A produção de qualquer coisa em qualquer lugar por qualquer pessoa é a promessa da fabricação digital, em que programas de computador rearranjam não só bits, mas átomos
Anos atrás, o venerável MIT – Massachusetts Institute of Technology – inaugurou uma disciplina com o objetivo de atrair estudantes de pós-graduação para pesquisar o emergente campo da fabricação digital. Talvez seus mentores tenham sido criativos demais ao batizar o curso – denominado “Como Fazer Quase Qualquer Coisa” –, pois dez vezes mais estudantes do que a classe poderia comportar apareceram para se matricular. “Eles não estavam lá para fazer pesquisa, mas para fazer coisas”, conta o professor Neil Gershenfeld.
Do entusiasmo dos alunos e da necessidade de oferecer um aspecto social ao projeto – financiado pela agência federal americana para a pesquisa científica –, nasceram os FabLabs. O nome completo é Fabrication Laboratory e hoje há mais de 30 no mundo. Em um FabLab, qualquer pessoa pode usar ferramentas controladas por computador – que custam dezenas de milhares de dólares – para fazer de objetos a casas inteiras. O design computadorizado é transformado em objeto por cortadores a laser, máquinas CNC (controle numérico computadorizado) e outros equipamentos [ Assista à palestra da Neil Gershenfeld no TED].
A experiência da disciplina mostrou a Gershenfeld que há um campo a ser explorado, o da fabricação pessoal: os alunos arregaçaram as mangas para colocar ideias em prática e fabricar o que nunca encontrariam no mercado. Do outro lado, os FabLabs provaram que há um enorme potencial inventivo mundo a fora. Hoje há laboratórios da África do Sul à Noruega, passando pelo Afeganistão – onde o lema é “fazemos coisas, não guerra”. Segundo o Center for Bits and Atoms, do MIT, projetos desenvolvidos nos FabLabs incluem turbinas eólicas, instrumentação analítica para a agricultura e serviços de saúde, moradia sob medida, entre outros.
Gershenfeld diz que houve uma mudança radical em relação a como dar ajuda aos países em desenvolvimento e hoje é consenso que, em vez de megaprojetos do topo para baixo, o que funciona é ir de baixo para cima, investir nas raízes, com microfinanças e outros instrumentos. “Mas ainda vemos a tecnologia como megaprojetos do topo para cima, seja em computação, comunicação, energia”, afirma. “A mensagem vinda dos FabLabs é que os outros 5 bilhões de pessoas no planeta não são apenas sumidouros tecnológicos, elas são fontes, são a oportunidade real de colher o poder inventivo e produzir soluções para os problemas locais.”
Imprimindo objetos
Talvez os alunos graduados na disciplina “Como Fazer Quase Qualquer Coisa” serão os primeiros consumidores a adquirir um aparelho visto como revolucionário: a impressora 3D. Quase um FabLab pessoal, ela funciona como a impressora que cada um de nós se acostumou a ter ao lado do desktop. Só que, em vez de imprimir em duas dimensões sobre papel, ela constrói objetos em três dimensões ao adicionar camadas de material (em geral plástico) umas sobre as outras de acordo com o design feito em computador.
Nos últimos anos seus preços vêm caindo e hoje está abaixo de US$ 10 mil. A aposta é que, em um futuro não tão remoto, fabricar um objeto será tão comum quanto imprimir um documento.
Para o futurista americano Jamais Cascio, há um forte componente de sustentabilidade em um futuro onde a maioria dos objetos é “digital”. Segundo ele, a impressão 3D pode lançar e fortalecer indústrias locais e aumentar a vida útil de bens manufaturados ao produzir peças e partes. “O argumento da sustentabilidade vai se tornar especialmente poderoso, no momento em que os bens produzidos no estrangeiro de forma barata passarem a refletir os custos crescentes dos combustíveis e do carbono”, escreveu Cascio na revista Fast Company. “E a produção local por impressão 3D, mesmo que limitada a itens simples, tem potencial para abalar as indústrias manufatureiras, de transporte e de varejo.” Mais ou menos como o CD e mais tarde o MP3 abalaram a indústria fonográfica.
Para além dos objetos de consumo, a promessa da fabricação digital é a de democratizar o acesso e permitir que pessoas comuns criem tecnologia. “Uma criança em uma vila rural precisa medir e modificar o mundo, e não apenas obter informação sobre ele em uma tela”, diz Gershenfeld. Segundo ele, a desigualdade não é só digital, mas de fabricação e de instrumentalização – para fechar a lacuna é preciso levar não a Tecnologia da Informação (TI), mas o desenvolvimento de TI, às massas.
Quando um FabLab começa a operar, o primeiro passo é o empoderamento, em seguida vêm a educação técnica e prática, a solução de problemas, a criação de empregos e, por fim, a invenção. “É uma nova noção de alfabetização, em que as ferramentas se tornam recursos para a comunidade”, afirma.
Com cada vez mais laboratórios alfabetizando gente na programação de bits e átomos – integrando os mundos digital e físico –, Gershenfeld espera avançar na missão dos FabLabs. “Em vinte anos faremos um replicator como o do Star Trek que poderá fazer qualquer coisa”, aposta.
* Jornalista e fundadora de Página22.[:en]A produção de qualquer coisa em qualquer lugar por qualquer pessoa é a promessa da fabricação digital, em que programas de computador rearranjam não só bits, mas átomos
Anos atrás, o venerável MIT – Massachusetts Institute of Technology – inaugurou uma disciplina com o objetivo de atrair estudantes de pós-graduação para pesquisar o emergente campo da fabricação digital. Talvez seus mentores tenham sido criativos demais ao batizar o curso – denominado “Como Fazer Quase Qualquer Coisa” –, pois dez vezes mais estudantes do que a classe poderia comportar apareceram para se matricular. “Eles não estavam lá para fazer pesquisa, mas para fazer coisas”, conta o professor Neil Gershenfeld.
Do entusiasmo dos alunos e da necessidade de oferecer um aspecto social ao projeto – financiado pela agência federal americana para a pesquisa científica –, nasceram os FabLabs. O nome completo é Fabrication Laboratory e hoje há mais de 30 no mundo. Em um FabLab, qualquer pessoa pode usar ferramentas controladas por computador – que custam dezenas de milhares de dólares – para fazer de objetos a casas inteiras. O design computadorizado é transformado em objeto por cortadores a laser, máquinas CNC (controle numérico computadorizado) e outros equipamentos [ Assista à palestra da Neil Gershenfeld no TED].
A experiência da disciplina mostrou a Gershenfeld que há um campo a ser explorado, o da fabricação pessoal: os alunos arregaçaram as mangas para colocar ideias em prática e fabricar o que nunca encontrariam no mercado. Do outro lado, os FabLabs provaram que há um enorme potencial inventivo mundo a fora. Hoje há laboratórios da África do Sul à Noruega, passando pelo Afeganistão – onde o lema é “fazemos coisas, não guerra”. Segundo o Center for Bits and Atoms, do MIT, projetos desenvolvidos nos FabLabs incluem turbinas eólicas, instrumentação analítica para a agricultura e serviços de saúde, moradia sob medida, entre outros.
Gershenfeld diz que houve uma mudança radical em relação a como dar ajuda aos países em desenvolvimento e hoje é consenso que, em vez de megaprojetos do topo para baixo, o que funciona é ir de baixo para cima, investir nas raízes, com microfinanças e outros instrumentos. “Mas ainda vemos a tecnologia como megaprojetos do topo para cima, seja em computação, comunicação, energia”, afirma. “A mensagem vinda dos FabLabs é que os outros 5 bilhões de pessoas no planeta não são apenas sumidouros tecnológicos, elas são fontes, são a oportunidade real de colher o poder inventivo e produzir soluções para os problemas locais.”
Imprimindo objetos
Talvez os alunos graduados na disciplina “Como Fazer Quase Qualquer Coisa” serão os primeiros consumidores a adquirir um aparelho visto como revolucionário: a impressora 3D. Quase um FabLab pessoal, ela funciona como a impressora que cada um de nós se acostumou a ter ao lado do desktop. Só que, em vez de imprimir em duas dimensões sobre papel, ela constrói objetos em três dimensões ao adicionar camadas de material (em geral plástico) umas sobre as outras de acordo com o design feito em computador.
Nos últimos anos seus preços vêm caindo e hoje está abaixo de US$ 10 mil. A aposta é que, em um futuro não tão remoto, fabricar um objeto será tão comum quanto imprimir um documento.
Para o futurista americano Jamais Cascio, há um forte componente de sustentabilidade em um futuro onde a maioria dos objetos é “digital”. Segundo ele, a impressão 3D pode lançar e fortalecer indústrias locais e aumentar a vida útil de bens manufaturados ao produzir peças e partes. “O argumento da sustentabilidade vai se tornar especialmente poderoso, no momento em que os bens produzidos no estrangeiro de forma barata passarem a refletir os custos crescentes dos combustíveis e do carbono”, escreveu Cascio na revista Fast Company. “E a produção local por impressão 3D, mesmo que limitada a itens simples, tem potencial para abalar as indústrias manufatureiras, de transporte e de varejo.” Mais ou menos como o CD e mais tarde o MP3 abalaram a indústria fonográfica.
Para além dos objetos de consumo, a promessa da fabricação digital é a de democratizar o acesso e permitir que pessoas comuns criem tecnologia. “Uma criança em uma vila rural precisa medir e modificar o mundo, e não apenas obter informação sobre ele em uma tela”, diz Gershenfeld. Segundo ele, a desigualdade não é só digital, mas de fabricação e de instrumentalização – para fechar a lacuna é preciso levar não a Tecnologia da Informação (TI), mas o desenvolvimento de TI, às massas.
Quando um FabLab começa a operar, o primeiro passo é o empoderamento, em seguida vêm a educação técnica e prática, a solução de problemas, a criação de empregos e, por fim, a invenção. “É uma nova noção de alfabetização, em que as ferramentas se tornam recursos para a comunidade”, afirma.
Com cada vez mais laboratórios alfabetizando gente na programação de bits e átomos – integrando os mundos digital e físico –, Gershenfeld espera avançar na missão dos FabLabs. “Em vinte anos faremos um replicator como o do Star Trek que poderá fazer qualquer coisa”, aposta.
* Jornalista e fundadora de Página22.