Ela está mais presente no cotidiano do que imaginamos. E será mais utilizada quando soubermos o que queremos construir
Mesmo buscando saber mais sobre eleições, acabamos percebendo que no fundo nos sentimos desconectados de todo esse movimento. Dentro de nós, salvo o sentimento de “dever público” por um instante, uma sensação de vazio nos toma. Na prática, percebemos a política como uma obrigação. E, se não pensarmos nela, cometemos um erro, pois é nosso dever “cuidar” do nosso país.
Essa sensação de distância não é errada nem certa. Ela é um sintoma de como vemos a política em nossas vidas. No entanto, as relações de poder estão em todos os lugares. A política está em quase tudo.
O poder está em nossa casa, em nosso casamento, em nosso grupo de amigos, em nossa empresa. E, se o poder está presente, a política também.
A política é basicamente o uso de poder. Alguns autores a defi nem como força de influenciar comportamentos e decisões. E adicionam: essa força é potencial, situacional e relacional.
O “potencial” vem da ideia de que posso escolher usá-la. “Situacional” porque sempre dependerá da situação. E “relacional” porque o poder somente existe na relação, não há indivíduo poderoso, somente se é poderoso em relação a alguém.
Darei um exemplo. Uma lei, seja ela formal, seja informal, sempre define esses três parâmetros. A Lei da Palmada, proposta do governo para proibir qualquer castigo físico em crianças e adolescentes, causou furor instantâneo. Em muitas famílias, a lei informal de convivência diz que os filhos devem obedecer aos pais, caso contrário os pais têm o “direito” de usar a força para que seus filhos “aprendam”.
No momento em que a Lei da Palmada [1] começa a ser discutida, ela traz consigo um imenso impacto político no cotidiano. Partindo-se do pressuposto de que a lei fosse implementada de maneira eficaz, a relação de poder pais-filhos mudaria completamente.
[1] Projeto de lei enviado ao Congresso Nacional que estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados sem palmadas e beliscões.
Os pais não teriam mais a escolha (potencial de poder) de bater em seus filhos, mesmo tendo a situação permanecido inalterada: um filho desobedecendo ao pai. A relação mudaria drasticamente. Forçaria as famílias a mudar sua política de infl uência sobre os filhos, e, por conseguinte, a maneira de educá-los.
Levando adiante esse exemplo, podemos perceber que leis informais estão em toda parte. Você pode percebê-las nesse momento olhando em sua volta. A política está em todas as relações. A política é convivência. Ela busca trazer um aspecto mais ordenado para nossas vidas. Quer tenhamos consciência, quer não, tudo que escolhemos na convivência com o outro é uma escolha política.
Em época de eleições, muitos críticos dizem que os candidatos não têm programas coerentes e aprofundados. Acredito que o questionamento anterior deva ser: qual é o programa que a sociedade apresenta? E este serve para chegar aonde? Esta escolha pedirá que tipo de convivência entre as pessoas?
Muitas de nossas angústias vêm da própria falta de consciência de que nossas escolhas são políticas, nossas relações são políticas, e elas estão a serviço de nossos interesses. Sempre.
Queremos mudar a política nacional, participar de grandes eleições, mas nos esquecemos dos pequenos votos que fazemos todos os dias e do quanto esses votos moldam a política à nossa volta.
O poder então é uma ferramenta? Sim. Está a serviço de nossos objetivos individuais e coletivos. E a política é o modo como o poder de cada um interage com o poder dos outros, por isso, de novo: convivência.
Antes de criticarmos a sociedade por não se interessar por poder e política, temos que perguntar: qual é o nosso objetivo coletivo? Qual é o nosso sonho? Qual é o meu sonho de sociedade de um ponto de vista bem prático?
Somente nos interessaremos mais por política quando a política for mais interessante, quando ela estiver mais conectada com nossos objetivos coletivos. Em outras palavras, a política somente será mais utilizada, como qualquer outra ferramenta, quando soubermos o que queremos construir.
*Formado pela FGV em Administração Pública, voltada para Reforma do Estado e Análise de Poder, e vice-presidente do Instituto Tellus.
[:en]Ela está mais presente no cotidiano do que imaginamos. E será mais utilizada quando soubermos o que queremos construir
Mesmo buscando saber mais sobre eleições, acabamos percebendo que no fundo nos sentimos desconectados de todo esse movimento. Dentro de nós, salvo o sentimento de “dever público” por um instante, uma sensação de vazio nos toma. Na prática, percebemos a política como uma obrigação. E, se não pensarmos nela, cometemos um erro, pois é nosso dever “cuidar” do nosso país.
Essa sensação de distância não é errada nem certa. Ela é um sintoma de como vemos a política em nossas vidas. No entanto, as relações de poder estão em todos os lugares. A política está em quase tudo.
O poder está em nossa casa, em nosso casamento, em nosso grupo de amigos, em nossa empresa. E, se o poder está presente, a política também.
A política é basicamente o uso de poder. Alguns autores a defi nem como força de influenciar comportamentos e decisões. E adicionam: essa força é potencial, situacional e relacional.
O “potencial” vem da ideia de que posso escolher usá-la. “Situacional” porque sempre dependerá da situação. E “relacional” porque o poder somente existe na relação, não há indivíduo poderoso, somente se é poderoso em relação a alguém.
Darei um exemplo. Uma lei, seja ela formal, seja informal, sempre define esses três parâmetros. A Lei da Palmada, proposta do governo para proibir qualquer castigo físico em crianças e adolescentes, causou furor instantâneo. Em muitas famílias, a lei informal de convivência diz que os filhos devem obedecer aos pais, caso contrário os pais têm o “direito” de usar a força para que seus filhos “aprendam”.
No momento em que a Lei da Palmada [1] começa a ser discutida, ela traz consigo um imenso impacto político no cotidiano. Partindo-se do pressuposto de que a lei fosse implementada de maneira eficaz, a relação de poder pais-filhos mudaria completamente.
[1] Projeto de lei enviado ao Congresso Nacional que estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados sem palmadas e beliscões.
Os pais não teriam mais a escolha (potencial de poder) de bater em seus filhos, mesmo tendo a situação permanecido inalterada: um filho desobedecendo ao pai. A relação mudaria drasticamente. Forçaria as famílias a mudar sua política de infl uência sobre os filhos, e, por conseguinte, a maneira de educá-los.
Levando adiante esse exemplo, podemos perceber que leis informais estão em toda parte. Você pode percebê-las nesse momento olhando em sua volta. A política está em todas as relações. A política é convivência. Ela busca trazer um aspecto mais ordenado para nossas vidas. Quer tenhamos consciência, quer não, tudo que escolhemos na convivência com o outro é uma escolha política.
Em época de eleições, muitos críticos dizem que os candidatos não têm programas coerentes e aprofundados. Acredito que o questionamento anterior deva ser: qual é o programa que a sociedade apresenta? E este serve para chegar aonde? Esta escolha pedirá que tipo de convivência entre as pessoas?
Muitas de nossas angústias vêm da própria falta de consciência de que nossas escolhas são políticas, nossas relações são políticas, e elas estão a serviço de nossos interesses. Sempre.
Queremos mudar a política nacional, participar de grandes eleições, mas nos esquecemos dos pequenos votos que fazemos todos os dias e do quanto esses votos moldam a política à nossa volta.
O poder então é uma ferramenta? Sim. Está a serviço de nossos objetivos individuais e coletivos. E a política é o modo como o poder de cada um interage com o poder dos outros, por isso, de novo: convivência.
Antes de criticarmos a sociedade por não se interessar por poder e política, temos que perguntar: qual é o nosso objetivo coletivo? Qual é o nosso sonho? Qual é o meu sonho de sociedade de um ponto de vista bem prático?
Somente nos interessaremos mais por política quando a política for mais interessante, quando ela estiver mais conectada com nossos objetivos coletivos. Em outras palavras, a política somente será mais utilizada, como qualquer outra ferramenta, quando soubermos o que queremos construir.
*Formado pela FGV em Administração Pública, voltada para Reforma do Estado e Análise de Poder, e vice-presidente do Instituto Tellus.