Em meio ao concreto de uma metrópole como São Paulo, ainda há espaço para plantas, bichos e pessoas. Mas dá para criar bem mais
Pinheiros, Jardins, Campo Limpo, Perdizes, Rio Pequeno, Água Rasa, Barra Funda, Bela Vista, Cachoeirinha. Para grande parte dos moradores de São Paulo, as referências a fauna, flora e recursos naturais estão mais na lista com o nome dos bairros do que no cenário da cidade. Em Moema, as espécies de aves desceram dos galhos para virar endereço. Rua Graúna e Avenida Bem-Te-Vi são alguns. No supermercado, o galo foi embalado e parou na geladeira. Quem anuncia o nascer do sol é o barulho dos ônibus, que voltam a circular em maior número pela manhã.
Além de mexer com o destino de animais e plantas, interferências urbanas sobre a natureza alteram a biodiversidade. E podem mudar também a vida de alguém muito importante: você.
Na origem, a área ocupada pela cidade de São Paulo tinha predominância de Mata Atlântica. A região montanhosa, que hoje abarca a cinza Avenida Paulista, fora chamada pelos índios de Caaguaçu, ou grande floresta. A descida de lá até o Rio Pinheiros era povoada de araucárias. Os nomes dos bairros com inspiração ecológica não surgiram por acaso. Eles refletiram o patrimônio verde que, aos poucos, foi sendo recortado da paisagem, seja pelo crescimento desordenado e sem planejamento, seja pela falta de uma cultura da preservação.
O ambiente urbano empobrece a diversidade de espécies, mas a natureza resiste. As árvores esparsas e a vasta quantidade de espaços abertos são características que sugerem a alguns animais a atmosfera de uma savana, atraindo pássaros como a asa-branca, do Cerrado, e o joão-nordestino, um parente do joão-de-barro.
A constatação é de Luiz Fernando Figueiredo, primeiro secretário do Centro de Estudos Ornitológicos de São Paulo (CEO), que observa aves há cerca de 50 anos. De acordo com ele, a disseminação do concreto leva a uma tendência de desaparecimento de espécies como perdizes, codornas e inhambus. Certos pássaros, no entanto, adaptaram-se completamente. Pombos e pardais gostam é de construir ninhos sobre semáforos e postes de energia elétrica, evitando o refúgio no campo.
Logicamente, nem todos os tipos de animais estão presentes no meio da selva de pedras. A riqueza da fauna é maior nos limites do território da capital, onde se concentra a vegetação. Ao Norte, no parque do Jaraguá e no da Cantareira; ou ao Sul, na Área de Proteção Ambiental Capivari-Monos, que inclui parte da Bacia Hidrográfica do Guarapiranga.
Por essas bandas, os técnicos da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) encontraram até mesmo onça. Segundo Anelisa Magalhães, bióloga que atua para a prefeitura catalogando os tipos de animais, o município inteiro abriga 700 espécies de vertebrados e invertebrados.
Entre as estratégias para medir se determinada área da cidade tem o ecossistema bem protegido, os especialistas escolhem espécies sensíveis ambientalmente, que servem de indicadores. Sua simples presença aponta a qualidade da preservação no local. A anta, por exemplo, não vive em áreas degradadas, mas somente em trechos bem protegidos. Isso se repete com certos pássaros.
Ainda assim, o simples fato de se avistar um sagui-do-nordeste em ruas mais tranquilas de São Paulo, caminhando sobre o asfalto, não é sinônimo de manutenção da fauna ou equilíbrio ecológico. Sendo de outra região, o sagui possivelmente chegou à cidade pelas mãos do homem. Tem poucos predadores, reproduz-se com intensidade e compete por alimento com espécies locais. Uma superpopulação de saguis-do-nordeste pode influenciar o cotidiano de outros animais, favorecendo a redução do número ou até o desaparecimento de grupos nativos.
Todo mundo quer o milho
O veterinário e ornitólogo Pedro Lima chama atenção para uma situação que ocorreu perto de Camaçari, na Bahia, a 50 quilômetros de Salvador, e ilustra a importância da biodiversidade para o ser humano. Em áreas de fazenda, os donos das propriedades começaram a investir na pecuária. A partir daí, o gado se alimentava de tudo o que via pela frente, inclusive da palmeira ouricuri, cujos frutos, por coincidência, são o principal alimento da arara-azul-de-lear, espécie em perigo crítico de extinção.
Para se adaptar ao novo cenário, a ave passou a atacar as plantações de milho, cultura de subsistência de muitas famílias que residiam em cidades da região. E as pessoas se revoltaram Contra a espécie, matando as araras. “Fizemos uma série de palestras nas comunidades, mostrando que o culpado não era o pássaro. A questão é como vamos planejar nossas atividades e quais reivindicações faremos aos governantes”, destaca Lima, que disse ter os governos locais arcado com parte do prejuízo de pequenos produtores.
Não é porque se vive em São Paulo, ou em qualquer outra grande cidade, enchendo o carrinho de compras no hortifrúti, que se deve passar distante dessas questões. Cedo ou tarde, o desequilíbrio da biodiversidade interfere na alimentação, na saúde ou no bem-estar do indivíduo, onde ele estiver. Mesmo as aranhas, que assustam muita gente, têm um papel a cumprir.
O professor da Universidade Federal da Bahia Hilton Japyassú, com passagem pelo Instituto Butantan e especialista em aracnídeos, ressalta que o Brasil apresenta 4 mil espécies de aranha, e São Paulo abriga apenas três perigosas – ainda assim, em áreas mais afastadas. Algumas espécies que habitam o ambiente doméstico envolvem baratas e até mosquitos, como o vetor da dengue. Com as populações de predadores e presas em equilíbrio, o próprio cupim vira jantar na frequência exata, e tem menos chances de se tornar praga.
A biodiversidade da fauna é ajudada pela preservação da flora. Além de oferecer alimento, abrigo e lugar seguro para reprodução dos animais, as árvores contribuem para a qualidade de vida do ser humano. Entre o que é possível colher, refrigeração do ambiente onde estão plantadas e retenção de gás carbônico, melhorando as condições do ar.
Pedalando e plantando
Nos anos 1950, alguns paisagistas tinham referências estrangeiras, fazendo com que fossem inseridas muitas espécies exóticas na cidade. Em excesso, a prática pode prejudicar o desenvolvimento da vegetação local. Tanto que, hoje, há um incentivo ao incremento da plantação de mudas características da região, mais entrosadas com o ecossistema.
A formação em design levou Juliana Pereira a reforçar o que chamou de um olhar sobre a estética morfológica das plantas, observando o desenho e a textura de folhas e flores. Ela conta que, ao ver as árvores, sempre teve curiosidade de conhecer os benefícios de cada espécie, como a própria função de servir de matéria-prima a medicamentos, entre outras.
Após fazer cursos na área de botânica, tornou-se paisagista e educadora ambiental do projeto Árvores Vivas. “Às vezes a gente pergunta a uma pessoa quantas árvores ela viu no caminho entre sua casa e o trabalho. A resposta é: ‘Nenhuma’. Não é bem assim. Pode não haver muitas, mas precisamos prestar maior atenção ao ambiente que nos cerca”, diz.
Atenção, aliás, é o que não falta ao Pedal Verde, grupo do qual Juliana também participa. No último domingo de cada mês, os ciclistas passeiam por São Paulo plantando mudas. As espécies e os locais são escolhidos após consulta à prefeitura, de modo que as futuras árvores sejam adequadas ao ambiente e não tenham necessidade de ser removidas depois para dar lugar a uma praça ou a um prédio.
Com base nas informações sobre a biodiversidade do município, contribuir com a preservação da natureza está ao alcance de qualquer morador da cidade. Afinal, é triste quando “Minhocão” passa a ser apelido de viaduto, e a gente fica sem terra para arejar.
Clique aqui para saber mais detalhes sobre a biodiversidade de São Paulo e conhecer a influência de algumas espécies no seu dia a dia.