Maior vetor de desmatamento da Amazônia, a pecuária mostra estreita relação com a retirada de madeira ilegal e recai na falta de regularização fundiária
Não é de hoje que a discussão sobre os vetores de desmatamento e degradação da Amazônia desperta interesse, em busca dos pontos de inflexão para transformar essa realidade. A madeira já foi tida como principal vilã e grande responsável por abrir caminhos a outras atividades econômicas.
De lá pra cá, a agropecuária, a soja, o carvão, as hidrelétricas e a siderurgia na Amazônia tornaram esse cenário muito mais complexo e intricado. Mas é a indústria da pecuária na Amazônia brasileira que figura hoje como o maior vetor de desmatamento, chegando a ocupar 80% das áreas devastadas, segundo dados do governo federal. O País possui o maior rebanho comercial e é o maior exportador mundial de carne.
Há áreas já desmatadas que poderiam abrigar novos rebanhos, mas a instalação da cultura bovina continua atrelada à
devastação da floresta, por ser muitas vezes realizada de forma irregular. A maior parte do crescimento do rebanho tem-se dado nos estados de Mato Grosso, Pará e Rondônia, justamente onde as taxas de desmatamento são maiores. O aumento desordenado e irregular da atividade deve-se em grande medida ao modelo de criação extensiva, que chega a abrigar uma cabeça de gado por hectare – o que demanda cada vez mais terras para serem transformadas em pastos.
“Historicamente, a biodiversidade não vale nada para o produtor”, afirma o coordenador de campanhas do Greenpeace, André Muggiati. Segundo ele, quando a produtividade da cafeicultura começou a cair no Vale do Paraíba, as lavouras iniciaram migração para o Oeste do interior de São Paulo. “A elite política está reproduzindo um padrão do século retrasado, querem nos condenar ao atraso.” Os impactos sociais e ambientais desse modelo de produção são altamente nocivos.
Além das emissões de carbono geradas pela derrubada da mata que será invadida, há o processo de “limpeza” da área, realizado por meio de queimadas promovidas, muitas vezes, por trabalhadores em condições análogas às de escravo. A madeira retirada da região, além de financiar o processo de “limpeza”, é utilizada na construção das instalações para o rebanho, como currais e cercas. Mas o problema da emissão de carbono não se esgota na madeira, uma vez que os gases de efeito estufa expelidos pelo gado corresponderam, somente na última década, a 12 bilhões de toneladas de CO2.
A constatação de que a abertura de pastos é o maior vetor de desmatamento vem fazendo com que o cerco jurídico da responsabilização se feche em torno dos envolvidos, o que inclui grandes redes varejistas nos polos de consumo.
O movimento foi disparado pelo relatório Farra do Boi, lançado pelo Greenpeace em 2009, que revelou como a parceria perversa entre a indústria do gado e o governo brasileiro estava contribuindo para o aumento no desmatamento no Brasil, além de empregar trabalho escravo e promover a invasão de terras indígenas.
No mesmo ano, o Ministério Público Federal do Pará, o Ibama e o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em resposta ao relatório, passaram a rastrear a atividade pecuária na Amazônia, iniciando uma busca pelas empresas na cadeia pecuária, que sustentam indiretamente o desmatamento da floresta.
A necessidade de ação em todas as pontas da cadeia mira a responsabilização por danos ambientais de todos os agentes econômicos envolvidos, sendo essa uma das formas de incentivar a regularização da cadeia da pecuária que promove a devastação. Essa visão ampla da cadeia produtiva é fundamental para que se busquem ferramentas de coibição e controle de ilicitudes ambientais, além de apresentar aos consumidores o impacto que o consumo da carne sem o rastreamento de sua origem possui.
E é na origem que ainda mora o principal desafio, a regularização fundiária, que tem avançado muito timidamente por meio de programas como o Terra Legal, do governo federal, e numa velocidade incompatível com as necessidades da região.
O esforço de regularizar as propriedades é bem-visto por André Nassar, diretor geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). “É preciso regularizar os produtores. Se você não puder responsabilizar os pecuaristas pelo que fazem, nada vai mudar”, diz.
Sem dar esse passo, grandes pecuaristas vão continuar ganhando com o atraso ao assediar, cooptar e até eliminar fisicamente todo e qualquer cidadão que dificulte o uso indiscriminado da terra.
*Coordenadora do projeto Rede Amigos da Amazônia e coautora do livro Madeira de Ponta a Ponta.
**Pesquisadora do Programa de Consumo Sustentável do Gvces.