Cerca de 10% dos órgãos transplantados em todo o mundo seriam oriundos de tráfico ilegal, um assunto repleto de lendas urbanas que ainda está longe de ser plenamente entendido e mapeado
A cada ano são realizados mais de 66 mil transplantes de rim, 21 mil de fígado e 6 mil de coração. Desse total global, 10% envolveriam o tráfico de órgãos, segundo a Organização Mundial da Saúde. No entanto, a OMS trabalha com dados defasados e, a crer nos relatos da mídia, o problema é muito maior.
Nos últimos meses, redes que comercializam órgãos humanos foram desmanteladas nos Estados Unidos, na Índia, no Paquistão e no Japão. Num desses episódios, em janeiro, a polícia prendeu cinco envolvidos num transplante intermediado pela Yakuza, a máfia japonesa. O paciente pagou por um rim adquirido de um gângster aposentado, que assinou um atestado de adoção falsificado (por lei, ele teria de pertencer à família do receptor). Mas o negócio não prosperou, porque a Yakuza cobrou um pedágio de mais US$ 125 mil. Então o cliente decidiu adotar um jovem de 20 anos e o transplante acabou sendo realizado.
As histórias de tráfico de órgãos têm poucas variantes: de um lado, estrangeiros ricos e desesperados cujas vidas dependem de uma doação que nunca vem. Eles estão dispostos a viajar para o país dos potenciais doadores e a pagar pequenas fortunas, se necessário. Do outro lado da transação, um batalhão de miseráveis, vítimas de guerra ou de acidentes naturais, muitas vezes seduzidos pela lábia de intermediários. No meio, médicos, hospitais e mafiosos que faturam com o chamado “turismo de transplantes”.
Este é, naturalmente, um negócio muito rentável. Levantamento feito pela OMS, há quatro anos, calculava o custo de um transplante renal entre US$ 70 mil e US$ 160 mil. Outra fonte, o Havocscope, um banco de dados com tudo o que se publica sobre os mais variados tipos de mercado negro, estima que um rim esteja cotado em 150 mil dólares, em média. No entanto, os doadores ficariam com apenas 5 mil dólares, uma trigésima parte do valor pago – isso quando não são passados para trás.
“Uma mulher de origem libanesa me contou que um empresário espanhol pagou um preço muito alto pelo seu rim. No final, porém, ela não recebeu nada. Hoje, a sua vida é bem pior do que antes, porque as complicações do pós-operatório não permitem que ela trabalhe normalmente”, escreveu recentemente Susanne Lundin, estudiosa do tema e professora de Etnologia da Universidade de Lund, na Suécia. “Comerciantes de órgãos que encontrei na antiga União Soviética, no Oriente Médio e na Ásia me contaram histórias semelhantes.”
Três países são considerados mecas do tráfico de órgãos, embora tenham leis que proíbem a atividade: Índia, Paquistão e Filipinas. Em abril, o Sindh Institute of Urology and Transplantation denunciou que mais de 450 órgãos haviam sido comercializados em aldeias da região do Punjab, desde o começo de março, quando o Paquistão aprovou legislação contra o tráfico. No passado, segundo o instituto, o problema era ainda maior – mais de 1.500 estrangeiros vinham ao país, a cada ano, para comprar órgãos.
Um quarto país se destaca. A China adota uma prática particularmente controvertida – a venda de órgãos extraídos de prisioneiros executados. Algumas fontes estimam que mais de 65% dos transplantes feitos no país utilizam órgãos provenientes de presídios. Mas o governo chinês tem promovido campanhas para aumentar as doações voluntárias e proibiu transplantes de doadores vivos – a menos que eles sejam de parentes próximos do paciente.
O Brasil, onde a venda de órgãos é proibida, aparece esporadicamente entre os promotores desse comércio, mas em escala bem mais reduzida. Em 2003, na chamada “Operação Bisturi”, a Polícia Federal identificou uma centena de brasileiros que se propuseram a passar pela cirurgia na África do Sul em troca de quantias entre US$ 6 mil a US$ 10 mil.
É um assunto nebuloso, que mistura contos de horror e lendas urbanas – vide o rumor de que jovens estariam sendo sequestrados em banheiros de shoppings brasileiros para acordar no dia seguinte imersos numa banheira de gelo e com uma imensa cicatriz nas costas. Outro rumor, ainda não plenamente descartado, é de que o primeiro-ministro do Kosovo, Hashim Thaci, teria liderado uma gangue que removia os rins de civis sérvios assassinados durante a luta pela independência do país, no fim dos anos 1990. A denúncia partiu, em dezembro de 2010, do Conselho da Europa – mas Thaci nega semelhante história, as evidências são pífias e há sérias dúvidas se isso teria realmente acontecido.
Das prisões chinesas às favelas brasileiras, da Yakuza aos mafiosos russos – tudo e todos parecem ter um dedo nesse tráfico, que ainda está longe de ser entendido e mapeado[:en]Cerca de 10% dos órgãos transplantados em todo o mundo seriam oriundos de tráfico ilegal, um assunto repleto de lendas urbanas que ainda está longe de ser plenamente entendido e mapeado
A cada ano são realizados mais de 66 mil transplantes de rim, 21 mil de fígado e 6 mil de coração. Desse total global, 10% envolveriam o tráfico de órgãos, segundo a Organização Mundial da Saúde. No entanto, a OMS trabalha com dados defasados e, a crer nos relatos da mídia, o problema é muito maior.
Nos últimos meses, redes que comercializam órgãos humanos foram desmanteladas nos Estados Unidos, na Índia, no Paquistão e no Japão. Num desses episódios, em janeiro, a polícia prendeu cinco envolvidos num transplante intermediado pela Yakuza, a máfia japonesa. O paciente pagou por um rim adquirido de um gângster aposentado, que assinou um atestado de adoção falsificado (por lei, ele teria de pertencer à família do receptor). Mas o negócio não prosperou, porque a Yakuza cobrou um pedágio de mais US$ 125 mil. Então o cliente decidiu adotar um jovem de 20 anos e o transplante acabou sendo realizado.
As histórias de tráfico de órgãos têm poucas variantes: de um lado, estrangeiros ricos e desesperados cujas vidas dependem de uma doação que nunca vem. Eles estão dispostos a viajar para o país dos potenciais doadores e a pagar pequenas fortunas, se necessário. Do outro lado da transação, um batalhão de miseráveis, vítimas de guerra ou de acidentes naturais, muitas vezes seduzidos pela lábia de intermediários. No meio, médicos, hospitais e mafiosos que faturam com o chamado “turismo de transplantes”.
Este é, naturalmente, um negócio muito rentável. Levantamento feito pela OMS, há quatro anos, calculava o custo de um transplante renal entre US$ 70 mil e US$ 160 mil. Outra fonte, o Havocscope, um banco de dados com tudo o que se publica sobre os mais variados tipos de mercado negro, estima que um rim esteja cotado em 150 mil dólares, em média. No entanto, os doadores ficariam com apenas 5 mil dólares, uma trigésima parte do valor pago – isso quando não são passados para trás.
“Uma mulher de origem libanesa me contou que um empresário espanhol pagou um preço muito alto pelo seu rim. No final, porém, ela não recebeu nada. Hoje, a sua vida é bem pior do que antes, porque as complicações do pós-operatório não permitem que ela trabalhe normalmente”, escreveu recentemente Susanne Lundin, estudiosa do tema e professora de Etnologia da Universidade de Lund, na Suécia. “Comerciantes de órgãos que encontrei na antiga União Soviética, no Oriente Médio e na Ásia me contaram histórias semelhantes.”
Três países são considerados mecas do tráfico de órgãos, embora tenham leis que proíbem a atividade: Índia, Paquistão e Filipinas. Em abril, o Sindh Institute of Urology and Transplantation denunciou que mais de 450 órgãos haviam sido comercializados em aldeias da região do Punjab, desde o começo de março, quando o Paquistão aprovou legislação contra o tráfico. No passado, segundo o instituto, o problema era ainda maior – mais de 1.500 estrangeiros vinham ao país, a cada ano, para comprar órgãos.
Um quarto país se destaca. A China adota uma prática particularmente controvertida – a venda de órgãos extraídos de prisioneiros executados. Algumas fontes estimam que mais de 65% dos transplantes feitos no país utilizam órgãos provenientes de presídios. Mas o governo chinês tem promovido campanhas para aumentar as doações voluntárias e proibiu transplantes de doadores vivos – a menos que eles sejam de parentes próximos do paciente.
O Brasil, onde a venda de órgãos é proibida, aparece esporadicamente entre os promotores desse comércio, mas em escala bem mais reduzida. Em 2003, na chamada “Operação Bisturi”, a Polícia Federal identificou uma centena de brasileiros que se propuseram a passar pela cirurgia na África do Sul em troca de quantias entre US$ 6 mil a US$ 10 mil.
É um assunto nebuloso, que mistura contos de horror e lendas urbanas – vide o rumor de que jovens estariam sendo sequestrados em banheiros de shoppings brasileiros para acordar no dia seguinte imersos numa banheira de gelo e com uma imensa cicatriz nas costas. Outro rumor, ainda não plenamente descartado, é de que o primeiro-ministro do Kosovo, Hashim Thaci, teria liderado uma gangue que removia os rins de civis sérvios assassinados durante a luta pela independência do país, no fim dos anos 1990. A denúncia partiu, em dezembro de 2010, do Conselho da Europa – mas Thaci nega semelhante história, as evidências são pífias e há sérias dúvidas se isso teria realmente acontecido.
Das prisões chinesas às favelas brasileiras, da Yakuza aos mafiosos russos – tudo e todos parecem ter um dedo nesse tráfico, que ainda está longe de ser entendido e mapeado