Experts em manter-se dentro dos limites impostos pelo planeta, os seres viventes e seus ecossistemas podem inspirar o design humano, da produção de energia a soluções para um mundo sem água. Para conectar quem busca respostas, o Instituto de Biomimética acaba de lançar o site AskNature.org
Para fazer cimento, os homens mineram, moem e queimam o calcário e, como subproduto, emitem toneladas de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera – o setor é responsável por cerca das 6% das emissões globais. Na natureza, um material tão duro e resistente quanto o cimento é formado pelos corais, que retiram CO2 da atmosfera e o misturam com substâncias presentes na água do mar para formar conchas e recifes. Se o desafio atual para os homens é continuar a produzir cimento, mas evitar a emissão de gases de efeito estufa, vale prestar atenção na fábrica de cimento da natureza.
“Há uma empresa, chamada Calera, que está fazendo cimento como o coral, e espera cortar as emissões pela metade”, informa a americana Janine Benyus. Considerada a mãe da biomimética, disciplina que emergiu recentemente para estudar a natureza, seus modelos, sistemas, processos e elementos e inspirar soluções sustentáveis para problemas humanos, Janine diz que seus sonhos estão começando a virar realidade.
Desde 1997, quando lançou o livro Biomimética – Inovação inspirada pela natureza, a idéia de que o homem pode aprender a desenhar soluções para sua vida com base no contexto onde ela se desenrola – o planeta Terra – vem ganhando adeptos. O Biomimicry Guild, um de dois institutos criados por Janine, presta consultoria para players importantes da economia do mainstream como Procter & Gamble, Nike, Kraft, GE. Centenas de laboratórios dedicam-se a pesquisar os processos naturais e o número de patentes declaradamente inspiradas em processos da natureza está em crescimento. “Mas não havia um dos principais elementos para que a biomimética decole”, diz Janine. “O acesso à informação”.
E o sonho de Janine, então, tomou forma no AskNature.org, um site colaborativo cujo objetivo é tornar a biomimética disponível para todos. O caso do cimento é um entre as 738 estratégias inspiradas na natureza que, por enquanto, alimentam o site, lançado oficialmente em 20 de novembro. A idéia é que, a partir de agora, pesquisadores, engenheiros, biólogos, arquitetos, designers e outros possam se conectar, trocar informações e produzir colaborativamente. “A informação biológica vai estar nas mãos dos designers que fazem nosso mundo”, comemora Janine.
Plantas, baleias e o homem-inventor Se precisamos redesenhar o mundo criado pelo homem para que ele caiba dentro do mundo natural que lhe dá suporte, uma das melhores fontes de inspiração, defende Janine, é a própria natureza, que com 3,8 bilhões de anos de experiência descobriu o que funciona, o que é apropriado e o que perdura no tempo.
“Nesse tempo, a ‘vida’ aprendeu a voar, a circunavegar o globo, a viver nas profundezas dos oceanos e em cima dos picos mais altos, a produzir materiais miraculosos, a iluminar a noite, a apreender a energia do sol e a construir um cérebro autoreflexivo”, escreveu ela em 1997. “Coletivamente, os organismos conseguiram transformar rochas e mar em uma casa, com temperaturas estáveis e ciclos que se sucedem suavemente.
Em suma, as coisas viventes fizeram tudo aquilo que queremos fazer, sem se empanturrar de combustíveis fósseis, poluir o planeta ou hipotecar seu futuro. Que modelo melhor poderia haver?” O que a biomimética propõe é o redesenho da relação do homem-inventor com a natureza, abandonando a mera exploração de recursos naturais para buscar a inspiração. É possível acompanhar o percurso que a “vida” percorreu para chegar aonde está hoje, lembra Janine, pois os fracassos viraram fósseis. O que sobreviveu pode ser usado para tornar a presença humana na Terra mais sustentável.
É o caso de uma planta africana que desenvolveu a habilidade de reviver depois de seca, graças a um açúcar produzido em suas células na época de estiagem, e que inspira o desenvolvimento de vacinas que não precisam de refrigeração e poderiam salvar milhares de vidas em países da América do Sul e da África. Das baleias, cujo sistema circulatório pode apontar soluções para quem depende de marca-passo cardíaco e cujas barbatanas servem de modelo para turbinas eólicas mais eficientes. E do besouro do deserto da Namíbia, que sobrevive porque é capaz de separar água da neblina – habilidade que deve se tornar cada vez mais importante diante da crise mundial da água e das perspectivas de aquecimento global.
Segundo o AskNature.org, uma nova tecnologia para construção de “células solares sensibilizadas por corantes” foi inspirada no processo de fotossíntese da planta havaiana Kokia cookei e permite gerar energia solar de forma muito mais barata do que os processos baseados em células de silicone. Resultado de mais de uma década de pesquisa, a tecnologia provavelmente vai sobreviver à planta, que se encontra quase extinta na natureza.
Para evitar que outros organismos tenham o mesmo destino, o site incentiva os adeptos da biomimética a “agradecer a um gênio”, ou seja, aquele elemento da natureza que os levou a inovar. Por meio do fundo Inovação para a Conservação, gerido pelo Instituto de Biomimética – também fundado por Janine Benyus – , a idéia é canalizar parte dos recursos derivados dos lucros advindos com as inovações para preservar organismos e ecossistemas que as inspiraram.
Se você imagina que as receitas do fundo jamais serão significativas, lembre-se de que alguns elementos de nosso cotidiano – o velcro, que imita as sementes da planta que teimam em grudar em nossas calças durante um passeio no campo; ou o maiô que levou a velocidade dos tubarões para as piscinas de Pequim nas Olimpíadas – vieram da observação do mundo natural.
Disciplina: solução de problemas
Muitas das informações geradas pela observação do mundo natural foram feitas, ao longo de décadas, pelos pesquisadores dedicados às ciências naturais, em particular os biólogos – gente que nas instituições modernas de pesquisa está separada, não só fisicamente, mas às vezes até mesmo intelectualmente, de seus pares das áreas aplicadas, como engenharia, arquitetura, design, agronomia, administração. O site AskNature.org, explica Janine, não só disponibiliza a informação, como está organizado por “desafios”, para permitir que as idéias sejam aplicadas e replicadas.
O campo de busca do site pede que o usuário complete a frase “como a natureza…” Se preencher com “…produz cor”, ele encontrará hoje 99 estratégias. Se optar por “…limpa a água”, terá 366 estratégias disponíveis. A expectativa é que esses números aumentem à medida que o site passe a ser usado pela comunidade científica e de profissionais: segundo Janine, pelo menos 1,8 milhão de organismos podem ser objeto de páginas no novo site. “Seremos o Google das soluções naturais”, aposta ela.
Muito além de biblioteca digital, o AskNature.org foi desenhado para funcionar como rede social e conectar biólogos, engenheiros, arquitetos, administradores e quem mais vier. “É um site totalmente web 2.0”, diz Janine, referindo-se à nova maneira de usar a internet que permite não só que os usuários baixem informações, mas também que contribuam com a produção de conteúdo. “As pessoas podem se conectar umas com as outras, enviar conteúdo, classificar com tags, linkar, comentar”, diz ela. Com isso, Janine espera que o site contribua para acabar com a “falsa separação” entre as disciplinas e permita a conexão entre pessoas que tentam solucionar problemas e para a preservação dos elementos naturais que nos ajudam na empreitada. “É como uma polinização cruzada, pode até mudar a maneira como os biólogos fazem biologia”, arrisca.
Para solucionar desafios tão significativos como os que se apresentam atualmente aos homens, talvez o que a natureza fizesse fosse justamente colocá-los em rede.