De que substância propriamente política são feitos os discursos de Dilma, Serra e Marina?
Dá para se ter ideia real do que estará em jogo nas eleições presidenciais, tomando-se por base os pronunciamentos dos três principais candidatos nas convenções partidárias que lhes homologaram os nomes? Difícil dizer, além da óbvia constatação de que consolidaram os roteiros seguidos nos últimos meses. Para mais do que isso, é preciso navegar nas falas e tentar descobrir patamares de discussão que a sociedade pode explorar e transformar em ativo político diferenciado no período eleitoral.
Seguindo a recomendação das pesquisas, a ênfase é generalizada em três pontos: educação, saúde e segurança. Mas, para além das agendas específi cas, de que substância propriamente política são feitos os discursos de Dilma, Serra e Marina? O que revelam sobre o núcleo duro do desejo de governar de cada um? O que se pode esperar deles como lideranças para o pós-Lula?
Dilma é a que mais parece pouco à vontade no papel de candidata. Não que não queira, longe disso! Mas porque – e seu discurso é uma peça exemplar a esse respeito – não consegue disfarçar que foi pinçada por uma estratégia de outrem (Lula) para exercer um determinado papel. Para o qual está sendo intensivamente treinada, pagando o preço de, por vezes, parecer bem canastrona. Quer coisa mais falsa do que o “tour de estadista” que fez pela Europa?
Sua fala na convenção do PT afirma o tempo todo que a liderança não é ela, é Lula. A “emoção” e a “alegria” que anunciou logo na primeira frase não batiam com o tom duro e formal. Tudo o mais que se seguiu – e alguns dirão que isso acontece porque Dilma é desprovida de carisma – foi como uma cartilha de candidata elaborada por uma equipe meio burocrática que listou os elementos que não poderiam faltar ao discurso. Ela foi apenas a porta-voz. Havia ali pouco de uma possível nova liderança política, chamada Dilma Rousseff. Para os que acham que o Brasil precisa de uma gerente, foi bom. E mesmo assim preocupante, com a excessiva referência e reverência para com o chefe que está saindo.
Foi uma frustração para quem entende que o cargo de presidente da República exige muito mais do que isso, no plano dos avanços ou dos retrocessos políticos que uma pessoa neste posto pode desencadear.
E foi no mínimo estranho anunciar, assim sem mais nem menos, sem dizer de que cartola sairá este coelho, o objetivo fundamental de nos tornarmos o País de uma das maiores e mais vigorosas classes médias do mundo. Como assim? Do ponto de vista do consumo? Será esse nosso futuro, todos ao shopping?
Serra seguiu praticamente o mesmo checklist temático de Dilma: saúde, educação, segurança, combate às drogas, oportunidades para todos, casa, saneamento, Estado planejador, inclusão digital, reforma tributária, reforma política e muita, mas muita obra de infraestrutura. Quando se fala em meio ambiente e desenvolvimento sustentável, ambos têm realizações a mostrar, na área federal e no Estado de São Paulo. Falam de economia de baixo carbono, mas fi ca clara a falta de intimidade com o lugar desses temas na agenda tradicional com a qual estão acostumados, como isso tudo se articula com o que chamam de crescimento. Ao final, fica como um tópico do discurso, que não se conecta organicamente aos demais. Como um enfeite ainda exótico numa árvore de Natal previsível.
Deve-se reconhecer que o discurso de Serra é menos “cartilhesco”, mais politizado no sentido de se ver no painel da consolidação da democracia no País. Mas é o mais ressentido, joga farpas demais, deixa implícitas a todo momento as miudezas da permanente comparação entre tucanos e petistas, perde a chance de voar mais alto, de fazer uma crítica mais estrutural, de se comprometer com mudanças de fundo. Contrapõe-se à mãe do PAC, lembrando que é o pai do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Marina Silva, como boa parte da mídia já constatou, é a única com carisma, ousadia e um estilo que lhe permite sair fora do jargão ofi cial de presidenciável e tornar essa campanha algo mais emocionante. À falta de dinheiro, parte para fazer, como diz, um palanque em cada coração. Sem dúvida, propõe uma discussão nova e está cada vez mais à vontade no papel da novidade das eleições, muito diferente do que foi Heloísa Helena.
De certa forma, repete o rol de temas abordados pelos outros dois candidatos, mas o que a diferencia é que eles vêm em um registro e em um encaixe diferente, só compreensível dentro de um debate no qual a dimensão planetária do desenvolvimento, a capacidade decisória da sociedade civil, as instituições públicas, a justiça social, a política em si mesma e o poder sejam inseparáveis da agenda operacional. Será que essa discussão vai acontecer? O tempo é curto, mas, se rolar, o ano terá valido a pena.
*Jornalista, socióloga e consultora independente[:en]De que substância propriamente política são feitos os discursos de Dilma, Serra e Marina?
Dá para se ter ideia real do que estará em jogo nas eleições presidenciais, tomando-se por base os pronunciamentos dos três principais candidatos nas convenções partidárias que lhes homologaram os nomes? Difícil dizer, além da óbvia constatação de que consolidaram os roteiros seguidos nos últimos meses. Para mais do que isso, é preciso navegar nas falas e tentar descobrir patamares de discussão que a sociedade pode explorar e transformar em ativo político diferenciado no período eleitoral.
Seguindo a recomendação das pesquisas, a ênfase é generalizada em três pontos: educação, saúde e segurança. Mas, para além das agendas específi cas, de que substância propriamente política são feitos os discursos de Dilma, Serra e Marina? O que revelam sobre o núcleo duro do desejo de governar de cada um? O que se pode esperar deles como lideranças para o pós-Lula?
Dilma é a que mais parece pouco à vontade no papel de candidata. Não que não queira, longe disso! Mas porque – e seu discurso é uma peça exemplar a esse respeito – não consegue disfarçar que foi pinçada por uma estratégia de outrem (Lula) para exercer um determinado papel. Para o qual está sendo intensivamente treinada, pagando o preço de, por vezes, parecer bem canastrona. Quer coisa mais falsa do que o “tour de estadista” que fez pela Europa?
Sua fala na convenção do PT afirma o tempo todo que a liderança não é ela, é Lula. A “emoção” e a “alegria” que anunciou logo na primeira frase não batiam com o tom duro e formal. Tudo o mais que se seguiu – e alguns dirão que isso acontece porque Dilma é desprovida de carisma – foi como uma cartilha de candidata elaborada por uma equipe meio burocrática que listou os elementos que não poderiam faltar ao discurso. Ela foi apenas a porta-voz. Havia ali pouco de uma possível nova liderança política, chamada Dilma Rousseff. Para os que acham que o Brasil precisa de uma gerente, foi bom. E mesmo assim preocupante, com a excessiva referência e reverência para com o chefe que está saindo.
Foi uma frustração para quem entende que o cargo de presidente da República exige muito mais do que isso, no plano dos avanços ou dos retrocessos políticos que uma pessoa neste posto pode desencadear.
E foi no mínimo estranho anunciar, assim sem mais nem menos, sem dizer de que cartola sairá este coelho, o objetivo fundamental de nos tornarmos o País de uma das maiores e mais vigorosas classes médias do mundo. Como assim? Do ponto de vista do consumo? Será esse nosso futuro, todos ao shopping?
Serra seguiu praticamente o mesmo checklist temático de Dilma: saúde, educação, segurança, combate às drogas, oportunidades para todos, casa, saneamento, Estado planejador, inclusão digital, reforma tributária, reforma política e muita, mas muita obra de infraestrutura. Quando se fala em meio ambiente e desenvolvimento sustentável, ambos têm realizações a mostrar, na área federal e no Estado de São Paulo. Falam de economia de baixo carbono, mas fi ca clara a falta de intimidade com o lugar desses temas na agenda tradicional com a qual estão acostumados, como isso tudo se articula com o que chamam de crescimento. Ao final, fica como um tópico do discurso, que não se conecta organicamente aos demais. Como um enfeite ainda exótico numa árvore de Natal previsível.
Deve-se reconhecer que o discurso de Serra é menos “cartilhesco”, mais politizado no sentido de se ver no painel da consolidação da democracia no País. Mas é o mais ressentido, joga farpas demais, deixa implícitas a todo momento as miudezas da permanente comparação entre tucanos e petistas, perde a chance de voar mais alto, de fazer uma crítica mais estrutural, de se comprometer com mudanças de fundo. Contrapõe-se à mãe do PAC, lembrando que é o pai do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Marina Silva, como boa parte da mídia já constatou, é a única com carisma, ousadia e um estilo que lhe permite sair fora do jargão ofi cial de presidenciável e tornar essa campanha algo mais emocionante. À falta de dinheiro, parte para fazer, como diz, um palanque em cada coração. Sem dúvida, propõe uma discussão nova e está cada vez mais à vontade no papel da novidade das eleições, muito diferente do que foi Heloísa Helena.
De certa forma, repete o rol de temas abordados pelos outros dois candidatos, mas o que a diferencia é que eles vêm em um registro e em um encaixe diferente, só compreensível dentro de um debate no qual a dimensão planetária do desenvolvimento, a capacidade decisória da sociedade civil, as instituições públicas, a justiça social, a política em si mesma e o poder sejam inseparáveis da agenda operacional. Será que essa discussão vai acontecer? O tempo é curto, mas, se rolar, o ano terá valido a pena.
*Jornalista, socióloga e consultora independente