Mesmo sem ter posto em prática tudo o que pode constituir um jeito novo de fazer política, a campanha de Marina Silva trouxe um ar de novidade muito bemvindo ao cenário nacional
Entre tantas coisas que demandam renovação e inovação para garantir ao Brasil um lugar de destaque neste século XXI, a política talvez seja uma das mais fundamentais. A consolidação da democracia brasileira é um avanço significativo para todos aqueles que vivenciaram as restrições de liberdade impostas pela ditadura militar. Mas as conquistas democráticas não foram suficientes para nos livrar de males como a corrupção, a má gestão de recursos públicos, a falta de transparência, as barganhas.
Um dos sintomas mais evidentes da falência do sistema político é a forma pela qual são garantidas as condições de governabilidade na relação entre os poderes Executivo e Legislativo, expressa em sua melhor versão na aprovação de emendas parlamentares ao orçamento e, na pior, em esquemas como o chamado mensalão.
A lógica desse sistema arcaico favorece a manutenção no poder de antigas lideranças que garantem sua reprodução política com base em práticas eleitorais clientelistas e gera um ciclo vicioso que impede a renovação de quadros, ideias, propostas. Por essa razão, é tão difícil inovar na política.
E, por isso, causou tanta expectativa a sinalização dada por Marina Silva, ao assumir a candidatura à Presidência da República pelo Partido Verde nas eleições de 2010, de que estava ali para propor “uma nova forma de fazer política”. O mote foi uma das ideias-força da campanha também entre os membros do Movimento Marina Silva, criado ainda em 2007 por um grupo de militantes pela paz e pela sustentabilidade, que vislumbrou na senadora uma liderança capaz de catalisar suas expectativas de “uma nova civilização”.
A ideia da “nova forma de fazer política” foi apresentada no documento das diretrizes do programa de governo sob o título “Política cidadã baseada em princípios e valores”, propondo alterar “um sistema pouco transparente, que não valoriza o mérito, que se mantém desconectado do interesse público e que impede que o presidente eleito leve adiante o programa para o qual obteve o mandato”. A reforma política, que deveria ser uma prioridade, entretanto, não mereceu a devida atenção nos debates eleitorais.
A proposta para uma nova política se evidenciou mais em algumas estratégias da campanha do que no conteúdo do debate em si. A participação do Movimento Marina Silva deu um toque alternativo e descentralizado para a mobilização, em especial na produção de materiais e nos eventos de campanha, estimulando um modelo de engajamento criativo, até então pouco explorado.
Foi a partir do Movimento que a campanha ganhou a internet, aproveitando com eficiência a rede, cuja relevância nessas eleições é incontestável. A apresentação de compromissos com relação ao processo de campanha no documento de diretrizes programáticas também foi uma inovação. Participação em debates, discussão de propostas e transparência na arrecadação e na aplicação dos recursos de campanha, apesar de serem obrigações óbvias de qualquer candidato, não costumam ser cumpridas.
A ausência de coligações do PV em âmbito nacional, apresentada ao eleitor como a rejeição à lógica que subordina as composições políticas à necessidade de ampliar o tempo de televisão da campanha eleitoral, fez com que Marina tivesse pouco mais de 1 minuto no programa. Inovar na comunicação foi inevitável.
No segundo turno, Marina Silva apresentou aos candidatos que permaneceram no páreo um conjunto de propostas, cobrando deles posicionamento sobre elas. Foi uma forma de deixar claro que qualquer discussão sobre segundo turno não implicaria o interesse em participação no governo por meio de cargos. O Partido Verde acompanhou sua posição de independência, em decisão tomada em discussão com representantes do Movimento Marina Silva e outros apoiadores da campanha.
Há quem esperasse mais desse novo jeito de fazer política da candidata verde. Fosse em posições mais duras no questionamento do desenvolvimentismo comum aos adversários – como tantas vezes a provocou Plínio de Arruda Sampaio, candidato do PSOL –, fosse em posições mais incisivas contra a imposição da mídia no debate raso sobre as questões relacionadas à sua religiosidade. Marina poderia usar sua experiência pedagógica para qualificar melhor o debate entre a opinião pública, recusando o prato feito que serve ao atual sistema político.
Mas, mesmo sem ter posto em prática tudo o que pode constituir um jeito totalmente novo de fazer política, a campanha de Marina Silva trouxe um ar de novidade muito bem-vindo no cenário nacional. Diante de uma campanha medieval e monótona, em que os candidatos são muito parecidos entre si, Marina é a grande notícia.
*Secretária-executiva adjunta do Instituto Socioambiental (ISA).[:en]Mesmo sem ter posto em prática tudo o que pode constituir um jeito novo de fazer política, a campanha de Marina Silva trouxe um ar de novidade muito bemvindo ao cenário nacional
Entre tantas coisas que demandam renovação e inovação para garantir ao Brasil um lugar de destaque neste século XXI, a política talvez seja uma das mais fundamentais. A consolidação da democracia brasileira é um avanço significativo para todos aqueles que vivenciaram as restrições de liberdade impostas pela ditadura militar. Mas as conquistas democráticas não foram suficientes para nos livrar de males como a corrupção, a má gestão de recursos públicos, a falta de transparência, as barganhas.
Um dos sintomas mais evidentes da falência do sistema político é a forma pela qual são garantidas as condições de governabilidade na relação entre os poderes Executivo e Legislativo, expressa em sua melhor versão na aprovação de emendas parlamentares ao orçamento e, na pior, em esquemas como o chamado mensalão.
A lógica desse sistema arcaico favorece a manutenção no poder de antigas lideranças que garantem sua reprodução política com base em práticas eleitorais clientelistas e gera um ciclo vicioso que impede a renovação de quadros, ideias, propostas. Por essa razão, é tão difícil inovar na política.
E, por isso, causou tanta expectativa a sinalização dada por Marina Silva, ao assumir a candidatura à Presidência da República pelo Partido Verde nas eleições de 2010, de que estava ali para propor “uma nova forma de fazer política”. O mote foi uma das ideias-força da campanha também entre os membros do Movimento Marina Silva, criado ainda em 2007 por um grupo de militantes pela paz e pela sustentabilidade, que vislumbrou na senadora uma liderança capaz de catalisar suas expectativas de “uma nova civilização”.
A ideia da “nova forma de fazer política” foi apresentada no documento das diretrizes do programa de governo sob o título “Política cidadã baseada em princípios e valores”, propondo alterar “um sistema pouco transparente, que não valoriza o mérito, que se mantém desconectado do interesse público e que impede que o presidente eleito leve adiante o programa para o qual obteve o mandato”. A reforma política, que deveria ser uma prioridade, entretanto, não mereceu a devida atenção nos debates eleitorais.
A proposta para uma nova política se evidenciou mais em algumas estratégias da campanha do que no conteúdo do debate em si. A participação do Movimento Marina Silva deu um toque alternativo e descentralizado para a mobilização, em especial na produção de materiais e nos eventos de campanha, estimulando um modelo de engajamento criativo, até então pouco explorado.
Foi a partir do Movimento que a campanha ganhou a internet, aproveitando com eficiência a rede, cuja relevância nessas eleições é incontestável. A apresentação de compromissos com relação ao processo de campanha no documento de diretrizes programáticas também foi uma inovação. Participação em debates, discussão de propostas e transparência na arrecadação e na aplicação dos recursos de campanha, apesar de serem obrigações óbvias de qualquer candidato, não costumam ser cumpridas.
A ausência de coligações do PV em âmbito nacional, apresentada ao eleitor como a rejeição à lógica que subordina as composições políticas à necessidade de ampliar o tempo de televisão da campanha eleitoral, fez com que Marina tivesse pouco mais de 1 minuto no programa. Inovar na comunicação foi inevitável.
No segundo turno, Marina Silva apresentou aos candidatos que permaneceram no páreo um conjunto de propostas, cobrando deles posicionamento sobre elas. Foi uma forma de deixar claro que qualquer discussão sobre segundo turno não implicaria o interesse em participação no governo por meio de cargos. O Partido Verde acompanhou sua posição de independência, em decisão tomada em discussão com representantes do Movimento Marina Silva e outros apoiadores da campanha.
Há quem esperasse mais desse novo jeito de fazer política da candidata verde. Fosse em posições mais duras no questionamento do desenvolvimentismo comum aos adversários – como tantas vezes a provocou Plínio de Arruda Sampaio, candidato do PSOL –, fosse em posições mais incisivas contra a imposição da mídia no debate raso sobre as questões relacionadas à sua religiosidade. Marina poderia usar sua experiência pedagógica para qualificar melhor o debate entre a opinião pública, recusando o prato feito que serve ao atual sistema político.
Mas, mesmo sem ter posto em prática tudo o que pode constituir um jeito totalmente novo de fazer política, a campanha de Marina Silva trouxe um ar de novidade muito bem-vindo no cenário nacional. Diante de uma campanha medieval e monótona, em que os candidatos são muito parecidos entre si, Marina é a grande notícia.
*Secretária-executiva adjunta do Instituto Socioambiental (ISA).