Nas prateleiras do mundo moderno, a informação pode atrapalhar mais que ajudar. Melhor é confiar nos instintos
Você está no supermercado e quer comprar sorvete. Ao chegar na prateleira, pega seu iPhone, direciona para o código de barras do pote escolhido e imediatamente recebe informações detalhadas sobre aquele Menta Choc Chip: valor nutricional, produtos químicos na fórmula, corantes artificiais, além do desempenho da empresa em relação à energia, resíduos, poluição, bem como questões trabalhistas. Parece futuro? Pois é presente. O site GoodGuide disponibiliza relatórios de mais de 70 mil produtos para ajudar o consumidor a escolher melhor.
A iniciativa é do professor Dara O’Rourke, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que um dia decidiu investigar o que continha no filtro solar que pretendia passar no rosto da filha. Descobriu duas substâncias tóxicas.
A partir daí, passou a investigar produtos e a atribuir notas por seu desempenho nas áreas de saúde, ambiental e social. A ideia é ajudar o consumidor a ser menos refém das letrinhas miúdas e impronunciáveis que compõem a lista de ingredientes dos produtos, na busca de compras que garantam melhor saúde para nós e para o planeta.
Mas no mundo de hoje, tão cheio de escolhas, e cada vez mais difíceis, será mesmo informação o que nos falta? Ou a informação nos torna ainda mais reféns na sociedade de consumo?
“Manhê, acabou a proteína!”
Tomemos o caso dos produtos alimentícios. Quando eu era pequena, adorava tomar Yakult e imaginar que estava ingerindo uma trupe de lactobacilos vivos. Sentia-me o próprio Yuri Gagarin, consumindo algo com “nome científico”. Hoje, somos todos astronautas. Um dia comprei um ovo com data de validade na casca e enriquecido com três vitaminas. Outro dia escutei de um amigo: “Hoje, preciso comer na rua, não tem proteína em casa”.
Eu fico desolada. Quando foi que comida virou coisa? Quando foi que brócolis, ovo e bacon viraram fibra, colesterol e gordura saturada? Macarrão e bife não existem mais. Agora é carboidrato e proteína. Peixe é ômega 3. Arrancaram da gente a comida e nos devolveram nutrientes, antioxidantes, vitaminas. O problema é que, ao fazer isso, deslocaram a capacidade de escolha da gente para os especialistas. E, assim, sucumbimos a eles…
O escritor Michael Pollan, autor de vários livros sobre alimentação, compartilha da minha desolação. E alerta para os perigos dessa simplificação. As pessoas não comem nutrientes. Comem comida. A ciência reducionista aplicada pelos nutricionistas modernos desconsidera, de um lado, a complexidade da comida e, do outro, a complexidade do ser humano que a come.
O betacaroteno da cenoura foi identificado como poderoso para evitar o câncer. O que os cientistas fizeram? Desenvolveram suplementos de betacaroteno que, isolados, eram ou inertes ou mesmo aumentavam o risco de câncer! Nós simplesmente não sabemos absolutamente nada sobre as cenouras, nada sobre as interações dentro da cenoura, e dela com o nosso corpo.
Para Pollan, a comida não é uma coisa, é uma relação. Se você tomar café preto com seu bife, seu corpo não vai absorver direito o ferro da carne. Dependendo de minha herança evolucionária, sou mais ou menos apto a digerir lactose. A ecologia intransferível do meu intestino define o quanto vou conseguir transformar calorias ingeridas em energia. A relação homem-comida não pode ser considerada uma relação de combustível-veículo.
Nessa confusão de informações e escolhas, Pollan sugere que o melhor a fazer é depender de nós mesmos. De nossa cultura, da sabedoria de nossa “tribo”, de nossas mães, avós e amigos. Sempre soubemos quando um ovo está podre, quando um iogurte talhou, quando uma verdura está fresca.
O que fazer? Coma comida, aconselha Pollan. Não coma nada que sua tataravó não reconheceria como “comida”. Hoje existe uma série de substâncias comestíveis no supermercado, com cara de comida. Em geral, elas vêm com avisos insistentes de que fazem bem à saúde. Fuja delas. Uma declaração acintosa de “saudável” é forte indício de que aquele produto não é comida. Evite produtos que contêm muitos ingredientes que você não consegue pronunciar: é, no mínimo, sinal que aquilo foi muito processado. Coma plantas, especialmente folhas. Coma mais do jeito dos franceses – eles têm uma dieta rica em gordura e álcool, mas são saudáveis por conta de seus hábitos: porções pequenas, sem “lanches”, e refeições sempre coletivas – quando a gente conversa mais, come menos.
Ferramentas como o GoodGuide podem ajudar nas escolhas, mas em última instância, siga seus instintos. Deixe sua cultura e sua história serem seus guias, não a ciência. Eu acrescentaria: quando der vontade de comer bacon, desligue seu iPhone e vá fundo. Os cientistas têm feito a gente acreditar que comemos apenas para manter nosso corpo eficientemente saudável e em funcionamento. Mas a gente também come porque é bom. Muito bom.
*Pesquisadora do Gvces e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela London Schoolof Economics and Political Science