Na eleição, o debate sobre o papel do governo quanto a investimentos limpos foi ofuscado por velhas ideologias
As eleições presidenciais trouxeram de volta, ainda que veladamente, o debate sobre qual deve ser o papel do Estado na economia. Em nosso País, a discussão sobre a intervenção do governo no mercado muitas vezes se resume a uma rixa entre aqueles que concordam ou não com a privatização de empresas estatais. Entretanto, a sustentabilidade – em particular o desafio de garantir a redução das emissões dos gases de efeito estufa – coloca questões bem mais urgentes sobre a atuação do setor público.
Na edição de agosto de Página22, discutimos neste espaço a importância de “ecotributos” como instrumento para induzir mais investimentos em energia renovável ou mesmo coibir as emissões de poluentes. Em poucas palavras, uma política tributária que premie o negócio mais limpo e puna o poluidor. Nas eleições, entretanto, uma reforma dessa natureza não chegou a ser discutida. Na verdade, ela apenas fez parte do programa de Marina Silva, a candidata do Partido Verde.
O Estado indutor de investimentos em energia limpa parece ser a linha adotada em diversos países que conseguiram avanços significativos nesta área. Em especial, a Alemanha, onde o Partido Verde iniciou uma ascensão política já nos anos 1980, implementou uma série de incentivos fiscais durante o governo de coalizão com o chanceler social-democrata Gerhard Schröder (1998-2005). Atualmente, é o país com maior participação de energia renovável [1] na matriz, e também onde estão localizadas as maiores empresas do setor.
[1] Esses dados não levam em conta as grandes hidrelétricas como fontes de energia renovável, devido ao grande impacto socioambiental que causam.
A crise econômica de 2008, que levou à interrupção de crédito nos mercados financeiros, também impulsionou o Estado a atuar salvando bancos e empresas à beira da falência. Em 2009, falou-se muito que os governos poderiam aproveitar a ocasião para empurrar a economia em direção a atividades pouco intensivas em carbono; o chamado “Green New Deal” [2].
[2] No fim de 2008, o programa de meio ambiente das Nações Unidas lançou a iniciativa Global Green New Deal, como forma de influenciar os pacotes de recuperação econômica.
Estados Unidos, União Europeia e Coreia do Sul embarcaram na proposta e lançaram pacotes de incentivo para empresas de energia alternativa. Embora os resultados ainda não tenham sido medidos, a ONU tem citado a recente criação de empregos na Coreia – 3 milhões – como consequência de investimentos verdes.
No Brasil, as medidas de recuperação econômica – incentivo ao consumo com redução do IPI e operações do BNDES para consolidação de setores industriais – definitivamente não foram pautadas pela agenda verde. Tampouco se viu consonância com a Política Nacional de Mudanças Climáticas, que estabelece metas domésticas de redução de gases de efeito estufa.
O pesquisador Carlos Eduardo Lessa Brandão, especialista em governança corporativa e sustentabilidade, argumenta que, no Brasil, seria diferente se houvesse maior incentivo público às energias renováveis. “Com o apoio do Estado, haveria uma alavancagem muito maior, sem a menor sombra de dúvida”, afirma. Ele dá outros exemplos que poderiam incentivar a economia verde: compras governamentais e atuação dos fundos de pensão. “O governo tem a maior influência na gestão dos investimentos dos fundos de pensão e poderia direcioná-los a atividades mais sustentáveis”, diz.
Mas qual seria o limite para não caracterizar essa atuação como intervencionismo ou garantir que não geraria desequilíbrios na competição entre as empresas? Para o economista Hugo Penteado, um ávido pensador sobre a economia verde, “a questão não é se precisamos de mais ou menos Estado, mas, sim, de todas as esferas com sua atuação complementar, vigilante, solidária entre as partes. Trocando em miúdos, todas as experiências com extremos (total liberalismo ou total controle estatal) redundaram em fracasso. Precisamos de um equilíbrio”, ele comentou, por email.
De volta às eleições, as propostas em defesa de atuação maior ou menor do Estado na economia ficaram caracterizadas como disputa ideológica, evocando a divisão esquerda e direita, apenas evidenciando a briga pelo poder entre PT e PSDB. Não houve como chegar aos pormenores de como essas posições vão determinar o rumo de nossa economia. Dilma e Serra em nenhum momento falaram da relação entre suas opiniões e a sustentabilidade.
Como dito no início, Marina Silva foi a única que incluiu em seu programa propostas de incentivo público ao mercado de energia renovável. Alguns disseram que a candidata tinha um programa neoliberal, mas as propostas parecem colocar a perspectiva de que é preciso solucionar a crise ambiental, em vez de solucionar uma pendenga de ideologia político-econômica. Novamente recorrendo a Hugo Penteado, que definiu bem a posição da discussão. “O planeta e a sociedade são e serão sempre mais importantes que o sistema econômico, não importa que rótulo seja dado a ele.” (GF)
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Varejo local adapta-se melhor à economia de baixo carbono
Quanto mais dependente de grandes cadeias de supermercados e lojas de departamentos uma cidade é, mais vulnerável estará a crises econômicas. Em 2009, ainda respirando os efeitos da crise do mercado financeiro, 1.929 lojas de grandes cadeias foram fechadas no Reino Unido, queimando 40.906 postos de trabalho. Ainda assim, a tendência de homogeneização dos centros comerciais foi pouco alterada, mostra estudo da organização New Economics Foundation.
Em 2005, eles criaram três categorias para classificar os centros comerciais conforme a variedade de lojas nas suas avenidas: tradicional, limítrofe e clone. Os centros mais tradicionais, além de conservar a identidade cultural e os laços comunitários, podem ter mais chances de se adaptar à economia de baixo carbono, por serem mais flexíveis em sua gestão e cadeia de suprimentos. Por outro lado precisam de suporte de governos, comunidade, e instituições financeiras para resistir às grandes cadeias. (GN)
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Entrevista: Matthew Kahn
Quem apostar em adaptação agora será beneficiado pelo mercado no futuro, diz economista
O economista Matthew Kahn, da Universidade da Califórnia, lançou em setembro um livro provocativo sobre mudança climática. A ideia central é que, pela teoria do livre-mercado, as cidades que não se saírem bem perderão habitantes e empresas para aquelas que souberem se planejar.
Climatopolis: How our cities will thrive in the hotter future (ou Climatópolis: Como nossas cidades vão prosperar no futuro mais quente) ainda não tem previsão de lançamento no Brasil. Embora não seja um estudioso do País, Kahn falou a Página22 sobre os principais aspectos aos quais políticos e empresas devem estar atentos também aqui.
Como a economia de mercado auxilia na adaptação às mudanças climáticas? Meu ponto de partida é que nós não somos vítimas fatalistas. Fazemos escolhas racionais para proteger a nós e a nossa família contra possíveis ameaças. Em uma economia globalizada, se bilhões de pessoas estiverem buscando estratégias de enfrentamento da mudança climática, os empreendedores que se anteciparem e criarem produtos que ajudem nessa adaptação poderão se tornar muito ricos. A mudança climática cria novas oportunidades de mercado para as empresas, e as que investirem agora estarão prontas para o momento em que crescer a demanda para produtos mais bem adaptados.
Sou otimista ao acreditar que a população pobre e urbana também poderá se beneficiar dessa inovação. A chave aqui é a concorrência, que pode fazer com que os preços ao consumidor diminuam.
Já se fala em refugiados do clima. As cidades mais bem adaptadas serão capazes de lidar com isso? As alterações climáticas poderão acelerar a migração de agricultores para as cidades. Se eles acharem que seus rendimentos estão diminuindo, tenderão a considerar a migração para as cidades como uma opção atraente. Isso poderá beneficiar suas famílias, mas a migração vai engrossar as fileiras dos pobres nas cidades. Idealmente, o governo, ou uma fonte de informação confiável, pode dizer aos agricultores quais cidades buscam operários para trabalhar em novas fábricas. Se os refugiados ambientais se deslocarem para cidades onde há demanda de trabalho, isso beneficiará tanto os migrantes quanto as fábricas.
Qual o cenário para países em desenvolvimento? Grandes cidades como São Paulo conseguirão se sair bem? Eu nunca estive no Brasil. Assim, não posso falar em detalhes. Ressalva feita, posso tecer algumas previsões. Segurança e saúde são condições necessárias para uma vida de qualidade. Haverá aumento das temperaturas e mudança no padrão das chuvas no Brasil, mas, com o aumento da renda (tendência em países em desenvolvimento), os pobres sofrerão menos, pois serão mais capazes de se proteger. Os brasileiros estão dispostos a mudar para as cidades menos quentes? As nações onde as pessoas estão dispostas a migrar entre as cidades sofrerão menos danos causados pelas alterações climáticas. O Brasil tem feito investimentos em geração de energia renovável? Será preciso mais eletricidade para proteger as pessoas da mudança climática. (GN)
* **Jornalistas especializados em meio ambiente.