Consolidado como ferramenta de gestão e indutor de boas práticas empresariais, o ISE agora enfrenta o desafio de se tornar benchmark do mercado de capitais e referência para a indústria de fundos no País
Afinal, qual é o papel do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial, da BM&FBovespa): ser uma ferramenta de gestão e indução de boas práticas empresariais, ou se constituir em um instrumento do mercado de capitais?” Essa foi a inquietação de um participante dos Diálogos do ISE [1], uma das atividades realizadas no quinto ano de existência do índice. Criado em dezembro de 2005, o ISE foi o quarto índice de sustentabilidade a ser lançado no mundo, precedido pelo Dow Jones Sustainability Indexes (1999), FTSE4Good (2001) e Johannesburg Stock Exchange (2003).
[1] Foram realizados diálogos com representantes de cinco públicos: Imprensa, Empresas, Especialistas & Instituições, Público interno (Bolsa) e Analistas & Investidores.
Fomentar as discussões sobre sustentabilidade empresarial, promover o engajamento de partes interessadas, colher informações sobre os benefícios trazidos pelo ISE e traçar coletivamente cenários futuros desejáveis foram os principais objetivos do ciclo de diálogos. A reflexão baseou-se em três questões centrais: qual o papel do ISE e suas contribuições nos últimos cinco anos, quais os desafios e obstáculos enfrentados nesse período e qual a contribuição esperada para os próximos cinco anos, além de procurar apontar coletivamente possíveis caminhos para chegar lá.
A partir dos resultados obtidos, o Conselho Deliberativo do ISE (CISE) [2] definiu um conjunto de objetivos estratégicos que permitirá estabelecer metas e desenhar um plano de ação para o seu alcance nos próximos anos. Esses objetivos estão relacionados à maior abertura de informações ao mercado, ao aumento da participação das empresas no processo de seleção, ao crescimento do volume de recursos investidos e dos produtos atrelados ao ISE, ao fortalecimento dos canais de comunicação e diálogo com as partes interessadas e ao contínuo aperfeiçoamento dos processos e da metodologia.
[2] Composto de representantes das entidades Abrapp, Anbid, Apimec, BM&FBovespa, IBGC, Instituto Ethos, IFC, MMA e Pnuma.
Desde seu lançamento até o dia 31 de dezembro, o índice acumulou variação positiva de 109% – alguns pontos percentuais abaixo do principal e mais antigo índice do mercado de ações brasileiro, o Ibovespa, que se valorizou 117% no mesmo período. Em alguns momentos, o ISE superou a rentabilidade acumulada do Ibovespa, chegando a 11 pontos percentuais acima do irmão mais velho durante a crise de 2008. Trata-se de um resultado expressivo, ainda mais levando-se em consideração as peculiaridades do mercado de ações brasileiro, como tamanho, liquidez e concentração.
Mas, apesar de importante, esta não foi a única conquista alcançada durante esse período. Os diálogos mostraram que o índice de sustentabilidade brasileiro tem um papel de destaque no maior país ao sul do Equador. Nos últimos anos, o avanço das empresas brasileiras no seu alinhamento estratégico com a sustentabilidade e na adoção de práticas relacionadas ao tema tem sido significativo.
Claramente, esse avanço não se deve a um único fator, mas a um conjunto de pessoas e iniciativas que estão ajudando a transformar as organizações e a maneira como estas se relacionam com seus diferentes públicos. O ISE faz parte desse grupo de iniciativas.
Na sua concepção, foi definida como missão do índice: “Induzir as empresas a adotar as melhores práticas de sustentabilidade empresarial e apoiar os investidores na tomada de decisão de investimentos”. Isso responde, em parte, à pergunta sobre o papel do ISE. Ao mesmo tempo que constitui uma ferramenta de gestão e de indução de boas práticas empresariais, é também um instrumento do mercado de capitais. Ele tem esses dois papéis, que são complementares. O primeiro, de acordo com a visão de especialistas e das próprias empresas, tem sido cumprido satisfatoriamente. Já o segundo papel representa o principal desafio do índice a partir de hoje.
A participação no processo de seleção do ISE contribui para internalizar o tema e criar uma nova cultura nas corporações, incentiva o estabelecimento de compromissos e induz as empresas a adotar práticas. O que, segundo uma delas, no início parecia ser um “processo trabalhoso e cansativo de responder a um vasto e detalhado questionário”, mas acabou se tornando uma “valiosa ferramenta de gestão, que aponta caminhos”.
Muitas companhias já percebem esse valor e a cada ano esperam para conhecer em detalhes seu desempenho e, com isso, definir prioridades e programar novas ações para o próximo ciclo, em um processo contínuo de melhoria. “O ISE não nos deixa ficar parados: a cada ano, identificamos um conjunto de ações, definimos as prioridades e nos esforçamos para implementá-las”, declara um diretor cuja companhia há vários anos integra a carteira ISE.
Há o entendimento de que o ISE induz à formalização, seja de compromissos, políticas, seja de processos; estimula o engajamento e a colaboração entre diferentes áreas das empresas; contribui com a consolidação de ações e a organização de informações referentes à sustentabilidade.
Os diálogos mostraram haver consenso de que o ISE é uma importante referência em sustentabilidade no Brasil. Essa foi também uma das conclusões de um estudo realizado em 2010 pela International Finance Corporation, braço privado do Banco Mundial [3]. Além de ser membro do CISE, a IFC teve um importante papel na constituição do índice, por meio do apoio fi nanceiro para o desenvolvimento da metodologia, sob responsabilidade do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-Eaesp.
[3] O estudo intitula-se “Evaluation of the impact of the BM&FBovespa Sustainability Index on the responsible practices of Brazilian corporations”, 2010. Confira os resultados aqui.
Diferentemente dos seus “primos estrangeiros”, o ISE conta com um processo participativo para a elaboração e revisão do seu questionário, instrumento por meio do qual as empresas são avaliadas. O questionário possui cerca de 150 perguntas, agrupadas em Indicadores, Critérios e Dimensões [4], que procuram avaliar os mais diversos aspectos da sustentabilidade empresarial. Por meio da análise das respostas, identifica-se o grupo de empresas que estão mais avançadas e aptas a compor a carteira.
[4] Atualmente, existem sete dimensões: Geral, Natureza do Produto, Governança Corporativa, Econômico-Financeira, Ambiental, Social e Mudanças Climáticas.
Mas é no cumprimento do outro papel do ISE que residem os maiores desafios: tornar o ISE o benchmark do mercado de capitais, fazendo com que seja a referência da indústria de fundos no País, não apenas daqueles classificados como ISR [5], mas dos fundos em geral. Houve avanço nesse sentido, já que, após o lançamento do índice, foram criados novos fundos atrelados ao ISE.
[5] O Investimento Socialmente Responsável (ISR) leva em consideração a análise de aspectos que vão além dos econômico-financeiros.
Entretanto, o volume de recursos nesse tipo de fundo representa uma fração muito pequena e estável do total, em oposição à tendência crescente que se observa nos Estados Unidos e na Europa. A questão é atrair o investidor, convencê-lo da importância de considerar os aspectos sociais e ambientais na decisão de investimentos e incluí-los na análise das empresas.
É uma mudança cultural a inclusão dessas questões na rotina dos analistas, para que se torne a regra, e não a exceção. A dificuldade também está em convencer os investidores sobre os benefícios dessa abordagem. Alguns contra-argumentos giram em torno da “falta de uma relação clara de causa-efeito”, ou seja, a falta de comprovação de que as ações de empresas que participam dos índices se valorizam mais dos que as das outras.
Existem argumentos de que a grande vantagem resida na diminuição dos riscos. Ou seja, empresas comprometidas, que dialogam com seus públicos, têm excelência na gestão, investem em inovação e tecnologias para preservar os recursos naturais, minimizam seus impactos negativos e repartem de maneira equilibrada os benefícios de suas atividades, estão menos sujeitas a “intempéries” e, portanto, os investidores têm mais garantia de retorno dos seus investimentos. Os modelos econômicos utilizados não conseguem capturar e internalizar os custos desses impactos negativos, que acabam imputados à natureza e à sociedade como um todo. Talvez a alternativa, enquanto não mudamos nosso paradigma econômico, seja “perder um pouco a ‘vergonha’ – nas palavras de um participante do ciclo de diálogos – e assumir que existem os valores ambiental e social, mesmo sem estarem refletidos no valor econômico”. Ou seja, uma maior aceitação e valorização dos intangíveis.
Um caminho para fortalecer o ISE seria que mais analistas utilizassem em suas análises as informações coletadas no processo do ISE. Para isso, é necessário que as companhias se disponham a compartilhar suas informações. Pode parecer uma proposta “revolucionária”, mas partiu de uma empresa. Isso evita que cada analista tenha de fazer a mesma pesquisa, elaborando questionários próprios e encaminhando às empresas, que acabam tendo muito mais trabalho para responder às perguntas.
Esse processo depende do amadurecimento da nossa sociedade como um todo, mas representa um nível de transparência que podemos almejar, quem sabe em um futuro não tão distante.
*Coordenadora do programa de Sustentabilidade Empresarial do Gvces.[:en]Consolidado como ferramenta de gestão e indutor de boas práticas empresariais, o ISE agora enfrenta o desafio de se tornar benchmark do mercado de capitais e referência para a indústria de fundos no País
Afinal, qual é o papel do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial, da BM&FBovespa): ser uma ferramenta de gestão e indução de boas práticas empresariais, ou se constituir em um instrumento do mercado de capitais?” Essa foi a inquietação de um participante dos Diálogos do ISE [1], uma das atividades realizadas no quinto ano de existência do índice. Criado em dezembro de 2005, o ISE foi o quarto índice de sustentabilidade a ser lançado no mundo, precedido pelo Dow Jones Sustainability Indexes (1999), FTSE4Good (2001) e Johannesburg Stock Exchange (2003).
[1] Foram realizados diálogos com representantes de cinco públicos: Imprensa, Empresas, Especialistas & Instituições, Público interno (Bolsa) e Analistas & Investidores.
Fomentar as discussões sobre sustentabilidade empresarial, promover o engajamento de partes interessadas, colher informações sobre os benefícios trazidos pelo ISE e traçar coletivamente cenários futuros desejáveis foram os principais objetivos do ciclo de diálogos. A reflexão baseou-se em três questões centrais: qual o papel do ISE e suas contribuições nos últimos cinco anos, quais os desafios e obstáculos enfrentados nesse período e qual a contribuição esperada para os próximos cinco anos, além de procurar apontar coletivamente possíveis caminhos para chegar lá.
A partir dos resultados obtidos, o Conselho Deliberativo do ISE (CISE) [2] definiu um conjunto de objetivos estratégicos que permitirá estabelecer metas e desenhar um plano de ação para o seu alcance nos próximos anos. Esses objetivos estão relacionados à maior abertura de informações ao mercado, ao aumento da participação das empresas no processo de seleção, ao crescimento do volume de recursos investidos e dos produtos atrelados ao ISE, ao fortalecimento dos canais de comunicação e diálogo com as partes interessadas e ao contínuo aperfeiçoamento dos processos e da metodologia.
[2] Composto de representantes das entidades Abrapp, Anbid, Apimec, BM&FBovespa, IBGC, Instituto Ethos, IFC, MMA e Pnuma.
Desde seu lançamento até o dia 31 de dezembro, o índice acumulou variação positiva de 109% – alguns pontos percentuais abaixo do principal e mais antigo índice do mercado de ações brasileiro, o Ibovespa, que se valorizou 117% no mesmo período. Em alguns momentos, o ISE superou a rentabilidade acumulada do Ibovespa, chegando a 11 pontos percentuais acima do irmão mais velho durante a crise de 2008. Trata-se de um resultado expressivo, ainda mais levando-se em consideração as peculiaridades do mercado de ações brasileiro, como tamanho, liquidez e concentração.
Mas, apesar de importante, esta não foi a única conquista alcançada durante esse período. Os diálogos mostraram que o índice de sustentabilidade brasileiro tem um papel de destaque no maior país ao sul do Equador. Nos últimos anos, o avanço das empresas brasileiras no seu alinhamento estratégico com a sustentabilidade e na adoção de práticas relacionadas ao tema tem sido significativo.
Claramente, esse avanço não se deve a um único fator, mas a um conjunto de pessoas e iniciativas que estão ajudando a transformar as organizações e a maneira como estas se relacionam com seus diferentes públicos. O ISE faz parte desse grupo de iniciativas.
Na sua concepção, foi definida como missão do índice: “Induzir as empresas a adotar as melhores práticas de sustentabilidade empresarial e apoiar os investidores na tomada de decisão de investimentos”. Isso responde, em parte, à pergunta sobre o papel do ISE. Ao mesmo tempo que constitui uma ferramenta de gestão e de indução de boas práticas empresariais, é também um instrumento do mercado de capitais. Ele tem esses dois papéis, que são complementares. O primeiro, de acordo com a visão de especialistas e das próprias empresas, tem sido cumprido satisfatoriamente. Já o segundo papel representa o principal desafio do índice a partir de hoje.
A participação no processo de seleção do ISE contribui para internalizar o tema e criar uma nova cultura nas corporações, incentiva o estabelecimento de compromissos e induz as empresas a adotar práticas. O que, segundo uma delas, no início parecia ser um “processo trabalhoso e cansativo de responder a um vasto e detalhado questionário”, mas acabou se tornando uma “valiosa ferramenta de gestão, que aponta caminhos”.
Muitas companhias já percebem esse valor e a cada ano esperam para conhecer em detalhes seu desempenho e, com isso, definir prioridades e programar novas ações para o próximo ciclo, em um processo contínuo de melhoria. “O ISE não nos deixa ficar parados: a cada ano, identificamos um conjunto de ações, definimos as prioridades e nos esforçamos para implementá-las”, declara um diretor cuja companhia há vários anos integra a carteira ISE.
Há o entendimento de que o ISE induz à formalização, seja de compromissos, políticas, seja de processos; estimula o engajamento e a colaboração entre diferentes áreas das empresas; contribui com a consolidação de ações e a organização de informações referentes à sustentabilidade.
Os diálogos mostraram haver consenso de que o ISE é uma importante referência em sustentabilidade no Brasil. Essa foi também uma das conclusões de um estudo realizado em 2010 pela International Finance Corporation, braço privado do Banco Mundial [3]. Além de ser membro do CISE, a IFC teve um importante papel na constituição do índice, por meio do apoio fi nanceiro para o desenvolvimento da metodologia, sob responsabilidade do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-Eaesp.
[3] O estudo intitula-se “Evaluation of the impact of the BM&FBovespa Sustainability Index on the responsible practices of Brazilian corporations”, 2010. Confira os resultados aqui.
Diferentemente dos seus “primos estrangeiros”, o ISE conta com um processo participativo para a elaboração e revisão do seu questionário, instrumento por meio do qual as empresas são avaliadas. O questionário possui cerca de 150 perguntas, agrupadas em Indicadores, Critérios e Dimensões [4], que procuram avaliar os mais diversos aspectos da sustentabilidade empresarial. Por meio da análise das respostas, identifica-se o grupo de empresas que estão mais avançadas e aptas a compor a carteira.
[4] Atualmente, existem sete dimensões: Geral, Natureza do Produto, Governança Corporativa, Econômico-Financeira, Ambiental, Social e Mudanças Climáticas.
Mas é no cumprimento do outro papel do ISE que residem os maiores desafios: tornar o ISE o benchmark do mercado de capitais, fazendo com que seja a referência da indústria de fundos no País, não apenas daqueles classificados como ISR [5], mas dos fundos em geral. Houve avanço nesse sentido, já que, após o lançamento do índice, foram criados novos fundos atrelados ao ISE.
[5] O Investimento Socialmente Responsável (ISR) leva em consideração a análise de aspectos que vão além dos econômico-financeiros.
Entretanto, o volume de recursos nesse tipo de fundo representa uma fração muito pequena e estável do total, em oposição à tendência crescente que se observa nos Estados Unidos e na Europa. A questão é atrair o investidor, convencê-lo da importância de considerar os aspectos sociais e ambientais na decisão de investimentos e incluí-los na análise das empresas.
É uma mudança cultural a inclusão dessas questões na rotina dos analistas, para que se torne a regra, e não a exceção. A dificuldade também está em convencer os investidores sobre os benefícios dessa abordagem. Alguns contra-argumentos giram em torno da “falta de uma relação clara de causa-efeito”, ou seja, a falta de comprovação de que as ações de empresas que participam dos índices se valorizam mais dos que as das outras.
Existem argumentos de que a grande vantagem resida na diminuição dos riscos. Ou seja, empresas comprometidas, que dialogam com seus públicos, têm excelência na gestão, investem em inovação e tecnologias para preservar os recursos naturais, minimizam seus impactos negativos e repartem de maneira equilibrada os benefícios de suas atividades, estão menos sujeitas a “intempéries” e, portanto, os investidores têm mais garantia de retorno dos seus investimentos. Os modelos econômicos utilizados não conseguem capturar e internalizar os custos desses impactos negativos, que acabam imputados à natureza e à sociedade como um todo. Talvez a alternativa, enquanto não mudamos nosso paradigma econômico, seja “perder um pouco a ‘vergonha’ – nas palavras de um participante do ciclo de diálogos – e assumir que existem os valores ambiental e social, mesmo sem estarem refletidos no valor econômico”. Ou seja, uma maior aceitação e valorização dos intangíveis.
Um caminho para fortalecer o ISE seria que mais analistas utilizassem em suas análises as informações coletadas no processo do ISE. Para isso, é necessário que as companhias se disponham a compartilhar suas informações. Pode parecer uma proposta “revolucionária”, mas partiu de uma empresa. Isso evita que cada analista tenha de fazer a mesma pesquisa, elaborando questionários próprios e encaminhando às empresas, que acabam tendo muito mais trabalho para responder às perguntas.
Esse processo depende do amadurecimento da nossa sociedade como um todo, mas representa um nível de transparência que podemos almejar, quem sabe em um futuro não tão distante.
*Coordenadora do programa de Sustentabilidade Empresarial do Gvces.