Limpar quase metade da matriz energética em menos de dez anos parece meta de país desenvolvido e com tecnologia de sobra em fontes menos poluidoras. Mas foi um dos maiores exportadores de petróleo do mundo, a Argélia, que surpreendeu a comunidade internacional ao anunciar uma série de medidas para chegar a 2020 produzindo 40% de toda a sua energia a partir de fontes renováveis.
São cerca de 60 projetos em tecnologias limpas, com destaque para os que aproveitam o potencial de energia solar e eólica de um dos melhores campos de prova do mundo para isso: o deserto do Saara. Em dezembro do ano passado, a Argélia fechou uma parceria com o Desertec Industrial Initiative, projeto da Europa que pretende aproveitar o potencial de geração de eletricidade em regiões desérticas do mundo.
Até 2012, deve entrar em operação a primeira fazenda eólica do país, em uma área de 30 hectares na região do sudoeste argelino. Mas um dos projetos mais ambiciosos é a construção de Boughzoul, a primeira cidade verde do norte africano. A 170 km da capital Argel, planeja abrigar mais de 400 mil habitantes.
A conclusão das obras deve ocorrer em 2025 e, segundo o governo, Boughzoul deve servir de modelo para a reorganização futura de todas as demais cidades do país. “A Argélia tem estado atrasada no desenvolvimento de seu setor de energias renováveis, mas, acelerando o lançamento dos projetos, achamos que podemos nos recuperar”, afirmou Omar Bouhadjar, gerente de pesquisa do Centro de Desenvolvimento de Energias Renováveis da Argélia (CDER).
Cachorro grande?
A estratégia argelina surpreende principalmente pelo fato de que, entre as metas mais ambiciosas, predominam países ricos – com exceção da Costa Rica, que pretende zerar suas emissões de carbono até 2021. A Alemanha assumiu os objetivos de tornar renovável 100% de sua matriz até 2050. Portugal quer chegar aos 31% também em 2020. França e Espanha foram convocadas para liderar os investimentos de 52 bilhões de euros anuais (cerca de 115 bilhões de reais) que a União Europeia anunciou para os próximos dez anos.
O plano parece ainda mais desafiador quando se analisa a relação bastante íntima que o país africano tem com os combustíveis fósseis. Mais de 95% das exportações do país são movimentadas pelo setor dos hidrocarbonetos. A Argélia possui a sétima maior reserva de gás natural do mundo, sendo seu segundo maior exportador. Membro da OPEP desde 1969, ainda conta com a 14ª maior reserva de petróleo do planeta.
O ministro da energia argelino, Youcef Yousfi, foi enfático na defesa do plano: “o principal objetivo dessa nova política é preparar o país para a era pós-petróleo”.
Mas, por aqui…
No Brasil, porém, os planos para investimentos em energia parecem assumir uma direção diferente. Em seu plano decenal (PDE), publicado no ano passado, o Ministério das Minas e Energia direcionou mais de 70% dos recursos para os setores de petróleo e gás, algo em torno de 670 bilhões de reais. Os valores destinados às fontes solar e eólica juntas não somam 2% dos recursos.
O PDE destaca, no entanto, a manutenção da “renovabilidade” da matriz energética brasileira, afirmando que a principal fonte para atender a expansão da demanda do setor elétrico continuará a ser a hidreletricidade. Talvez seja justamente essa ideia que acabe por inibir a inovação em outras áreas e o desenvolvimento de tecnologias alternativas além do que já é feito, por exemplo, com o etanol.
Leia mais sobre diversificação da matriz energética brasileira na reportagem “Etanol é tudo?”, da edição 48 de Página22.
Causa até mesmo inveja. Para completar o pacote, em junho deste ano, a Argélia ainda pretende concluir o protótipo do primeiro painel fotovoltaico produzido inteiramente em território nacional, devendo atingir escala industrial a partir de 2013 e, assim, reduzindo os custos de captação da energia solar no país. A ideia é ainda concorrer com os principais fornecedores da UE, Estados Unidos e Japão. Enquanto isso, em Brasília, Belo Monte, Angra 3 e Pré-sal correm “a todo vapor”. Aliás, expressão mais oportuna do que nunca.