O município paraense é exemplo de uma bemsucedida estratégia local replicável à região amazônica
Um município com 97 mil habitantes, do tamanho de Sergipe, que já teve quase metade do seu território desmatado ao longo de décadas de exploração predatória, mostra que é possível combater o fogo e a motosserra com integração social, educação e vontade política. Os ganhos não foram somente ambientais. O pacote de sustentabilidade adotado pelo município trouxe impactos sociais, culturais e econômicos positivos.
Paragominas, no Pará, colocou em prática uma série de políticas que lhe renderam, recentemente, o Prêmio Chico Mendes 2010 e a exclusão do nome da cidade da Lista do Desmatamento [1] – foi o primeiro município incluído na relação do Ministério do Meio Ambiente a conseguir esse feito. A queda no desmatamento não foi o único critério de avaliação da performance do município, mas também a participação popular, a efetividade das ações, o impacto social (na educação, por exemplo) e os potenciais de inovação e difusão.
[1] O ranking, criado em 2007 pelo MMA, contempla hoje 43 municípios, responsáveis por 55% do desmatamento da Amazônia Legal em 2008. Os critérios para inclusão na lista são área total desmatada, aumento da taxa de desmatamento nos últimos cinco anos e derrubada de área igual ou maior que 200 quilômetros quadrados de floresta em 2008.
Apesar de essas mudanças terem surgido somente a partir da última década e se intensificado nos últimos dois anos, devido a pressões externas – seja do mercado internacional, seja do governo federal –, o município soube ir além do cumprimento legal e envolver diretamente a sociedade na busca por soluções efetivas e duradouras.
Com apenas dois anos do Projeto Município Verde – uma criação coletiva da prefeitura e de membros de toda a sociedade local –, Paragominas tornou-se o município que menos desmata na Amazônia, com uma redução, nesse período, de mais de 90%, equivalente a 38 quilômetros quadrados de desmate. E, para compensar o prejuízo do passado, o município já plantou mais de 50 milhões de árvores em áreas de reflorestamento, o que contribuiu para gerar a maior área de floresta certificada com Selo Verde da Amazônia, no Pará. O pioneirismo com o Cadastro Ambiental Rural (CAR), por sua vez, já atingiu 92% das propriedades rurais da região, trazendo para a luz da legalidade milhares de produtores e facilitando o processo de regularização fundiária, ainda pendente em toda a Amazônia.
A economia de Paragominas não mais se baseia apenas na exploração madeireira, mas em um conjunto de atividades que incluem, por ordem de importância no PIB, a mineração (projeto de beneficiamento de bauxita da Vale do Rio Doce), a agricultura (soja, milho e arroz), as indústrias madeireira e de reflorestamento (produção de MDF [2]), a pecuária e serviços. Em algumas dessas atividades, pode-se já notar o alinhamento do desenvolvimento econômico à proteção ambiental, sinalizando a busca pela sustentabilidade na prática.
[2] Sigla em inglês para designar placa de fibra de madeira de média densidade.
Para entender como essa revolução aconteceu em Paragominas, é preciso voltar um pouco no tempo e conhecer melhor sua história. O ciclo do desmatamento na região em que o município se encontra, nordeste do estado paraense, iniciou-se com a construção da Rodovia BR-010, a Belém- Brasília, na década de 50. Primeiramente, o foco estava na intensa exploração da madeira, com mais de 300 madeireiras em ação. Aos poucos, essa atividade econômica foi sendo substituída e, atualmente, existem apenas 15 madeireiras na região.
Segundo estudos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 1995 – o pior ano da história ambiental de Paragominas – foram derrubados 29 mil quilômetros quadrados de floresta, o equivalente ao território da Bélgica. Nessa época, a extração era feita por meio do correntão [3] e da garimpagem florestal [4], técnicas altamente predatórias. A fama de Paragominas, já nessa época, não era das melhores. A cidade era conhecida como “Paragobalas”, pois os jagunços protegiam os grileiros e as desavenças eram resolvidas na base do tiro. A conta sobrou para o meio ambiente, que viu aproximadamente 45% da sua cobertura vegetal ser devastada.
[3] Técnica que funciona com dois tratores lado a lado, a 50 metros de distância, unidos por uma corrente esticada. À medida que os tratores avançam, a corrente derruba tudo que encontra pelo caminho, com alto impacto ambiental e baixíssimo aproveitamento da madeira para fins comerciais.
Até os planos de manejo não operavam de forma regular. Um relatório de 1996 da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) de Belém, em colaboração com o Ibama, revelou que 93% dos planos empregados no município não consideravam as trilhas de arraste das toras, necessárias para minimizar o impacto causado pela extração da madeira na floresta. Além disso, conclui-se que as madeireiras usavam os planos de manejo florestal para “legalizar” a exploração ilegal.
[4] Técnica pela qual os exploradores entram na floresta com um trator de esteira que derruba o que for necessário para encontrar madeira de valor.
Anos depois, em abril de 2008, dois meses após Paragominas ter sido incluída na lista dos municípios que mais desmataram a Amazônia, a região foi alvo da Operação Arco de Fogo, da Polícia Federal, que visava combater a extração e a venda clandestina de madeira. A operação causou um grande impacto no município, elevando ainda mais o desemprego, com o fechamento de inúmeras madeireiras, e deixando a população indignada por ter de arcar com a irresponsabilidade dos que operavam na ilegalidade.
A resposta veio no mesmo mês, quando o prefeito Adnan Demachki assinou o Pacto pela Valorização da Floresta e pela Eliminação dos Desmatamentos na Amazônia, conhecido como Pacto pelo Desmatamento Zero, lançado por organizações ambientalistas com o objetivo de eliminar o desmatamento amazônico até 2015.
Mas isso não era o bastante, era preciso garantir o envolvimento e o comprometimento da população para vencer, definitivamente, o problema do desmatamento. Ciente disso, o prefeito convocou membros de toda a sociedade paragominense para discutir uma solução que fosse compartilhada e apoiada por todos. Foi então que nasceu o Projeto Município Verde, por meio de uma cooperação entre a Prefeitura Municipal e o Sindicato dos Produtores Rurais, com o apoio de entidades municipais, estaduais e não governamentais (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazon e The Nature Conservancy – TNC).
Para avaliar o alcance das metas estipuladas no projeto – entre as quais se destacam o microzoneamento econômicoecológico; a capacitação de agentes ambientais; a inclusão da educação ambiental no currículo escolar; e a ampliação e o incentivo a áreas de reflorestamento e de manejo florestal –, foi elaborado um diagnóstico socioeconômico e florestal do município, bem como um monitoramento mensal do desmatamento detectado pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), em parceria com o Imazon. A frequência mensal do monitoramento para uma cidade era algo inédito até então, e foi fundamental para identificar com mais rapidez e exatidão os madeireiros criminosos.
Mesmo com a aprovação do projeto pela população, Paragominas sofreu, pouco tempo depois, com o vandalismo de exploradores ilegais de áreas indígenas que atacaram a base do Ibama no município. Esse episódio levou o então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, a visitar a região e fechar mais duas madeireiras. Após a visita, em outubro de 2008, o prefeito fez uma audiência pública e, junto com a TNC e o Imazon, lançou o Cadastro Ambiental Rural (CAR), ferramenta de identificação de imóveis rurais emitida pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará, que é o passo inicial para o licenciamento ambiental das propriedades. A expectativa era que Paragominas fosse o primeiro município do bioma amazônico a atingir 100% de suas propriedades rurais cadastradas, o que, para um município com 88% do seu território na zona rural, é de grande relevância.
Recentemente, em março deste ano, a prefeitura reafirmou o Pacto pelo Desmatamento Zero e assinou um novo pacto, buscando ir além da legalidade. Trata-se do Pacto pelo Produto Legal e Sustentável, que passa a exigir da produção agropecuária da região a observância do tripé da sustentabilidade e vem estudando a criação de um selo de origem para certificar os produtos locais. O pacto inaugurou uma nova fase do Projeto Município Verde, ao incluir a busca pela sustentabilidade na produção e criar condições para que o município pudesse se tornar modelo de desenvolvimento sustentável.
Todos esses avanços fizeram o município literalmente renascer das cinzas, mas ainda há grandes desafios pela frente. O impasse da regularização fundiária, segundo o prefeito Demachki, é o maior desafio para a região. Ele acredita que, para acelerar o processo burocrático, o governo federal deveria doar suas glebas para os estados, de forma que o município pudesse se articular diretamente com uma instância somente. “A regularização fundiária é necessária para viabilizar o manejo florestal sustentável na região e gerar renda no campo – além de ser uma poderosa arma para combater o desmatamento, uma vez que identifica o proprietário da terra que deve ser responsabilizado”, avalia.
A experiência de Paragominas nos mostra que cumprir com as obrigações é apenas o primeiro passo. Lançar desafios, questionar modelos e promover diálogos inclusivos é um corajoso caminho para que transformações realmente aconteçam.
Mais aqui sobre os avanços do município na área da educação.
*Pesquisadora do Gvces no Programa de Consumo Sustentável.