Resvalado a sigla de aluguel em vários locais, terá cumprido um papel histórico se der força política a uma nova geração de ideias sobre poder e desenvolvimento
É interessante observar como o Partido Verde lida com a vida após a entrada de Marina Silva e de centenas de novos filiados num curto período de tempo. Há uma dupla tensão. De um lado, os que chegam com a palavra de ordem de mudança constatam que há uma resistência relevante a enfrentar. De outro, não está fácil para quem se acostumou ao “liberou geral” nos estados, nos últimos anos, em nome de metas na eleição de deputados federais e estaduais para obedecer à cláusula de barreira, que exigia percentual mínimo de 5% de votos em pelo menos um terço dos estados. Foi derrubada pelo STF em 2006, mas o estrago ideológico no PV já estava feito.
O partido acabou transformando-se numa federação de Executivas Estaduais praticamente independentes, ameaçando sua identidade histórica e resvalando para sigla de aluguel em vários locais. Essa história foi rompida pela entrada de Marina. Agora o que está no centro da vida partidária é um projeto nacional – e não um projeto qualquer, mas que se propõe a uma refundação programática, cuja razão de ser é a busca de poder político para propor à sociedade brasileira um modelo de desenvolvimento pós-carbono, com todas as suas consequências.
O que muitos se perguntam é, para além do carisma, da biografia e do discurso de Marina, o que há de consistente nisso tudo. Desconfiam que é muita areia para o caminhãozinho do PV, com suas enormes diferenciações internas, sua fragilidade estrutural, seus egos tão grandes, os apegos aos pequenos poderes, e seu desafio de rapidamente resgatar o espaço ideológico perdido para o fisiologismo.
De pessoas que mergulharam radicalmente no partido, acompanhando Marina, colhi observações importantes para entender esse momento. As carências materiais são enormes, mas não são o maior problema do PV. A existência de um projeto nacional supõe estratégia eleitoral com forte ênfase nas candidaturas majoritárias, o que esbarra não só em resistências estaduais que já tinham seus esquemas prontos com grupos políticos locais, mas também em fragilidades de potenciais candidaturas de ótima qualidade, porém, de pequena inserção social. Quem já tem alguma densidade eleitoral prefere sair para deputado federal ou estadual, com mais chances de conseguir mandato e fazer o partido crescer.
Até que a situação está relativamente bem resolvida no Sul, no Sudeste e em parte do Nordeste, o que dá sustentação ao projeto nacional. No Centro-Oeste, o principal entrave é a pouca capilaridade do partido. Na Região Norte a situação é mais complexa, porque, segundo um de meus interlocutores, “lá, boa parte das lideranças não entendeu nada do que está acontecendo ou entendeu e está resistindo porque tem compromissos que batem de frente com o projeto nacional”.
Às portas da abertura oficial da campanha, esse quadro impõe a Marina e às lideranças nacionais do PV uma clara opção: colocar toda a energia no diálogo com a sociedade, de forma a dar musculatura e legitimidade a um projeto nacional; ou disputar dentro do partido, o que poderia ser muito desgastante, num momento em que qualquer desgaste adicional tem tudo para ser desastroso.
É importante para o PV acreditar na possibilidade de vitória de Marina, mesmo que remota, mas em qualquer circunstância é preciso que ela saia das eleições maior do que entrou. Esse será o cacife para que o partido se volte depois para si mesmo, num novo patamar de crescimento, e se consolide para interferir no cenário nacional. O que passa por revisão estatutária, a prometida refundação programática e o aumento e institucionalização da democracia interna. Conforme ouvi, para quem aposta nesse cenário, o desafi o é não desistir no meio do caminho e chegar até lá, “porque é um osso duro de roer”.
Ao final do período eleitoral, enfim, o PV terá cumprido um papel histórico se, com todas as suas limitações, conseguir politizar a sustentabilidade, ou seja, dar força política a uma nova geração de idéias sobre poder e desenvolvimento. Nada do que tem sido pregado nas últimas décadas sobre a necessidade da conservação ambiental como parte integrante do modelo de desenvolvimento – com todas as suas implicações sociais, econômicas, éticas e culturais – faz sentido ou tem viabilidade sem essa força política.
Pergunta:
Não é estranha uma dissidência feita em nome de valores, que já se atira no colo de uma coligação que tem sob seu guarda-chuva profundas contradições com esses valores? É o caso do neófito Partido Livre, a primeira costela do PV brasileiro, que até seria muito interessante se nascesse realmente livre. Mas veio ao mundo se colocando açodadamente como força auxiliar da candidatura de Dilma Rousseff.
Pode até não ser, mas parece mais um investimento na possibilidade futura de estar dentro da partilha do governo, caso essa candidata seja a vencedora.
* Jornalista, socióloga e consultora independente