De volta a Juruti. Doze longas horas entre táxis, salas de embarque e aviões, até chegar a uma abafada Santarém às 3 da matina. A noite curta, a tapioca no café da manhã, e finalmente o embarque na lancha “rápida” rumo a Juruti. Lá dentro, o clima é de férias, famílias se reencontrando, risadas e causos por entre as poltronas. Está lá a noiva anunciada pelo piloto da TAM na noite anterior, que continua segurando com obstinação o bolo do casamento – ou será o buquê? Ao lado dela, uma jovem morena, com saltos altos dourados e forte maquiagem, equilibra no colo seu cachorro enquanto folheia Boaventura de Souza Santos. Lá fora, um mineiro de Três Marias confessa que o Pará é sua verdadeira casa. Um biólogo de Belém conta as histórias divertidas do pai, que trabalhou em Carajás. E o marinheiro da lancha explica que o catamarã não dá conta do tipo de onda do Amazonas. Desenhado para enfrentar grandes mares, o barco não se entende ainda com as águas intensas do rio.
E é mesmo tudo intenso naquele rio. Barrento, onduloso, espumante. O cruzamento para chegar em Óbidos molha quem está fugindo do ar condicionado lá dentro da lancha. O meio do rio é violento e as ondas pegam o barco em cheio, explica o marinheiro, se divertindo de nós, ensopadas, curtindo a paisagem.
E conforme a gente vai cruzando o rio, vai chegando uma emoção muito grande de estar de volta a Juruti, depois de dois anos tão intensos trabalhando para a construção dos indicadores e depois de nove meses sem pisar nas terras supostamente caídas. Nada mudou no cenário. A paisagem pode até parecer entediante – o mesmo rio, a mesma margem, as mesmas árvores, os mesmos barquinhos volta e meia com seus pescadores. E mesmo assim, o coração – e a garganta – se apertam. Porque cada onda do rio traz lembranças de pessoas, de momentos, de risadas, de apertos. Uma espuma ali remete a uma história, as garças da beira levam a uma outra paisagem, uma risada mais alta do barco lembra alguém.
As gentes no barco são as mesmas, e em nada afetamos a paisagem deles. Desembarcando em Juruti, as pessoas estão todas lá, recebendo seus parentes, buscando suas encomendas. Elas estão lá, como estavam há nove meses, e antes disso há dois anos, e antes disso desde sempre. Seguindo suas vidas, com ou sem a nossa presença. Um trabalho tão intenso dedicado a Juruti, e a sensação primeira é de que somos invisíveis. Como pode cada gota de rio, cada sorriso de gente, cada pedacinho de pacote de encomenda significar tanto para nós, encher nossos olhos de lágrimas, e sermos tão despercebidos por eles?
A resposta é evidente.
Não é que a gente é invisível, longe disso. Daqui a pouco virão os abraços, a sempre incrivelmente calorosa acolhida, os bons papos.
É que a gente passou dois anos com a missão de transformar Juruti, mas quem saiu mais transformado fomos nós, cada um de nós.
Foram eles que nos tocaram, pra sempre.
Que bom estar de volta.
Daniela Gomes