Na contramão da máquina da indústria de alimentos, seja na fábrica urbana, seja no campo mecanizado, constitui-se um relativamente pequeno, mas sólido movimento de resistência. Em 158 países do mundo, ele é composto de 1.700 comunidades de produtores agrícolas ou florestais, formando a rede Terra Madre, ligada ao movimento Slow Food.
No Brasil, por enquanto, os grupos somam 60. A abrangente proposta que os une é a de produzir uma comida que, além de saborosa, seja diversificada e tenha relação com as tradições de determinado local. Com ela, também se buscam a remuneração adequada pelo trabalho dos envolvidos e o equilíbrio com o entorno.
Parece bom demais para ser verdade.Mas é justamente isso que vem acontecendo em grupos tão distantes como os agricultores de Santana dos Garrotes (PB), que cultivam o arroz vermelho, e os extrativistas da região de Pirenópolis (GO), que coletam, torram e comercializam a castanha de baru, autóctone do Cerrado. Ambos, ao lado de outros nove, fazem parte de projetos, conhecidos como “fortalezas”, da Fundação Slow Food para a Biodiversidade.
Com esse projeto, a fundação resgata “produções artesanais de qualidade”, para apoiá-las e garantir sua sobrevivência. Em todo o planeta, as fortalezas são 300. Ao juntar essa forma de produzir com o desejo de recuperar elos quase perdidos, como a ligação das pessoas com a produção de seu próprio alimento, aliado ao desejo de uma boa mesa, o Slow Food amplia seu escopo.
Criado há 20 anos, o movimento ainda tem à frente seu criador, o jornalista Carlo Petrini. “Valor e preço são duas coisas diferentes”, diz o italiano. Segundo ele, nos últimos tempos mercadificamos tudo, mas precisamos retomar o real valor dos alimentos.
Outro preceito do Slow Food é de que o consumo do alimento seja, de preferência, local – conectando o consumidor com a terra onde está e evitando a emissão de gás carbônico resultante de um transporte de longas distâncias. Esta, na verdade, é também uma das contradições do movimento, já que muitas vezes os produtores buscam a exportação.
Para as vendas externas, produtores preferem trabalhar com o comércio justo, que está mais estabelecido no mercado internacional. Além de a remuneração e as condições serem melhores, no fair trade a relação entre o comprador e o fornecedor é de médio ou longo prazo, e não de uma única compra. As dificuldades logísticas – outro entrave, a depender da localidade – também são resolvidas pelas duas partes em conjunto. Alguns municípios nem sequer possuem transportadoras, e assim precisam resolver o envio de seus produtos de maneiras alternativas – por exemplo, providenciando um caminhão próprio.
Também se propõe que os alimentos frescos sejam, sempre, de época. Nada de comer mamão ou tomar suco de limão o ano inteiro. Uma das boas experiências apresentadas no II Terra Madre Brasil – encontro nacional da rede realizado no fim de março em Brasília – veio de Batatais, interior de São Paulo. Em uma escola da rede municipal de ensino infantil, a diretora Joyce Bergamo Raimundo implantou uma horta para ser cultivada e cuidada pelas próprias crianças, e estabeleceu o consumo de frutas sempre da estação.
“Assim as ensinamos a comer alimentos diversificados”, diz. Além de produtores, integram a Terra Madre chefes de cozinha, acadêmicos e associados ao movimento Slow Food. Esta foi a segunda edição do evento (a primeira realizou-se há três anos), promovido com o objetivo de propiciar um espaço para a articulação de seus diversos atores, e discutir soluções para melhorar a comercialização dos produtos, a conscientização do consumidor e a integração entre a agricultura familiar e a alimentação escolar.