Mudança climática encarece alimentos
O preço bate recorde neste início de 2011. Tendência que, para Lester Brown, veio para ficar
Em meados de janeiro, tive a oportunidade de entrevistar o americano Lester Brown, ambientalista histórico e fundador do Worldwatch Institute. Ele acaba de lançar o livro The World on the Edge – algo como “O mundo no limite”, em tradução livre.
Engenheiro agrônomo por formação, Brown, que acaba de completar 77 anos, mostra em sua obra uma preocupação constante: o impacto das mudanças climáticas sobre a produção de alimentos. Durante nossa conversa de uma hora, o tópico não foi diferente. Para ele, o atual recorde no preço dos alimentos, reportado pelas Nações Unidas no início deste ano, parece mais tendência do que conjectura. Ou seja, a pressão inflacionária advinda das commodities agrícolas continuará presente por longo tempo [1].
[1] Em fevereiro, a FAO-UN lançou alerta mundial de que os preços dos alimentos cresceram por sete meses consecutivos, atingindo recorde histórico. Mais aqui.
Uma das razões para isso, sustenta o ambientalista, é a percepção real do significado dos impactos climáticos apontados por cientistas nos últimos anos. “A seca e os incêndios ocorridos no último verão na Rússia são coisas que ninguém jamais havia visto”, ele diz. Em julho e agosto, o país registrou temperaturas 7 graus acima da média para o período. A safra de grãos foi reduzida e o governo russo baniu em 2011 as exportações agrícolas, como forma de controlar o preço.
Agora imagine se o mesmo fenômeno climático tivesse ocorrido na região de Chicago, no chamado Grain Belt? Esta é a pergunta com a qual Brown tem chamado atenção em suas palestras e logo na abertura de seu livro. “Se uma estiagem desta envergadura atingir Chicago, a inflação dos alimentos em todo o mundo ficará fora de controle”, garante.
O livro do fundador do Worldwatch Institute não chega a dizer com todas as letras que os eventos climáticos extremos observados em 2010 sejam impactos diretos do aquecimento global. Sua intenção, entretanto, é chamar atenção para o problema de segurança alimentar como um dos mais agudos da atualidade.
Ele se lembrou do tempo em que trabalhava no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, nos anos 1960, ao dizer que hoje não se consegue mais calcular ganhos de produtividade para cobrir grandes quebras de safra. “Naquele período, quando havia uma queda na produção de um ano e os preços aumentavam, nós sabíamos o quanto mais de terra e produção seria necessário para reabastecer os estoques e abaixar os preços.” Em 2011, qualquer aumento na produção de grãos será apenas para manter os preços no nível em que estão.
Sua preocupação pode ser aplicada ao Brasil. Não são poucos os países que dependem da agricultura brasileira para manter a estabilidade de preços da proteína animal, pois o farelo de soja é a base da alimentação de porcos, vacas e frangos no mundo inteiro. Os principais importadores de soja do Brasil, a União Europeia e a China, sofreriam altas imediatas no preço de suas cestas básicas com uma quebra de safra em Mato Grosso, por exemplo.
A Argentina em 2011 tem sofrido uma seca extrema e diversas regiões do país declararam estado de emergência. “O mundo não aguentaria uma quebra do Brasil e da Argentina”, mencionou um consultor do mercado agrícola em uma reunião do setor, recentemente.
Este ano, contudo, o Brasil continuará aliviando a pressão sobre o mercado mundial da soja, já que, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o País deve bater outro recorde de produção: 71 milhões de toneladas.
Pesquisas para quantificar o impacto das mudanças climáticas sobre a agricultura brasileira estão em nível avançado, graças a estudos conduzidos pela Embrapa em parceria com a Unicamp.
Os resultados indicam que a receita advinda da produção agrícola pode ser reduzida em R$ 7,4 bilhões até 2020, podendo chegar a R$ 14 bilhões em 2070. A produção de soja pode ser a mais afetada, com uma redução de 40% em 2070, se os piores cenários de mudança na temperatura virarem realidade. Tais alterações podem tornar regiões no Sul do País e no Cerrado do Nordeste pouco aptos à produção da oleaginosa.
Um mundo com menos soja do Brasil e da Argentina é um mundo em que China, Japão e União Europeia competirão para manter estoques com melhor preço para o controle da inflação doméstica. Inflação que, para Brown, será sempre pressionada pelos alimentos – a menos que a mudança climática sejam revertida rapidamente.
Recursos para energia limpa voltam a crescer
Dados do primeiro semestre de 2010 indicam que os investimentos globais em energia limpa voltaram a crescer. Devido à crise financeira a partir do segundo semestre de 2008, os investimentos globais em biocombustíveis e geração por biomassa e fontes eólica, solar e geotérmica declinaram de US$ 173 bilhões em 2008 para US$ 162 bilhões no ano seguinte.
A recuperação da economia mundial, em curso desde o final de 2009, refletiu-se nos aportes financeiros em energias renováveis: US$ 65 bilhões entre janeiro e junho de 2010, ou 22% mais que no primeiro semestre de 2009.
Tais cifras e análise abrangente sobre as perspectivas de crescimento das renováveis podem ser conferidas no relatório Towards a Green Economy: Pathways to Sustainable Development and Poverty Eradication (em tradução livre, “Rumo à Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza”), lançado em 21 de fevereiro pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
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Entrevista: Eduardo Lopes
Enercon é recompensada por pioneirismo em eólica no Brasil
No início dos anos 1980, o engenheiro Alois Wobben teve a visionária ideia de gerar eletricidade em um moinho de vento em Aurich, norte da Alemanha. Para ajudá-lo no sonho, Wobben chamou o mecânico e eletricista Klaus Peter, parceria que se mostrou tão bem-sucedida que os dois tornaram-se a mola mestra do grupo Enercon, fundado em 1984 e líder em energia eólica na Alemanha. Wobben novamente olhou à frente ao instalar uma fábrica homônima em meados da década de 1990 em Sorocaba (SP) e agora leva vantagem pelo pioneirismo, vendendo no Brasil mais de 90% da produção. Eduardo Lopes, superintendente-comercial da Wobben, fala da empresa e das perspectivas para o mercado de eólica, que atravessa sua melhor fase no País.
O que levou a Wobben a instalar uma fábrica de aerogeradores quando praticamente não havia geração de energia eólica no Brasil? Naquela época, já havia estudos que indicavam ventos com velocidades altas e direção constante, principalmente no Nordeste. A empresa também avaliava que as dimensões continentais do Brasil favoreceriam a implantação de usinas eólicas em terra, mais fáceis e baratas de montar.
A Wobben no começo exportava praticamente tudo o que fabricava, não é mesmo? Nosso objetivo era trabalhar principalmente com o mercado interno, mas este praticamente não existiu, até que apareceram os projetos do Proinfa [Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica].
O senhor costuma dizer que a Wobben tem enfrentado o efeito montanha-russa no mercado de eólica. O que isso significa? Entre 2004 e 2006, o mercado interno consumiu cerca de 90% de nossa produção. Nos três anos seguintes, essa fatia caiu para uns 50%, e voltou a aumentar para 90%, em 2009, graças ao sucesso do leilão de energia eólica realizado em dezembro de 2009. Para este ano, a participação interna continuará superior a 90%.
Podemos dizer que o efeito montanha-russa já é coisa do passado? Ainda é cedo para afirmar isso, mas as perspectivas são positivas. Vemos três componentes decisivos para consolidar o mercado eólico no Brasil. O governo prometeu o quarto leilão de eólica para o segundo trimestre, mas a promoção desses leilões precisa se tornar regular. Também há indústrias interessadas na autoprodução, que nos demandarão torres, pás e aerogeradores. O terceiro fator é a venda no mercado livre, que deverá ser viabilizada ainda este ano.
Há pelo menos oito companhias estrangeiras com planos de investimento para o Brasil. A empresa não teme perder sua liderança? Apostamos no desenvolvimento do mercado de eólica no país e teremos de conviver com os novos concorrentes. Já temos 420 megawatts instalados e alcançaremos a marca de 1 gigawatt até 2012. Também somos reconhecidos por concluir as usinas dentro do prazo, fornecemos para grandes empresas e os aerogeradores dispensam caixa de câmbio, o que melhora a qualidade da energia gerada e elimina perdas mecânicas. Não é à toa que as agências de risco classificam o grupo Enercon com AA-, o que só demonstra a solidez de nosso negócio.
* Jornalistas especializados em meio ambiente e economia verde.