Sem lei para controlar compostos voláteis no Brasil, fabricantes dizem seguir lei europeia, mas não esclarecem como
Milhões de pintores e pessoas que trabalham ou vivem em imóveis recém-pintados nunca ouviram falar dos compostos orgânicos voláteis (COVs). Nem imaginam que podem causar desde irritação nos olhos e na garganta e dor de cabeça até câncer e danos ao fígado, aos rins e ao sistema nervoso central.
Tais sintomas, descritos pela Agência de Proteção Ambiental (EPA), dos Estados Unidos, levaram a União Europeia (UE) a aprovar em 1999 uma diretiva que impôs limites mais estritos à presença de COVs em substâncias químicas como solventes orgânicos utilizados em tintas e vernizes.
Os compostos também são encontrados em laquês, removedores de tinta, cera, agrotóxicos, copiadoras, impressoras, colas, adesivos, materiais fotográficos, produtos de limpeza, cosméticos e combustíveis. Segundo a EPA, esses produtos podem liberar COVs enquanto em uso ou mesmo armazenados.
No Brasil, não há lei para restringir os compostos, que são autorregulados pela Própria indústria de tintas desde janeiro de 2008, quando passou a vigorar uma decisão da Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas (Abrafati) que obriga empresas associadas a diminuí-los para o patamar máximo estabelecido na legislação da UE. Não há, entretanto, dados públicos da Abrafati ou das empresas sobre a implementação da medida.
Apesar disso, é inegável que a indústria promove grande esforço desde a década passada para diminuir a emissão de COVs, seja pela substituição de solventes por água, diminuindo odor e permitindo secagem mais rápida, seja pelo uso de solventes mais amenos ou de tecnologias como tinta em pó ou cura por ultravioleta (secagem da tinta pela radiação solar).
A pesquisadora Kai Uemoto, da Escola Politécnica da USP, alerta, porém, que baixa emissão de COVs por si só não significa que seja inofensiva. “Se tiver benzeno, pode ser até pior à saúde que uma tinta com teor superior de COVs”. É necessário analisar a periculosidade de cada um dos compostos emitidos, mesmo nas tintas à base de água, ensina a especialista.
Avanços e omissões das duas principais marcas do segmento de tintas imobiliárias no país (que representa quase 80% do volume total comercializado) espelham com propriedade o que acontece no setor como um todo. A alemã Basf, líder em vendas, afirma que segue a legislação europeia quanto aos limites dos compostos em tintas e vernizes, mas não revela detalhes do que está fazendo, tais como quantidades de voláteis, nem quanto a linha de tintas à base de água representa do total faturado. Em 2008, obteve o selo Sustentax para suas 14 tintas com essa formulação. O selo é uma certificação voluntária concedida pela empresa Sustentax a produtos com padrões elevados de proteção ambiental, alguns deles em conformidade com o Leed – Liderança em Energia e Design Ambiental –, conceito criado pelo Conselho de Construções Verdes dos EUA.
A holandesa AkzoNobel, segunda no mercado de tintas imobiliárias, possui somente dois itens à base de água da marca Tintas Coral, mas, diferentemente de sua concorrente, informa sua fatia na receita total, 10%. “Não há regulação de COVs em nosso país, porém temos metas internas bastante desafiadoras”, declara, sem detalhar planos e prazos, Elaine Poço, diretora de pesquisa e desenvolvimento e sustentabilidade da AkzoNobel Tintas Decorativas para América Latina.
A companhia também é mais clara ao responder a questões da reportagem sobre níveis de benzeno, tolueno, xileno, formaldeído (todos eles COVs) e metais pesados em suas tintas. Esclareceu que, da lista, só utiliza xileno e formaldeído, e abaixo dos limites da UE. A Basf apenas respondeu genericamente que segue a lei europeia para os compostos citados na pergunta.