunca mais foi a mesma para elas – e nem para o mundo.
Sem abandonar a pesada rotina de cuidar da casa e da família, as mulheres vivem uma jornada dupla ou tripla que hoje é a principal causa de estresse feminino. E daquela mulher de Atenas cantada por Chico Buarque não sobra nada, a não ser, talvez, o desejo de desfrutar de um tempo tecido bem mais devagar.
Ser profissional, esposa, mãe, amiga, irmã e filha numa mesma encarnação é mesmo tarefa para um muque e tanto. O que toda essa demanda gera são mulheres bem-sucedidas, com responsabilidades e salários cada vez maiores, mas sedentas por um tempinho a mais para valorizar aquilo que sempre lhes foi tão caro: o amor e a família.
Panela de pressão
Mesmo responsáveis por mais de 70% do consumo em todo o mundo e com uma renda global que aumenta bilhões de dólares a cada ano, elas encaram os ganhos financeiros não como fim, mas como meio para alcançar o bem-estar – é o que conclui Kate Sayre, uma das autoras de uma pesquisa sobre o universo feminino e o consumismo realizada pela consultoria The Boston Consulting Group (BCG), em 2008.
“As mulheres não valorizam a riqueza e o dinheiro em si, mas como formas de chegar à felicidade: a liberdade de ir atrás de satisfação, equilíbrio entre vida e trabalho e a capacidade de fazer tudo acontecer”, diz Kate.
Respondido por mais de 12 mil mulheres de 22 países, o questionário mostra que a maior tensão sofrida por elas é a falta de tempo. “A cobrança e as expectativas sobre elas mesmas mais as responsabilidades por alimentação, educação, higiene doméstica, vestuário e saúde são as principais fontes de estresse feminino. A vida é uma panela de pressão para as mulheres. Trata-se de grandes expectativas, altas demandas e poucos pontos de alívio”, completa Michael Silverstein, coautor de Women Want More (Mulheres Querem Mais) (Harper- Business, 2009), livro que resultou da pesquisa mundial da consultoria.
Ao descreverem sua rotina profissio- nal e doméstica, as brasileiras mostraram que, por aqui, o sentimento de sobrecarga de trabalho é ainda maior: são 55% das mulheres estressadas, contra uma média mundial de 49%. Prova de que nem tudo são flores nessa revolução feminina que está entre as maiores mudanças sociais dos últimos dois séculos.
Trabalho moldado
Mesmo com todas as conquistas, as mulheres ainda recebem menos do que os homens exercendo as mesmas funções. Graças a elas, no entanto, empresas de países ricos estão começando a rever alguns posicionamentos. “Mais de 90% das companhias na Alemanha e na Suíça já permitem um horário de trabalho mais flexível. E as novas tecnologias estão tornando mais fácil redefinir o trabalho em prol das necessidades familiares”, aponta a consultora americana Lynne Jarman-Johnson, em artigo publicado pela revista britânica The Economist, na edição de janeiro de 2010, que trouxe Rosie, The Riveter estampada na capa, junto com os dizeres We Did It* (Nós conseguimos).
*A edição revela que as mulheres serão mais da metade da força de trabalho nos EUA nos próximos meses e já ultrapassam os homens em postos de trabalho intelectual em diversos países ricos.
Para Lynne, sociedades que resistem à tendência de equilibrar a atividade profissional com as outras demandas das mulheres, como os países árabes e o Japão, devem pagar um preço alto por desperdiçar talentos e frustrar suas cidadãs.
Como se vê, estabilidade emocional e harmonia conjugal ainda são mercadorias em falta na sociedade da eficiência e produtividade. Em grande parte, isso se deve à quantidade de tempo dedicado a atividades profissionais que não oferecem crescimento pessoal nem contribuição ao coletivo.
“Quando um trabalho é significativo? Sempre que nos permite gerar prazer ou reduzir o sofrimento dos outros”, analisa o filósofo suíço Alain de Botton no livro Os Prazeres e Desprazeres do Trabalho (Rocco, 2009) . Ao investigar de perto uma série de ambientes de trabalho – como navios cargueiros e uma fábrica de biscoitos –, De Botton pergunta: “Uma empresa conseguiria oferecer a seus funcionários uma série de ideais suficientemente elevados em nome dos quais eles deveriam se desgastar e entregar a maior parte de suas vidas?”
Ao que tudo indica, a resposta é não. Sob este ponto de vista, o “tempo vazio” que é causa de angústia e depressão pode estar relacionado não tanto a uma vida inativa, mas a este dia a dia sufocado por tarefas múltiplas e insignificantes. No livro O Tempo e o Cão (Boitempo, 2009) , a psicanalista Maria Rita Kehl chama atenção para a perda de equilíbrio entre o tempo do trabalho e o tempo do ócio. “O ‘tempo do Outro’, que engloba quase toda vida social no mundo capitalista de ritmo acelerado, empobrece a vida do espírito, que fica reduzida ao circuito curto da produção/consumo – domínios do presente absoluto”, escreve.
Amor no topo
Inserida numa estrutura frenética e competitiva, a mulher assume um papel nunca antes experimentado e, neste movimento, faz o mundo mudar junto com ela. Ainda novata na roda-viva do trabalho, é ela quem mais sente falta de antigos valores, como solidariedade e partilha. Características que, embora essenciais para a continuidade da vida, estão subestimadas no domínio público.
Na citada pesquisa do The Boston Consulting Group, as mulheres mostram que privilegiam os valores humanos e têm objetivos sublimes. As coisas mais importantes para elas são: amor (77%), saúde (58%), honestidade (51%) e bem-estar emocional (48%). Motores que governaram a vida humana por um tempo bem maior do que os competitivos, historicamente muito mais recentes.
“De um lado da humanidade estão aqueles que existem (uma referência aos homens), fazem saber. Com o saber fazem indústrias, pontes, coador e fraldas descartáveis, guerras, bebês de proveta, remédios, bombas, carros, tortura, fortuna, doenças, fast-food e charuto. E de outro estão as que não existem (as mulheres) e só sabem fazer com o impossível, desafiando a Deus: desespero, suicídio, traição, paixão, loucura, ferocidade, ficção, poesia, êxtase”, discorre a psicanalista Ana Lucia Holck no livro Patu, a Mulher Abismada (Subversos, 2008) , sobre o lugar e as armadilhas da mulher antes de sua entrada no mercado de trabalho.
Segundo a autora, a era de Freud corresponde ao “reino do nome-do-pai”, uma estrutura calcada no masculino que permitia a organização e a estabilidade. “Na época da globalização não estamos mais sob o reino do pai, a estrutura do ‘todo’ cedeu lugar ao ‘não todo’, modo de o psicanalista Jacques Lacan referirse ao feminino. Num mundo feminino, não se trata de referência aos ideais ou à norma como no regime fálico, mas de encontrar maneiras singulares de lidar com algo que não tem fim, nem nunca terá”, afirma Ana Lucia.
Corpo estranho
Diante de um tempo comprimido, valores dispersos e desejos perdidos entre a segurança material e o bem-estar, era esperado que o corpo da mulher também desse seu grito. Os sintomas da Tensão Pré-Menstrual (TPM), antes restritos ao meio doméstico, agora precisam ser encarados em pleno ambiente profissional, onde nem sempre existe compreensão sobre as mudanças de humor, dores e desconforto causados pela síndrome.
A prática de se recolher para enfrentar o período menstrual é relatada no romance A Tenda Vermelha (Sextante, 2006), da americana Anita Diamant. A tenda, citada no título, era o local onde as quatro mulheres do personagem bíblico Jacó se reuniam para celebrar a fertilidade e compartilhar vivências e cuidados. Encanto de um tempo distante que parece utópico diante do pragmatismo que passou a reger a relação entre a mulher e seu corpo.
Para lidar com toda a pressão que enfrenta em sua jornada de “Rosie”, uma ala feminina está desistindo de respeitar seu tempo cíclico. Muitas delas estão combatendo a TPM com a interrupção da menstruação, seja por uso contínuo de anticoncepcionais, seja por meio de implantes e DIUs hormonais. É um tema polêmico. “A interrupção da menstruação é um método eficaz e sem contraindicações, que pode ser usado em qualquer idade, porém é mais utilizado nos casos de TPM severa e incapacitante”, garante o ginecologista Paulo Nicolau.
Nos casos mais brandos, a síndrome pode ser controlada com uma alimentação pobre em sal e com muito verde, além de atividades como yoga, relaxamento e psicoterapia.
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Três humores em um mês – as fases do ciclo feminino
Estrogênica – A mulher apresenta uma tendência competitiva, pele mais brilhante, menos estresse, apetite normal e humor mais estável. Ela está mais disposta a cuidar de sua aparência e gosta de estar em público. No ambiente de trabalho é extrovertida; interessa-se mais pelo que acontece no mundo profissional do que no doméstico.
Progesterônica – Neste período, ela já não se expõe tanto, pode ficar restrita ao seu setor e ser mais cooperadora no ambiente de trabalho. Com a alteração das características hormonais, adquire uma tendência introspectiva.
Ciclo alterado na fa se estrogênica – É nesta fase que surgem os sintomas da síndrome de tensão pré-menstrual, como a fadiga crônica feminina. Os desconfortos também causam desequilíbrio no climatério.
(Fonte: Clínica Berenstein)