O open source hardware – com design colaborativo e reprodução permitida – quer reinventar a produção local, ao gerar prosperidade fora do modelo de cadeias de fornecimento globais, de exploração de direitos humanos e de degradação ambiental
Se você tivesse que criar uma civilização do zero, por onde começaria? A pergunta provavelmente assusta a maioria de nós, acostumados a acender a luz com um clique e a comprar já pronto tudo o que precisamos. Mas não a Marcin Jakubowski, um jovem polonês que estudou e mora nos Estados Unidos. Há quatro anos, ele toca o Open Source Ecology (OSE), um projeto que pretende construir protótipos de 50 máquinas cruciais para a vida moderna. O grupo já desenvolveu oito protótipos e um deles – uma prensa para fabricação de tijolos apelidada de “the liberator” – está pronto para entrar no mercado. “Nosso objetivo é ambicioso: finalizar as 50 ferramentas dentro de dois anos, com um orçamento de US$ 2 milhões”, diz.
O que distingue o projeto é que Jakubowski e seus colaboradores trabalham voluntariamente na construção dos protótipos. O resultado final é aberto para quem quiser copiar, e o orçamento vem de contribuições de “fãs verdadeiros”. A ideia, explicou em palestra no TED [1], é “criar versões open-source, faça-você-mesmo que qualquer pessoa pode construir e manter por uma fração do custo”. O conjunto de 50 protótipos foi batizado de Global Village Construction Set (GVCS).
[1] Assista à palestra em ted.com/talks/marcin_jakubowski
Mais do que permitir que um ou outro fazendeiro em cantos remotos pare de gastar dinheiro para consertar seu Caterpillar e construa o próprio trator, o Open Source Ecology quer usar o GVCS para transformar o mundo. A ambição é ajudar a desenvolver um modelo de produção distribuída em que o design é aberto e todos têm acesso a ferramentas para criar riqueza. A aplicação desse modelo, que dá certo no mundo do software e da informação, no mundo do hardware e da produção física é chamado de open source hardware.
Jakubowski garante que não se trata de voltar à idade da pedra, mas de promover um padrão apropriado para o uso da tecnologia e, com isso, reinventar a produção local. Ele cunhou o termo “neocomercialização” para identificar o processo que quer ver ocorrer com os protótipos do GVCS. “Significa que podemos tanto ‘comercializar’ um produto – torná-lo disponível para venda a preços competitivos – quanto ajudar outros a replicar a empreitada.” Reproduzir e espalhar tecnologias importantes possibilita que as pessoas sobrevivam e prosperem sem depender de cadeias de fornecedores globais, de exploração de direitos humanos e de degradação ambiental, diz.
O “kit civilização” que Jakubowski tem em mente nos guiaria em direção a um estado mais evoluído, em que os seres humanos são verdadeiramente produtivos. O modelo é o homem descrito pelo escritor de ficção científica Robert A. Heinlen: alguém que sabe trocar uma fralda, planejar uma invasão, matar um porco, pilotar um navio, projetar um edifício, escrever um soneto, equilibrar contas, construir uma parede, confortar os que morrem, aceitar ordens, dar ordens, cooperar, agir sozinho, solucionar equações, analisar um problema novo, programar um computador, cozinhar uma refeição gostosa, lutar eficientemente, morrer bravamente. O conselho do escritor é que a “especialização é para insetos”. Quer dizer que, se o OSE for bem-sucedido em detonar uma nova civilização, seus habitantes serão generalistas.
O Open Source Ecology aposta ainda que abrir a fonte e permitir a reprodução e a comercialização das ferramentas que tornam a vida contemporânea possível vai ajudar o mundo a abandonar o modelo econômico atual baseado na escassez artificial – em que alguns produtos são escassos, apesar da existência de tecnologia e capacidade produtiva para criar abundância.
Ao contrário de empresas com base no lucro, que precisam manter a escassez para continuar a operar no mercado – e por isso praticam a obsolescência planejada –, o open hardware busca o design ótimo para os produtos. Por isso é “inerentemente sustentável”, segundo Michel Bauwens, teórico dos processos peer-to-peer (P2P). Os designs são compartilhados por meio de licenças abertas. Podem ser usados por fabricantes e vendidos para eventualmente realizar lucro, mas não geram qualquer renda derivada da propriedade intelectual. Isso impede, de acordo com Bauwens, que a inovação seja privatizada.
Para que o open hardware vire uma realidade, afirma o teórico, é preciso novas formas de propriedade e organização social e, por isso, seu potencial só será realizado se houver adaptações institucionais. Os participantes do OSE parecem confiantes de que elas virão – eles querem finalizar o GVCS até 2012, ver a primeira comunidade pós-escassez funcionando até 2014 e a reprodução viral do modelo dois anos depois. Se a ideia florescer, terá sido concebida uma nova civilização.
*Jornalista e fundadora de Página22.