A demografia provoca reações díspares dos pontos de vista econômico e ambiental. A boa notícia é que desse embate emerge uma rica discussão sobre a qualidade do desenvolvimento a ser perseguido
No mês de outubro, o mundo “celebra” a chegada de seu habitante número 7 bilhões. A última comemoração parecida foi há apenas 12 anos, em 1999, quando nos tornamos 6 bilhões. Há algum tempo esse número crescente não é mais motivo de festa. Isso porque, segundo estimativas do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, a população mundial deverá chegar em 2100 a, aproximadamente, 10 bilhões de habitantes. A apreensão não ocorre apenas pela maior pressão esperada sobre os recursos naturais do planeta, mas também porque esse aumento se dará quase integralmente em regiões pobres da Ásia e da África, que hoje já não contam com assistência social adequada nem investimentos substanciais em saúde e educação.
Por outro lado, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, desenvolvimento, uma vez que estes correm alto risco de as pessoas ficarem “velhas” antes de se tornarem ricas e com uma economia incapaz de sustentar as demandas sociais dessa nova configuração etária.
Esse dilema dominará as discussões sobre demografia e economia nas próximas décadas. Se, do ponto vista econômico, o crescimento populacional é bem-vindo para manter a economia pujante, do ambiental há o impacto na capacidade do planeta de recarga de recursos. Onde está a razão? Provavelmente não no simplismo da opção por um dos extremos, e, sim, no equilíbrio dessa complexa inter-relação, que coloca – de novo – o papel do crescimento econômico e a qualidade do desenvolvimento no centro do debate.
Um senhor país
O Brasil é um dos países onde está em curso uma queda no número de nascimentos e o aumento da população com mais de 60 anos. Por aqui, o processo de redução das taxas de fecundidade teve início na década de 1970, e rapidamente declinou de cerca de seis filhos por mulher (em média) para menos de dois, no início deste século. Levando-se em conta essas tendências perspectiva é de que a população estabilize seu ritmo de crescimento até 2040, podendo, segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), passar a apresentar taxas de crescimento negativo após 2050, década em que o Brasil terá cerca de 30% da sua população com mais de 60 anos de idade, o equivalente a aproximadamente 66 milhões de pessoas.
No Brasil, essa transformação é de velocidade avassaladora. Para se ter ideia, as mudanças demográficas que, na Europa, demoraram mais de 100 anos para se consolidar, levaram, no País, apenas 30. “Isso trará problemas e desafios para políticas sociais e econômicas. Teremos inúmeros problemas associados ao baixo ritmo de crescimento populacional (saúde, mercado de trabalho, Previdência Social), fatores que hoje já são visíveis na Europa”, diz Ricardo Ojima, demógrafo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Segundo especialistas, tendo em vista os desafios para atender as necessidades da população com mais de 60 anos, o País não pode se deixar surpreender. “Não dá para pensar que o problema só aparecerá na metade do século e que cuidados paliativos resolverão. Melhora adequada da saúde, educação de boa qualidade e assistência social desde a infância serão fundamentais para que os idosos sejam saudáveis e dispostos a trabalhar por mais tempo antes de se aposentar”, defende a pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo), da Unicamp, Zoraide Amarante Itapura de Miranda.
O impacto do envelhecimento sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) deve ser mais um custo elevado a recair sobre as próximas gerações, uma vez que os serviços são totalmente públicos e universais. Mas, assim como a Previdência, o SUS deve ser entendido como uma ferramenta importante na promoção do bem-estar e de cuidados paliativos. Se o sistema apresenta deficiências, também tem pontos importantes, como o programa Saúde da Família e a distribuição de medicamentos gratuitamente.
A busca de recursos para adequar o programa será intensa nas próximas décadas, já que serão necessários constantes investimentos em tecnologia, na prevenção e na contratação e qualificação de profissionais para atender uma população de perfil envelhecido.
Pacto entre gerações
Ao contrário do senso comum que se tem no Brasil, previdência não é poupança. A regra que rege esse enorme sistema é baseada na solidariedade entre gerações, de forma que uma paga a aposentadoria da outra. Esse compromisso de responsabilidade entre futuro e passado, no entanto, aumenta o receio de que o sistema previdenciário desmorone em consequência do aumento significativo no número de segurados e da redução dos contribuintes em virtude da queda na taxa de fecundidade.
Tecnicamente, o regime financeiro da Previdência brasileira resume-se à lógica da repartição simples, em que prevalece a necessidade de arrecadar para conseguir pagar os benefícios. A Constituição de 1988 estabelece que é direito de todo cidadão e obrigação do Estado o acesso à saúde e à Previdência Social. Por isso, os jovens do futuro terão de buscar alternativas para cumprir seu papel nesse circuito.
Mas nem todas as vozes são pessimistas. Eduardo Fagnani, doutor em Ciências Econômicas pela Unicamp, acredita na formação e no desenvolvimento de novas fontes de financiamento, como o Fundo Soberano Brasileiro, criado para gerenciar os recursos da exploração da Bacia do Pré-Sal, que deverão compor uma poupança para custear despesas sociais, entre as quais as da Previdência e da Saúde.
É importante considerar também que, apesar do processo de envelhecimento pelo qual a população brasileira deve passar na primeira metade deste século, o país está sendo agraciado com o que os demógrafos chamam de “janela de oportunidade demográfica”. Segundo a Divisão de População da ONU, esse período é uma espécie de bônus demográfico, que se inicia quando a porcentagem da população de crianças e adolescentes (0-14 anos) fica abaixo de 30% e termina quando a população com mais de 65 anos representa mais de 15% do total do país.
A seguir esse conceito, a janela brasileira deve fechar-se perto do ano 2040. Até lá, a população ativa brasileira seria suficientemente grande para contribuir com trabalho, recursos e ideias alternativas para viabilizar o financiamento das aposentadorias.
Fagnani defende que a população ativa brasileira será importante na equalização do problema e acredita que recursos de outras áreas podem compensar os gastos maiores com saúde e aposentadoria. “Haverá ainda um arrefecimento dos gastos com educação para crianças e jovens (cuja fatia será numericamente menor) que podem ser canalizados para a Previdência. Mas, principalmente, a capacidade de manter as aposentadorias futuras passa por opções macroeconômicas, que garantam crescimento com geração de emprego e renda”.
Essa argumentação baseia-se na tese de que investimentos em saúde, educação e qualificação de jovens e adultos podem torná-los menos dependentes do Estado no futuro. Fagnani explica que, durante o período do bônus demográfico brasileiro, é importante que as pessoas trabalhem para aumentar suas rendas, mas para isso defende o crescimento contínuo da economia como catalisador desse movimento de enriquecimento.
O raciocínio do pesquisador é o de que, se a economia crescer e gerar emprego e renda, haverá uma etapa prévia de “enriquecimento” antes da velhice. Isso, junto com a educação, tornaria os idosos menos dependentes da proteção social do governo, mitigando a pressão sobre o orçamento da Previdência. “Se isso não for suficiente, em 2050 também poderemos utilizar parte do Fundo Soberano capitalizado por mais de quatro décadas, seguindo o exemplo de diversos países, como a Noruega”, diz Fagnani.
O papel do crescimento
Garantir direitos sociais a cidadãos tem um custo que pode ser bancado por meio do incremento do PIB. “Sem crescimento é inviável”, acredita o professor Fagnani, ao citar o exemplo: nas últimas décadas do século passado, a Previdência incorporou cerca de 8 milhões de pessoas com direitos estabelecidos pela Constituição, mas as receitas da Previdência não estavam no mesmo ritmo, porque a economia não evoluía mais que 2%. “Se crescêssemos a 4% naquela época, a situação hoje seria muito mais cômoda”, argumenta.
Já para o economista-chefe do Santander Asset Management Hugo Ferraz Penteado, a alternativa para a construção do futuro não pode depender do crescimento econômico contínuo, porque agravaria o ambiente em que vivemos, já exaurido pela população crescente em um economia intensiva em recursos naturais. Penteado não vê saída, a não ser pela possibilidade de uma mudança no modelo de desenvolvimento e nos hábitos e comportamentos das pessoas.
Apesar da dificuldade em visualizar que tipo de conformação terá a sociedade em relação ao consumo daqui a 40 ou 50 anos, essa é uma questão central que pode interferir na noção de crescimento como a conhecemos hoje. Ficam as perguntas: que perfil a economia terá na metade do século, em termos de intensidade no uso de recursos naturais e energéticos? Será que uma sociedade mais madura não desenvolverá uma nova relação com o ambiente e a noção de bem-estar, valorizando mais o conhecimento proporcionado durante a vida e buscando, sobretudo, qualidade, em vez de quantidade? Que rejeite o trabalho a qualquer preço e a busca incessante do crescimento para financiar esse consumo exacerbado de bens materiais?
Hoje não temos as respostas, mas estas são questões que podem alterar de maneira significativa comportamentos e valores da sociedade no futuro. Talvez seja a grande contribuição do envelhecimento para o novo tipo de desenvolvimento que é necessário perseguir
O tabu da natalidade
Alternativas como o controle de natalidade compulsório, como a política do filho único da China, tem perdido adeptos, porque se mostra nocivo a longo prazo, com reflexos sobre a economia e os sistemas de saúde e previdência. Sem falar em redução de liberdades, embora a ideia de que será necessário incluir mais 3 bilhões de pessoas até o fim do século assuste. Hoje já existe um número de pessoas próximo a esse sem acesso a bens de consumo essenciais – como alimentação, moradia, serviços de educação e saúde –, que precisam ser acolhidas e incluídas.
Hugo Ferraz Penteado, economista-chefe do Santander Asset Management, é um dos poucos que defendem abertamente mudanças imediatas. “Estamos caminhando para um colapso populacional. Já há sinais de esgotamento no planeta. Se não determinarmos o tamanho da população, a natureza fará a correção, contra a nossa vontade.” Para Penteado, “a população humana não pode crescer infinitamente num espaço finito, ecologicamente vulnerável, do qual todos nós dependemos para sobreviver e viver”.
Já o professor Ricardo Ojima, da UFRN, vê no próprio crescimento econômico uma chave para a redução da fecundidade: “Mesmo os países que não adotaram políticas compulsórias tiveram redução no crescimento populacional. O Brasil foi um dos países que se recusaram a forçar o controle da natalidade em sua população e as taxas de fecundidade aqui se reduziram rapidamente (30 anos)”. Essa redução, segundo ele, pode ser creditada principalmente à urbanização, ao maior acesso de mulheres à educação, a políticas de incentivo ao uso de métodos contraceptivos e à queda da mortalidade infantil.
Baixando a pressão
A ampliação de políticas públicas centradas na prevenção de doenças reduziria de forma significativa o impacto sobre os sistemas de saúde e de previdência de uma população envelhecida – é o que demonstra Cristina Guimarães Rodrigues, em tese de pós-doutorado em demografia pela USP.
A pesquisadora criou cenários acerca do efeito das mudanças demográficas sobre as internações hospitalares. No mais otimista, o aumento do número de internações seria de, aproximadamente, 22% em relação às internações de 2007. Já em um cenário mais pessimista prevê um expressivo crescimento de até 350% no número de hospitalização de idosos com idade acima de 80 anos.
Ela explica que o envelhecimento populacional é acompanhado de um crescimento da incidência de doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e as do sistema circulatório, que necessitam de tratamentos mais caros, que duram a vida toda e se caracterizam pelo acompanhamento médico regular. “Isso exerce uma enorme pressão sobre os gastos governamentais, porque as internações públicas representam 70% de todas as hospitalizações no País, além de consumir mais da metade do montante de recursos destinados à Saúde”, diz. Seus estudos apontam que os gastos destinados à Saúde crescem nos últimos meses de vida à medida que a morte se aproxima. Daí a importância dos cuidados preventivos.
Para Zoraide Amarante Itapura de Miranda, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo), a utilização da experiência, da mão de obra e da capacidade cognitiva do idoso em diferentes áreas pode retardar a entrada das pessoas nos sistemas de previdência e também requerer menos recursos do sistema público de saúde, porque a pessoa continuaria ativa mesmo com a idade avançada. Segundo ela, também ocorrerão novas oportunidades no mercado de trabalho, tanto nas áreas ligadas aos cuidados dos idosos, como medicina e enfermagem, quanto no surgimento de profissões específicas para empregá-los.