Na contramão do estímulo midiático, o governo ignora ou recusa um papel social que deveria desempenhar a favor de uma nação de futuro
Quem vive no Brasil e tem os grandes veículos de mídia como fonte principal de informação deve passar por um estado de confusão mental quando ouve falar em crise ambiental, consumo consciente, limites da natureza, papel da sociedade.
Intervalos comerciais na TV, spots de rádio e anúncios impressos falam de produtos biodegradáveis, equipamentos que consomem menos energia, bancos com uma atuação “mais verde” e marcas que investem uma parte do dinheiro das vendas na recomposição de florestas. Igualmente, o conteúdo jornalístico da mídia traz com certa frequência matérias sobre alternativas sustentáveis para produtos e processos conhecidos do grande público.
Tudo sugere que existe um jeito de consumir menos agressivo ao meio ambiente e à própria sociedade. Mesmo sendo simplistas ou pouco reveladoras do todo, essas informações podem fazer despertar um consumidor mais desatento ou aquele que age ao sabor das novidades, desenhando um contexto em que um consumo aparentemente mais sustentável não é mais privilégio de ambientalistas bem informados.
Mas, antes de seguir o estímulo midiático e dar mais atenção ao que e como consome, o cidadão encontra na grande mídia outra frente de discurso, que afirma o contrário. Na casa dos 80% de aprovação, o atual governo indica à população que o Brasil, país do presente, onde se plantando tudo dá, é agora a terra livre de desequilíbrios socioambientais.
O exemplo mais gritante é certamente a disputa em torno da alteração do Código Florestal, na qual o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), integrante da base do governo no Congresso Nacional, escreveu um relatório propondo mudanças na lei. Ele argumenta que a pressão para não se liberarem mais áreas de floresta para a agricultura e pecuária tem origem na conspiração dos países ricos contra o desenvolvimento dos menos favorecidos. Esse argumento historicamente encontra certo apreço entre muitos brasileiros.
Mais difícil é convencer o quão limitada é a ideia de uma única trajetória linear para o desenvolvimento de qualquer país, passando sempre pelas mesmas etapas – sem qualquer inovação ou diferenciação. No embate sobre o Código Florestal, a etapa “inevitável” que estaria em jogo, à qual o Brasil “tem todo o direito”, seria a da supressão da mata nativa para estabelecer atividades econômicas em princípio incompatíveis com a floresta em pé. A questão das mudanças climáticas é jogada no mesmo balaio mítico por Rebelo e ruralistas na hora de justificar as mudanças no Código Florestal: invenção dos detratores dos países em desenvolvimento.
Pensando na mensagem ao expectador não especializado, o mais grave é que o próprio governo não dá sinais de que vá impedir a iniciativa gestada em sua base, que põe em xeque as diretrizes de sua Política Nacional sobre Mudança do Clima – exibida internacionalmente como exemplo da ação do Brasil sobre a crise ambiental planetária.
As vozes contra a desfiguração da legislação ambiental acabam sendo identificadas entre os parlamentares e as ONGs ambientalistas – não raramente taxados de radicais. “Será que estão exagerando nessa história de proteger as florestas?” – talvez pense o espectador não especializado. O impulso que o aproximaria das mensagens pró-sustentabilidade que despontam na mídia pode perder força. Em outras palavras, perguntas como de onde vem a madeira para a construção ou a carne para o bife correm o risco de ser postergadas, apesar do sentido de urgência por trás delas.
IPI versus clima
Essa constatação não é um caso isolado neste governo. Para citar outro caso emblemático, basta lembrar os efeitos de uma das iniciativas de destaque no combate à crise econômica global defl agrada em 2008: a redução do IPI de diversos produtos gerou, no setor automotivo, recordes de vendas de carros. Nas ruas, intensificação do trânsito; no ar, aumento de poluentes; na atmosfera, maior quantidade de gases de efeito estufa. Nenhuma condicionante às montadoras foi estabelecida no sentido de reduzir as emissões de carbono dos veículos em troca dos benefícios.
À vista do consumidor, o governo prolongava a separação entre consumo e consciência socioambiental. Medida emergencial? Não exatamente. Na mesma época, o governo anunciou seu Plano Decenal de Energia, praticamente ignorando as fontes alternativas e mantendo foco em térmicas e grandes obras hidrelétricas. Em ambos os casos, as diretrizes governamentais abriram espaço para aumento do impacto socioambiental de produtos à disposição do consumidor e desestimularam sua percepção sobre sustentabilidade.
O que se vê, para além de políticas que não têm a sustentabilidade como norte, é que o governo ignora ou recusa um papel social que poderia desempenhar: o de reforçar a importância da sustentabilidade para o grande público, com vistas a fomentar uma nação de futuro.[:en]Na contramão do estímulo midiático, o governo ignora ou recusa um papel social que deveria desempenhar a favor de uma nação de futuro
Quem vive no Brasil e tem os grandes veículos de mídia como fonte principal de informação deve passar por um estado de confusão mental quando ouve falar em crise ambiental, consumo consciente, limites da natureza, papel da sociedade.
Intervalos comerciais na TV, spots de rádio e anúncios impressos falam de produtos biodegradáveis, equipamentos que consomem menos energia, bancos com uma atuação “mais verde” e marcas que investem uma parte do dinheiro das vendas na recomposição de florestas. Igualmente, o conteúdo jornalístico da mídia traz com certa frequência matérias sobre alternativas sustentáveis para produtos e processos conhecidos do grande público.
Tudo sugere que existe um jeito de consumir menos agressivo ao meio ambiente e à própria sociedade. Mesmo sendo simplistas ou pouco reveladoras do todo, essas informações podem fazer despertar um consumidor mais desatento ou aquele que age ao sabor das novidades, desenhando um contexto em que um consumo aparentemente mais sustentável não é mais privilégio de ambientalistas bem informados.
Mas, antes de seguir o estímulo midiático e dar mais atenção ao que e como consome, o cidadão encontra na grande mídia outra frente de discurso, que afirma o contrário. Na casa dos 80% de aprovação, o atual governo indica à população que o Brasil, país do presente, onde se plantando tudo dá, é agora a terra livre de desequilíbrios socioambientais.
O exemplo mais gritante é certamente a disputa em torno da alteração do Código Florestal, na qual o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), integrante da base do governo no Congresso Nacional, escreveu um relatório propondo mudanças na lei. Ele argumenta que a pressão para não se liberarem mais áreas de floresta para a agricultura e pecuária tem origem na conspiração dos países ricos contra o desenvolvimento dos menos favorecidos. Esse argumento historicamente encontra certo apreço entre muitos brasileiros.
Mais difícil é convencer o quão limitada é a ideia de uma única trajetória linear para o desenvolvimento de qualquer país, passando sempre pelas mesmas etapas – sem qualquer inovação ou diferenciação. No embate sobre o Código Florestal, a etapa “inevitável” que estaria em jogo, à qual o Brasil “tem todo o direito”, seria a da supressão da mata nativa para estabelecer atividades econômicas em princípio incompatíveis com a floresta em pé. A questão das mudanças climáticas é jogada no mesmo balaio mítico por Rebelo e ruralistas na hora de justificar as mudanças no Código Florestal: invenção dos detratores dos países em desenvolvimento.
Pensando na mensagem ao expectador não especializado, o mais grave é que o próprio governo não dá sinais de que vá impedir a iniciativa gestada em sua base, que põe em xeque as diretrizes de sua Política Nacional sobre Mudança do Clima – exibida internacionalmente como exemplo da ação do Brasil sobre a crise ambiental planetária.
As vozes contra a desfiguração da legislação ambiental acabam sendo identificadas entre os parlamentares e as ONGs ambientalistas – não raramente taxados de radicais. “Será que estão exagerando nessa história de proteger as florestas?” – talvez pense o espectador não especializado. O impulso que o aproximaria das mensagens pró-sustentabilidade que despontam na mídia pode perder força. Em outras palavras, perguntas como de onde vem a madeira para a construção ou a carne para o bife correm o risco de ser postergadas, apesar do sentido de urgência por trás delas.
IPI versus clima
Essa constatação não é um caso isolado neste governo. Para citar outro caso emblemático, basta lembrar os efeitos de uma das iniciativas de destaque no combate à crise econômica global defl agrada em 2008: a redução do IPI de diversos produtos gerou, no setor automotivo, recordes de vendas de carros. Nas ruas, intensificação do trânsito; no ar, aumento de poluentes; na atmosfera, maior quantidade de gases de efeito estufa. Nenhuma condicionante às montadoras foi estabelecida no sentido de reduzir as emissões de carbono dos veículos em troca dos benefícios.
À vista do consumidor, o governo prolongava a separação entre consumo e consciência socioambiental. Medida emergencial? Não exatamente. Na mesma época, o governo anunciou seu Plano Decenal de Energia, praticamente ignorando as fontes alternativas e mantendo foco em térmicas e grandes obras hidrelétricas. Em ambos os casos, as diretrizes governamentais abriram espaço para aumento do impacto socioambiental de produtos à disposição do consumidor e desestimularam sua percepção sobre sustentabilidade.
O que se vê, para além de políticas que não têm a sustentabilidade como norte, é que o governo ignora ou recusa um papel social que poderia desempenhar: o de reforçar a importância da sustentabilidade para o grande público, com vistas a fomentar uma nação de futuro.