18/04/2010
A segunda parada da expedição pelo Xingu estava marcada para a aldeia dos índios Arara, quase duas horas de barco após a área de construção da barragem.
Para grande parte do grupo, que nunca tinha tido contato com uma comunidade indígena de perto, havia grande curiosidade e expectativa. Para outros, que já tinham tido essa experiência, havia um certo receio de se chegar num grupo de 30 pessoas em uma pequena aldeia indígena que vem sendo muito visitada nos últimos meses – a exemplo das outras da região – por conta de Belo Monte.
Nem uns nem outros poderiam imaginar o que estava por vir.
Após Márcio, Mario e Élice (representante dos movimentos sociais de Altamira) fazerem um contato inicial com uma liderança local, a entrada na aldeia foi autorizada. Fomos instruídos a nos reunirmos na sala de aula da escola da comunidade. Minutos depois, Zé Carlos, uma jovem liderança indígena, de 30 anos, dava um brevíssimo contexto da história de seu povo, marcado por diversos deslocamentos, fruto de conflitos com povos mais numerosos e do surgimento da Tansamazônica. “Nós tínhamos vergonha da nossa identidade”, confessa Zé Carlos ao contar que ignorar demonstrações de preconceito com os índios é algo recente para seu povo … mas um sentimento muito forte agora.
O sentimento de pertencimento de seu povo revela-se também na fala de Zé Carlos sobre a realação do governo federal com os índios. “Nós tivemos uma conversa com o Ibama para conhecermos o projeto de Belo Monte, mas deixamos claro que aquilo não era a oitiva indígena” – a consulta pública prevista em lei pela qual os detalhes do projeto são esclarecidos aos índios e suas considerações são ouvidas e assimiladas o processo.
“Pouco tempo depois ficamos sabendo do DVD que mostrava aquele encontro como a oitiva indígena”, comenta em tom indignado o que chama de “mentira do governo”. Qualidade da água do rio, disponibilidade de peixes, impossibilidade de navegar rio abaixo, interferência no modo de vida, isolamento dos serviços de saúde são alguns dos pontos levantados por Zé Carlos sobre o impacto da construção da barragem, que não foram satisfatoriamente respondidos pelo governo até aquele dia, véspera do leilão de Belo Monte.
Conforme a conversa evoluía, descobrimos estar diante de uma liderança incrível, com grande conhecimento do que se passa entre os seus, com um comportamento corajoso diante das autoridades, recusando tratamentos indignos travestidos de ajuda, e com um senso de construção de futuro fantástico.
Daqueles momentos difíceis de reproduzir para quem não esteve lá, mas certamente corporificado nos arrepios e lágrimas que aconteceram ao longo da conversa.
Ao final, Zé Carlos fez um pedido aos presentes: “vocês, que são estudantes ainda, quando estiverem mais velhos, forem empresários, médicos, engenheiros, não esqueçam de que o mais importante é o coração.” Se a batida dos corações que estavam ali naquele momento permanecerem vivas na memória, certamente poderão se tornar grandes homens e mulheres com um brilho parecido ao daquele jovem índio, com uma clareza e um espírito de liderança e comprometimento com seu povo raro entre estadistas.
Ricardo Barretto