Bater na tecla do “Silva” pende perigosamente para o campo do personalismo. E o País não precisa de mais um movimento político pendurado no carisma de alguém
A presença de Marina Silva nas eleições presidenciais de 2010 permite várias leituras. Ao entrar na disputa enfrentando amplo desconhecimento de seu nome, vai se tornando mais familiar e, à medida que isso acontece, é vista por uns como surpresa interessante e carismática, por outros como evangélica conservadora, ou novidade midiática, mulher inteligente e corajosa, batalhadora. Ora como de esquerda, ora como de direita. Ou tudo isso ao mesmo tempo, e o que ela espera que prevaleça: esperança concreta de renovação na política brasileira.
O que, afinal, Marina quer colocar em questão? Sem dúvida, ela puxou para a frente e para cima a temática de campanha ao materializar no universo da política a busca do desenvolvimento sustentável. Coerentemente, colocou suas fichas na Educação e na incorporação da conservação ambiental na corrente sanguínea do que chamamos de desenvolvimento. Ela anuncia um futuro possível, em meio às ameaças da crise ambiental planetária. Compromete-se com soluções políticas, econômicas, sociais e culturais para o mundo pós-carbono. E ainda se diferencia pela postura, porque explicita suas posições qualquer que seja a plateia ou a circunstância. Convenhamos, faz tempo que não se vê algo assim na política brasileira.
Mas será que esse significado da candidatura Marina Silva está sendo apreendido? Com muita criatividade e poder de síntese, o 1 minuto e 20 segundos na TV poderá ajudar a, no mínimo, sair das eleições como a principal líder de uma nova força política no país. Uma força de transição que prepare o Brasil para a mudança de fundo, mãe de todas as mudanças de que o País e o mundo precisam: a das estruturas de poder, da concepção e da metodologia do processo de tomada de decisão, das instituições que ainda não são realmente democráticas e representativas para além dos ritos formais.
Armadilhas
Ocorre que a política vigente tem suas armadilhas e um grande poder de ímã para determinar o rumo da conversa. Que não passa nem perto do debate no qual Marina insiste. Em tese, a fuga ao debate seria uma atitude antiética de um candidato à Presidência da República. No mundo real, é uma proteção pragmática aconselhada por marqueteiros e consultores de campanha, sobretudo para quem está à frente nas pesquisas. É a antipolítica, na medida em que parte do princípio de que, quanto menos o candidato se expõe, mais vantagem ele leva. E isso não necessariamente causa estranhamento e repúdio por parte da população. Azar de quem quer debate para valer.
A prevalência dessa dinâmica, acrescida da cultura dos factoides – acusações difíceis de provar no horizonte da campanha, dossiês, foco na pessoa do candidato e não em suas propostas, carnavalização do contato com a população etc. –, tem claramente empurrado Marina Silva para insistir em repetir frases de efeito que fazem sentido no universo tradicional da política, mas reduzem seu espaço para dizer a que veio de fato.
Assim, ela tem insistido muito em que é a Silva talhada para suceder, e não continuar, a obra do outro Silva, o Lula. Mas bater na tecla do Silva – evidentemente para dizer que o Brasil já comprovou que pode ser presidido por alguém, como ela, vindo dos setores desassistidos da população – impregna demais sua campanha com o elogio da origem pobre e deixa em segundo plano o que interessa: pobre ou rica, ela significa algo mais do que ser Silva ou ter sido alfabetizada aos 16 anos.
Embora essas informações pessoais sejam importantes para que o País saiba de quem se trata, não podem virar mote, porque pendem perigosamente para o campo do personalismo, tal como aconteceu com Lula. E o Brasil não precisa de mais um movimento político pendurado no carisma de alguém. Carisma ajuda, mas é urgente que as pessoas que decidam votar em Marina o façam porque ela representa um pé na fronteira das grandes mudanças do século XXI, que implicam escolhas e dificuldades de grande peso. E não porque é uma Silva.
Compreende-se que tudo isso faça parte de uma estratégia de campanha e seria ingênuo achar que vai criar-se um universo paralelo que nada tenha a ver com os usos e costumes da política brasileira, principalmente no tempo exíguo para empreender a luta de Davi contra Golias. Mas uma nova força política só vai surgir se as pessoas que aderirem à candidatura do PV o fizerem assumindo um compromisso com a militância civilizatória, termo cunhado pela própria Marina para dizer que hoje, mais do que militar em causas específicas, temos um papel histórico na transformação da própria ideia de civilização.
No fundo, é uma questão de ajuste fino. Independentemente do resultado das eleições, é importante para o Brasil que o debate proposto por Marina Silva não se perca na sua essência. Certamente, ela é a primeira a não querer que isso aconteça.
*Jornalista, socióloga e consultora independente.