A cultura política que se nutre da tradição das campanhas ultrapersonalizadas e da supremacia do marketing será tensionada por novos temas e protagonistas
Outro dia, um amigo que mora num bairro da periferia de São Paulo me disse que está ouvindo por lá muitas conversas que estimulam, no boca a boca, o voto nulo de alto a baixo: presidente da República, senadores, deputados federais e estaduais, governadores. É cedo para dizer se isso vai crescer ou restringir-se à ira de um grupo inexpressivo, mas indica o desânimo generalizado em relação à política e a percepção alastrada de que ela é, principalmente, um canal para a corrupção e para o desvirtuamento do interesse público.
O calendário eleitoral* de 2010 segue o seu ritual, impávido. De 10 a 30 de junho devem ser realizadas as convenções partidárias para escolha de candidatos e decisões sobre coligações. Até 5 de julho, as candidaturas devem ser registradas. A partir de 6 de julho, será permitida a propaganda eleitoral. Em 17 de agosto começa a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, indo até 30 de setembro. Finalmente, no dia 3 de outubro acontecerá o primeiro turno das eleições. E, no dia 31 de outubro, o segundo turno, onde couber.
*Com este artigo, PÁGINA22 inaugura uma seção especial mensal destinada a acompanhar e a provocar discussões sobre sustentabilidade na política brasileira e no processo eleitoral deste ano
Na prática, a campanha presidencial está na rua desde o ano passado, puxada pelo presidente da República, empenhado em colocar sua candidata num intensivão, contando com o privilégio nada desprezível de poder utilizar (e criar) oportunidades oficiais e recursos públicos para circular pelo País. E pelo exterior, como mostrou a desastrada tentativa de alçar a ministra da Casa Civil à liderança da política ambiental brasileira em Copenhague. Deu errado, porque ela não decorou bem o papel, apesar do exército de assessores. E, ao tentar alijar agressivamente o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, do contato com a mídia, acabou se expondo demais e denunciando sua falta de intimidade com o assunto.
Foi uma trapalhada, mas quem se importa? Há, certamente, a convicção de que isso não pesa na eleição interna. De fato, parcela ínfima da população sabe o que se passou em Copenhague ou detém muitas outras informações importantes para decidir seu voto. Além disso, nossa democracia formal, consolidada em instituições e ritos, não bate com a cultura política, avessa a regras universais e à ingerência do interesse público em estratégias de poder.
De qualquer forma, 2010 será um ano de embate. Essa cultura política, que se nutre da tradição das campanhas ultrapersonalizadas e da supremacia do marketing sobre o debate de propostas e ideias, será tensionada pela entrada de novos temas e novos protagonistas. O episódio de Copenhague aqui lembrado é sintoma dessa tensão, na medida em que revela o reconhecimento de que será preciso enfrentar questões que fogem ao ramerrão superficial de sempre.
Do ponto de vista político, o cenário será o pior possível, se vingar a tese da “eleição plebiscitária”, o que significa um tira-teima francamente maniqueísta entre os governos Lula e Fernando Henrique, que interessa mais à visão patrimonialista da política do que à sociedade. Em lugar de projetar o País para um debate sobre o futuro, que vai além desses dois grupos políticos, quer-se concentrar a energia da eleição no tal do plebiscito, que, se valesse para alguma coisa, deveria ser para evidenciar os inúmeros erros que ambos cometeram. A começar pela incapacidade de empreender mudanças estruturais no modelo de governabilidade e na prática político-partidária.
No cenário deste momento, Marina Silva e Ciro Gomes, este último, em termos, atrapalham o arrastão plebiscitário. Que, aliás, padece de um problema conceitual. Não dá para falar em plebiscito entre PT e PSDB, em sim ou não, quando a grande força política do País continua sendo o PMDB, que é sim e não.
INTERNET E TELEVISÃO
E a internet, cumprirá o seu destino de embaralhar as cartas, turbinando os debates reais e mobilizando militâncias? O seu papel na eleição de Barack Obama dificilmente se repetirá por aqui, mas, mesmo que o efeito não seja o mesmo, pode vir a ser um diferencial, especialmente para quem não dispõe de recursos e tempo de TV fartos.
A TV continuará sendo a grande caixa de ressonância. O desafio de uma candidata como Marina Silva será transformar o seu minuto em ouro, ou seja, terá de acertar o alvo diariamente para provocar a discussão de seus temas e propostas na seara dos gigantes com os quais disputa.
Serão quase 132 milhões de votantes em outubro. O que decidirão? Estamos apenas no ensaio geral, os blocos ainda não estão explicitamente na rua. PÁGINA22 acompanhará bem de perto este ano tão instigante, procurando identificar as inovações, as polêmicas, os compromissos, as alianças e forças capazes de fazer com que tenhamos algo sustentável a comemorar a partir de outubro, qualquer que seja o candidato vencedor.[:en] A cultura política que se nutre da tradição das campanhas ultrapersonalizadas e da supremacia do marketing será tensionada por novos temas e protagonistas
Outro dia, um amigo que mora num bairro da periferia de São Paulo me disse que está ouvindo por lá muitas conversas que estimulam, no boca a boca, o voto nulo de alto a baixo: presidente da República, senadores, deputados federais e estaduais, governadores. É cedo para dizer se isso vai crescer ou restringir-se à ira de um grupo inexpressivo, mas indica o desânimo generalizado em relação à política e a percepção alastrada de que ela é, principalmente, um canal para a corrupção e para o desvirtuamento do interesse público.
O calendário eleitoral* de 2010 segue o seu ritual, impávido. De 10 a 30 de junho devem ser realizadas as convenções partidárias para escolha de candidatos e decisões sobre coligações. Até 5 de julho, as candidaturas devem ser registradas. A partir de 6 de julho, será permitida a propaganda eleitoral. Em 17 de agosto começa a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, indo até 30 de setembro. Finalmente, no dia 3 de outubro acontecerá o primeiro turno das eleições. E, no dia 31 de outubro, o segundo turno, onde couber.
*Com este artigo, PÁGINA22 inaugura uma seção especial mensal destinada a acompanhar e a provocar discussões sobre sustentabilidade na política brasileira e no processo eleitoral deste ano
Na prática, a campanha presidencial está na rua desde o ano passado, puxada pelo presidente da República, empenhado em colocar sua candidata num intensivão, contando com o privilégio nada desprezível de poder utilizar (e criar) oportunidades oficiais e recursos públicos para circular pelo País. E pelo exterior, como mostrou a desastrada tentativa de alçar a ministra da Casa Civil à liderança da política ambiental brasileira em Copenhague. Deu errado, porque ela não decorou bem o papel, apesar do exército de assessores. E, ao tentar alijar agressivamente o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, do contato com a mídia, acabou se expondo demais e denunciando sua falta de intimidade com o assunto.
Foi uma trapalhada, mas quem se importa? Há, certamente, a convicção de que isso não pesa na eleição interna. De fato, parcela ínfima da população sabe o que se passou em Copenhague ou detém muitas outras informações importantes para decidir seu voto. Além disso, nossa democracia formal, consolidada em instituições e ritos, não bate com a cultura política, avessa a regras universais e à ingerência do interesse público em estratégias de poder.
De qualquer forma, 2010 será um ano de embate. Essa cultura política, que se nutre da tradição das campanhas ultrapersonalizadas e da supremacia do marketing sobre o debate de propostas e ideias, será tensionada pela entrada de novos temas e novos protagonistas. O episódio de Copenhague aqui lembrado é sintoma dessa tensão, na medida em que revela o reconhecimento de que será preciso enfrentar questões que fogem ao ramerrão superficial de sempre.
Do ponto de vista político, o cenário será o pior possível, se vingar a tese da “eleição plebiscitária”, o que significa um tira-teima francamente maniqueísta entre os governos Lula e Fernando Henrique, que interessa mais à visão patrimonialista da política do que à sociedade. Em lugar de projetar o País para um debate sobre o futuro, que vai além desses dois grupos políticos, quer-se concentrar a energia da eleição no tal do plebiscito, que, se valesse para alguma coisa, deveria ser para evidenciar os inúmeros erros que ambos cometeram. A começar pela incapacidade de empreender mudanças estruturais no modelo de governabilidade e na prática político-partidária.
No cenário deste momento, Marina Silva e Ciro Gomes, este último, em termos, atrapalham o arrastão plebiscitário. Que, aliás, padece de um problema conceitual. Não dá para falar em plebiscito entre PT e PSDB, em sim ou não, quando a grande força política do País continua sendo o PMDB, que é sim e não.
INTERNET E TELEVISÃO
E a internet, cumprirá o seu destino de embaralhar as cartas, turbinando os debates reais e mobilizando militâncias? O seu papel na eleição de Barack Obama dificilmente se repetirá por aqui, mas, mesmo que o efeito não seja o mesmo, pode vir a ser um diferencial, especialmente para quem não dispõe de recursos e tempo de TV fartos.
A TV continuará sendo a grande caixa de ressonância. O desafio de uma candidata como Marina Silva será transformar o seu minuto em ouro, ou seja, terá de acertar o alvo diariamente para provocar a discussão de seus temas e propostas na seara dos gigantes com os quais disputa.
Serão quase 132 milhões de votantes em outubro. O que decidirão? Estamos apenas no ensaio geral, os blocos ainda não estão explicitamente na rua. PÁGINA22 acompanhará bem de perto este ano tão instigante, procurando identificar as inovações, as polêmicas, os compromissos, as alianças e forças capazes de fazer com que tenhamos algo sustentável a comemorar a partir de outubro, qualquer que seja o candidato vencedor.