São pontuais os casos de companhias que usam ferramentas de compartilhamento para priorizar o diálogo interno. Mas quem já aderiu à nova dinâmica tem boas histórias para contar
“Colaboração” é um dos termos que regem este início de século. Não seria exagero dizer que está para a comunicação assim como “globalização” esteve para a economia desde o final do século XX, pois define uma nova dinâmica. A comunicação acena com profundas mudanças e a tecnologia tem tudo a ver com isso.
A colaboração em rede serve para definir tanto o clique com o objetivo de arrecadar fundos para os desabrigados pelas chuvas no Nordeste como a publicação, por um executivo, de um arquivo em PowerPoint no Slideshare [1].
[1] Rede que funciona como um YouTube das apresentações online, pela qual o usuário cria um perfil e pode compartilhar arquivos que serão apresentados em flash, em formato de slide.
Em que pese a cultura competitiva, até as empresas de gestão conservadora – em que a hierarquia é exaltada e novos projetos são discutidos pela chefia a portas fechadas, sem participação da maioria dos funcionários – começam a se dar conta de que a comunicação empresarial se depara com outra perspectiva.
Nela, os diálogos – e as ações resultantes deles – transitam do universo off-line para o on-line, e vice-versa, com a maior naturalidade, quase que organicamente. Como destaca Cláudio Torres, professor de Novas Mídias do Instituto Superior de Administração e Economia (Isae), da FGV, trata-se de “uma dinâmica que faz com que a comunicação em rede e as suas potencialidades estejam longe de ser um assunto apenas para a área de marketing das empresas”.
Pesquisa realizada pela consultoria Deloitte, entretanto, mostra como a cultura colaborativa ainda prioriza ações de marketing (leia quadro à pág. ao lado). São casos pontuais as empresas que a usam com o objetivo primordial de fortalecer o diálogo interno e a integração.
Quem se adéqua às mudanças percebe que as ferramentas colaborativas não são exatamente uma inovação, mas simplesmente reproduzem o que já acontece na vida pessoal de boa parte dos funcionários.
Na empresa de telecomunicações Oi, quase metade dos funcionários pertence à Geração Y, aquela nascida após os anos 1980 e que encara a tecnologia como algo inerente à comunicação. “Não levar características e atributos da cultura web para a empresa seria negar a possibilidade de um diálogo mais fluido com a nossa base e dificultar a chance de ganhar ouvidos e corações”, afirma Manoela do Amaral Osorio, gerente de comunicação e cultura organizacional da empresa.
A Oi foi uma das primeiras companhias a requisitar à empresa carioca Lumis, especializada em soluções para portais corporativos, uma reforma na intranet [2], com o objetivo de torná-la mais interativa e capaz de integrar os funcionários que se espalham em todos os estados do País.
[2] Ambiente virtual privado, que mantém conceitos da internet.
Isso se deu em 2008. “Foi quando começamos a ter esse tipo de demanda: intranets que carregam características de redes sociais”, conta o gerente de inovação e marketing da Lumis, Ricardo Saldanha. Ele observa que há dois anos os trabalhos com esse formato ainda eram pontuais. “Poucas empresas faziam intranets pensando em integração por meio de uma maior colaboração. Isso só veio se firmar como tendência neste ano.”
Segundo Ricardo, a explicação para o aumento da demanda é simples: “Falácias sobre o uso de ferramentas das redes para os ambientes corporativos, como dizer que apenas desconcentram e não oferecem vantagens na comunicação interna, caíram por terra. Empresas que foram vanguardistas e apostaram em uma relação mais informal já estão colhendo bons resultados”, afirma.
O ambiente virtual que substituiu a primeira intranet da Oi – e está sendo novamente reformado para ficar mais colaborativo – foi construído para que os funcionários se sentissem mais próximos uns dos outros e se engajassem nos processos da empresa.
Manoela revela que, no começo, um fórum na home da intranet, onde qualquer um pode iniciar tópicos, abria para críticas explícitas dos funcionários. “Às vezes a gente se deparava com um comentário e se perguntava: “Ele está mesmo reclamando disso? E agora? Tiramos o fórum da rede? Não tiramos o fórum da rede?”
O fórum “sobreviveu” e deixou lições. Aquele foi um período de a empresa aceitar que o espaço dado para a expressão poderia resultar também em mensagens desfavoráveis, pois, mesmo tendo um termo de condições para uso, o fórum pressupõe um grau razoável de liberdade e permite diversos temas que extrapolam o conteúdo dos e-mails corporativos. “A intranet reflete o modelo de gestão de uma empresa”, diz Manoela.
Olho no olho
Mas nem só de tecnologia vive a comunicação. A Porto Seguro, por exemplo, promove há mais de 20 anos ações de relacionamento off-line, como os almoços às quintas-feiras para integração dos corretores, e desde 2000 cafés da manhã mensais, dos quais participam a diretoria e dezenas de pessoas.
Mesmo com o advento das redes sociais virtuais e de novos ambientes, esses canais foram mantidos. “Tem de haver um equilíbrio entre o uso da tecnologia e as soluções presenciais, pois não adianta estreitar relações virtualmente e distanciar fisicamente”, acredita Sônia Rica, diretora de recursos humanos da seguradora.
Na empresa, é explicitado para os funcionários que o incentivo ao diálogo está associado à busca de resultados. “Essa comunicação deve priorizar as relações de trabalho”, diz Sônia Rica.
Os funcionários da Porto Seguro – assim como na Oi, cerca de 50% deles têm menos de 30 anos – ainda dispõem de 20 minutos ao longo do dia para acessar seus perfis pessoais em qualquer ambiente virtual. É o conceito de quiosque, ao qual o funcionário vai para “desopilar”. Cerca de 60% dos funcionários acessam as redes sociais.
Parte dessa mão de obra descobriu a oportunidade de trabalho justamente pelo fórum na comunidade do Orkut, onde há um moderador encarregado de divulgar vagas abertas e esclarecer dúvidas. E quem está na empresa continua recorrendo à web para esclarecer dúvidas e criar novas relações, mas agora em um ambiente interno.
“Temos uma página de busca, que funciona como o Google. Se quero pesquisar algo sobre ‘sinistro”, termo do dia a dia de quem trabalha na Porto Seguro Automóveis, digito essa palavra e acesso um vasto resultado”, exemplifica Sônia. A empresa conta com editores de conteúdo, que selecionam notícias e formatam sugestões de texto enviadas pelos funcionários. É uma forma colaborativa de fazer a gestão de conhecimento.
Modelos de gestão como este são defendidos pelo professor de Novas Mídias Cláudio Torres. Ele é taxativo ao afirmar que o e-mail já é um ineficiente recurso na era dos computadores em rede e um desperdício de tempo se comparado às redes sociais corporativas.
“Várias informações que poderiam estar num ambiente interno semelhante à Wikipédia ficam trancafiadas nos e-mails, que ainda são acessados um a um, muitas vezes com arquivos para download. Num modelo de Wikipédia, eu replico e reestruturo, todos têm acesso ao conteúdo na empresa”, diz Torres.
Competição e colaboração
No mundo da colaboração, do diálogo amplo e quase irrestrito, porém, há uma questão que parece não entrar em cena, mas está na base da cultura empresarial e atende por “competitividade”.
Compartilhar tudo a toda hora – documentos, informações estratégicas, cartela de clientes – é mesmo tão natural assim para profissionais que buscam metas e resultados que os diferenciem numa companhia?
Para Fábio Cipriani, da Deloitte, a melhor forma de lidar com a competitividade quando se preza por um modelo colaborativo de trabalho é promover o reconhecimento dos funcionários que compartilham boas ideias e conhecimento. “Isso fará com que o profissional não tenha receio de colaborar para beneficiar um colega ou até mesmo outra área da empresa, pois sabe que a contribuição dele está sendo observada e será reconhecida.”
Cipriani revela que, na Deloitte, esse reconhecimento é praticado com ações que vão desde o envio, pelos gestores, de um e-mail de cumprimento ao funcionário até o oferecimento de viagens que promovem um maior destaque desse profissional na companhia.
Ele já teve essas duas experiências. Já recebeu e-mail do presidente global da Deloitte ao deixar um comentário pertinente no blog corporativo e também já carimbou o passaporte. Em um dos “desafios” propostos em rede pela Deloitte aos funcionários para que eles desenvolvessem ideias para novos negócios, Cipriani foi finalista com um projeto de “Gestão de Relacionamento com o Cliente” e pôde apresentá-lo, junto com mais dois colegas, em Dubai, numa reunião para líderes da Deloitte na Europa, no Oriente Médio e na África.
Diante de “soluções” como esta para a competitividade, a desestruturação de informações defendida pelo professor Cláudio Torres pode ganhar mais espaço nas empresas à medida que estas forem amadurecendo as suas relações com as ferramentas de compartilhamento.
Isso não representa, necessariamente, uma destruição das ferramentas de diálogo preexistentes. O e-mail continua tendo o seu espaço na Porto Seguro, na Deloitte, e na Oi, por exemplo. O desafio é saber qual a função mais adequada para cada elemento do mix de ferramentas que, se benfeito, pode potencializar as interações e o conhecimento interno.
Manoela do Amaral Osorio, da Oi, diz que enxerga essa questão como filosófica: “Temos de usar a máquina e a tecnologia para suportar da melhor forma a cultura organizacional e retroalimentar essa cultura”.
A filosofia que a executiva utiliza para pensar em novas soluções – como a Inovativa, uma plataforma de brainstorms sazonais por meio da qual ela mobiliza os funcionários para discutirem novas ideias – é disseminada em doses mais generosas em espaços criados para promover o trabalho compartilhado.
Nesses espaços, a cultura organizacional é ancorada nas relações horizontais, sem hierarquia nem formalidades. Profissionais de diversas áreas, com diferentes projetos, buscam o diálogo presencial e virtual para detectar interesses comuns e avançar na busca de seus objetivos.
O The Hub, uma rede com 25 unidades espalhadas pelo mundo, define-se como “uma incubadora, uma comunidade e um escritório para inovadores sociais” (mais aqui).
Embora ofereça mesas modernas e internet rápida para o trabalho, o seu principal serviço é dar condições para que empreendedores conheçam outros empreendedores com valores semelhantes e possam pensar juntos e até fazer parcerias. Lembra uma ONG, mas não é. As pessoas pagam para estar lá e podem até manter as suas empresas naquele espaço físico.
Consultor na área de sustentabilidade, Diego Gazola frequenta o espaço há um ano e afirma que nas idas ao local usa cerca de 30% do seu tempo para trocar ideias com pessoas que têm interesses semelhantes. Embora nem sempre resulte em parcerias, esse diálogo inspira e amplia os horizontes.
Alguns dos membros do Hub, como Henrique Vedana, graduado em Ciência da Computação, já trabalharam em empresas com estrutura hierárquica. Agora, Vedana circula por elas apenas como consultor independente. Depois de três anos na Dinamarca, onde estudou empreendedorismo e inovação social na Kaos Pilots [3], Vedana retornou ao Brasil. Em breve lançará um novo projeto de educação voltado para o financiamento estudantil, cujo site foi feito por um webdesigner que integra o Hub. Após, claro, muita, muita conversa.
[3] Escola que tem como filosofia estimular o empreendedorismo e a inovação social.
______________________________________
Mídias sociais nas empresas ainda priorizam o marketing
Por ora, são minoria as empresas que investem na ampliação do diálogo interno utilizando as ferramentas das redes sociais. Estas têm recebido mais atenção das áreas de marketing, desde que o universo corporativo descobriu suas possibilidades. A avaliação é do gerente da área de consultoria empresarial da Deloitte Brasil, Fábio Cipriani.
Autor do livro Blog Corporativo, Cipriani observa a evolução das práticas de mídias sociais em ambientes internos antes mesmo de os microblogs e as redes de relacionamento se tornarem um fenômeno. Mas não é apenas ancorado na sua experiência que ele chega a essa conclusão.
O executivo baseia-se na pesquisa Mídias Sociais nas Empresas, promovida pela Deloitte neste ano. Com o objetivo de retratar as novas formas de interação entre as empresas e os seus públicos, a consultoria reuniu dados de 302 companhias que atuam no Brasil.
A pesquisa mostra que apenas 23% das empresas usam as redes para integração e relacionamento interno diante de um uso de 83% para ações de marketing.
A área de marketing é, em 73% das empresas, a responsável pelas ações de comunicação nas mídias sociais, e isso está longe de significar que todas essas empresas obtiveram sucesso no que se propuseram a fazer, seja para o público interno, seja para o externo.
“Um maior sucesso no uso das mídias sociais, tanto para o público interno, visando integração e colaboração, quanto para o externo, pensando em resultados comerciais, certamente se dará quando houver envolvimento da diretoria da empresa. Isso influenciará todas as outras áreas”, diz Cipriani.
Entre os dados que apontam os fatores de insucesso da comunicação das empresas nas redes está a “relutância dos gestores em compartilhar informações”. Para 21% das companhias, este é um dos principais obstáculos. Para ele, trata-se de uma indicação de que a colaboração não suprime a competitividade no meio corporativo.