O protagonismo das empresas é inquestionável no cenário da Rio+20. Mas somente a articulação com o governo, na construção conjunta de políticas públicas, será capaz de dar escala ao novo jeito de fazer negócios
Políticas norteadoras são importantes para criar padrões e reduzir custos, fazendo com que os novos processos produtivos ganhem sentido econômico
Vinte anos se passaram desde que a Rio 92 despertou o mundo para a necessidade de um desenvolvimento mais sustentável. A ideia amadureceu e hoje já se entende que a construção de um novo mundo não é de responsabilidade exclusiva de governos: as empresas, excluídas do processo de discussão até as vésperas daquela conferência, passaram a se ver e ser vistas como players fundamentais. Se os processos produtivos são uma parte importante dos problemas que assolam o planeta, é nas empresas que está boa parte das soluções. Daí por que se espera seu protagonismo na Conferência das Nações Unidas Para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em junho de 2012.
Avanços importantes afloraram ao longo das últimas duas décadas. Muitas empresas desenvolveram iniciativas socioambientais voluntárias, como regulamentação civil (ISO 14000) e programas de redução da pegada carbônica e hídrica – atentas às oportunidades de mercado que se abrem com a adesão às novas práticas e em antecipação ao aumento de regulação socioambiental previsto para os próximos anos. Recentemente, foram assinadas diversas cartas de compromisso, intenções, pactos. As perguntas são: as promessas serão cumpridas? As práticas serão implementadas? De que forma?
Para o presidente do Instituto Ethos e membro da Comissão Nacional da Rio+20, Jorge Abrahão, essas ações isoladas demonstram um papel de liderança de algumas empresas, ao assumir compromissos antes mesmo de serem transformados em políticas públicas. Mas, para que o engajamento se dissemine amplamente no meio corporativo, é preciso uma articulação com o governo – a quem cabe internalizar as discussões e compromissos e transformá-los em políticas públicas norteadoras do setor privado.
Essas políticas são importantes para criar padrões,dar escala e reduzir custos, fazendo com que os novos processos produtivos – por exemplo, uso de fontes energéticas renováveis, transporte de baixo carbono, uso sustentável da biodiversidade – ganhem sentido econômico. “Se não, as companhias temem perder competitividade e vão cumprir os compromissos apenas até certo ponto. A empresa quer fazer, tem dinheiro para tanto, mas deve haver um limite de ação a ser definido pela política pública”, diz Abrahão.
Além disso, muitas empresas multinacionais não se comprometem com questões locais, porque estão inseridas em uma agenda global da matriz. “Esse é um importante dilema que o setor enfrenta”, aponta ele.
AGENDA PROPOSITIVA
Ricardo Young, diretor do Instituto Democracia e Sustentabilidade, afirma que o setor reconhece que as iniciativas voluntárias não são suficientes em si, mas destaca a mobilização das empresas para conseguir construir uma agenda propositiva. “A preocupação na Rio+20 deve ser fazer uma avaliação do que funcionou ou não até aqui, e estabelecer as bases de governa
Com o objetivo de conseguir um documento exequível, as empresas têm compartilhado suas experiências e boas práticas em grupos, como o Centro Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), que reúne 64 das maiores companhias que atuam no Brasil. Para formatar a agenda a ser apresentada pelo Cebds, discussões são realizadas nas oito câmaras temáticas mantidas pela entidade: finanças sustentáveis, biodiversidade e biotecnologia, energia e mudança climática, legislação ambiental, comunicação e educação, construção sustentável, água e gestão sustentável.
“O que temos hoje, apesar dos avanços, são iniciativas isoladas, ainda no campo de mercados incipientes e iniciativas pioneiras”, ecoa Marina Grossi, presidente-executiva do Cebds. “Ainda são os antigos paradigmas de negócios que dão o ritmo e compasso desse processo nos níveis nacional e internacional. Por isso, é preciso o governo mais engajado.”
Mas engajamento não cabe só ao governo. Quando se fala em articulação e diálogo, a mão é de via dupla, e requer predisposição das empresas.
Para conquistar espaço nas discussões da conferência, o setor privado tem buscado, por enquanto, fortalecer seus elos internos, a partir de uma coalizão entre o Cebds, a Câmara de Comércio Internacional e o Pacto Global [1] . “Estamos conversando com outras entidades, como o Ethos e a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), para que possamos ter uma visão conjunta do setor empresarial para a Rio+20”, informa Marina, que critica a falta de representatividade do setor na Comissão Nacional [2] . “Há muito poucas cadeiras em vista do tamanho impacto que tem esse setor.”
[1] Pacto Global é uma iniciativa desenvolvida pelo ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan,com o objetivo de mobilizar o empresariado internacional para a adoção de valores nas áreas de direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção. Reúne cerca de 5.200 organizações signatárias articuladas por 150 redes ao redor do mundo
[2] A Comissão Nacional é copresidida pelos ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores e promove a interlocução entre os órgãos e entidades federais, estaduais, municipais e da sociedade civil
MAIS RELEVANTE, IMPOSSÍVEL
A Rio+20 lida com o desafio de suceder as frustrantes COP 15 e COP 16, realizadas em Copenhague e Cancún, que sinalizaram negativamente a possibilidade de integração entre governos, empresas e sociedade. O alento para a Conferência do próximo ano é que ela ocorre em um momento no qual se buscam alternativas para um mundo mergulhado em crises gestadas pelo atual modelo econômico e de desenvolvimento.
“Se existe um tema que deve ser conversado agora é o do desenvolvimento sustentável, pois se trata de encontrar saídas para o que não está dando certo e pre- cisa ser transformado de forma drástica, inclusive em suas métricas de riqueza e indicadores de sucesso. Essa discussão é a mais relevante possível para uma geração inteira”, ressalta Marina Grossi. A Rio+20 será o palco no qual essas mudanças deverão ser debatidas, mas a densidade do assunto e a quantidade de temas a serem abordados assusta, devido ao curto período de discus- sões. Isso faz muitos desacreditarem da conferência e já tratá-la como apenas mais um grande e inócuo evento feito com a chancela da ONU.
De fato, especialistas acreditam que a Rio+20 não deve apresentar soluções para o dia seguinte, mas é fundamental que os debates criem metas e caminhos para o cumprimento delas e estabeleça quem deverá capitanear as implementações e de que forma. “Temos que sair da Rio+20 com medidas palpáveis, com formas de mensurar, com indicadores, com uma governança diferente e escala nas ações, além um consenso político que dê bases para um trabalho concreto”, diz Marina.
Como atingir isso, dentro de uma agenda conjunta e articulada entre governo, setor privado e organizações da sociedade civil, ainda é a grande pergunta.[:en]O protagonismo das empresas é inquestionável no cenário da Rio+20. Mas somente a articulação com o governo, na construção conjunta de políticas públicas, será capaz de dar escala ao novo jeito de fazer negócios
Políticas norteadoras são importantes para criar padrões e reduzir custos, fazendo com que os novos processos produtivos ganhem sentido econômico
Vinte anos se passaram desde que a Rio 92 despertou o mundo para a necessidade de um desenvolvimento mais sustentável. A ideia amadureceu e hoje já se entende que a construção de um novo mundo não é de responsabilidade exclusiva de governos: as empresas, excluídas do processo de discussão até as vésperas daquela conferência, passaram a se ver e ser vistas como players fundamentais. Se os processos produtivos são uma parte importante dos problemas que assolam o planeta, é nas empresas que está boa parte das soluções. Daí por que se espera seu protagonismo na Conferência das Nações Unidas Para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em junho de 2012.
Avanços importantes afloraram ao longo das últimas duas décadas. Muitas empresas desenvolveram iniciativas socioambientais voluntárias, como regulamentação civil (ISO 14000) e programas de redução da pegada carbônica e hídrica – atentas às oportunidades de mercado que se abrem com a adesão às novas práticas e em antecipação ao aumento de regulação socioambiental previsto para os próximos anos. Recentemente, foram assinadas diversas cartas de compromisso, intenções, pactos. As perguntas são: as promessas serão cumpridas? As práticas serão implementadas? De que forma?
Para o presidente do Instituto Ethos e membro da Comissão Nacional da Rio+20, Jorge Abrahão, essas ações isoladas demonstram um papel de liderança de algumas empresas, ao assumir compromissos antes mesmo de serem transformados em políticas públicas. Mas, para que o engajamento se dissemine amplamente no meio corporativo, é preciso uma articulação com o governo – a quem cabe internalizar as discussões e compromissos e transformá-los em políticas públicas norteadoras do setor privado.
Essas políticas são importantes para criar padrões,dar escala e reduzir custos, fazendo com que os novos processos produtivos – por exemplo, uso de fontes energéticas renováveis, transporte de baixo carbono, uso sustentável da biodiversidade – ganhem sentido econômico. “Se não, as companhias temem perder competitividade e vão cumprir os compromissos apenas até certo ponto. A empresa quer fazer, tem dinheiro para tanto, mas deve haver um limite de ação a ser definido pela política pública”, diz Abrahão.
Além disso, muitas empresas multinacionais não se comprometem com questões locais, porque estão inseridas em uma agenda global da matriz. “Esse é um importante dilema que o setor enfrenta”, aponta ele.
AGENDA PROPOSITIVA
Ricardo Young, diretor do Instituto Democracia e Sustentabilidade, afirma que o setor reconhece que as iniciativas voluntárias não são suficientes em si, mas destaca a mobilização das empresas para conseguir construir uma agenda propositiva. “A preocupação na Rio+20 deve ser fazer uma avaliação do que funcionou ou não até aqui, e estabelecer as bases de governa
Com o objetivo de conseguir um documento exequível, as empresas têm compartilhado suas experiências e boas práticas em grupos, como o Centro Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), que reúne 64 das maiores companhias que atuam no Brasil. Para formatar a agenda a ser apresentada pelo Cebds, discussões são realizadas nas oito câmaras temáticas mantidas pela entidade: finanças sustentáveis, biodiversidade e biotecnologia, energia e mudança climática, legislação ambiental, comunicação e educação, construção sustentável, água e gestão sustentável.
“O que temos hoje, apesar dos avanços, são iniciativas isoladas, ainda no campo de mercados incipientes e iniciativas pioneiras”, ecoa Marina Grossi, presidente-executiva do Cebds. “Ainda são os antigos paradigmas de negócios que dão o ritmo e compasso desse processo nos níveis nacional e internacional. Por isso, é preciso o governo mais engajado.”
Mas engajamento não cabe só ao governo. Quando se fala em articulação e diálogo, a mão é de via dupla, e requer predisposição das empresas.
Para conquistar espaço nas discussões da conferência, o setor privado tem buscado, por enquanto, fortalecer seus elos internos, a partir de uma coalizão entre o Cebds, a Câmara de Comércio Internacional e o Pacto Global [1] . “Estamos conversando com outras entidades, como o Ethos e a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), para que possamos ter uma visão conjunta do setor empresarial para a Rio+20”, informa Marina, que critica a falta de representatividade do setor na Comissão Nacional [2] . “Há muito poucas cadeiras em vista do tamanho impacto que tem esse setor.”
[1] Pacto Global é uma iniciativa desenvolvida pelo ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan,com o objetivo de mobilizar o empresariado internacional para a adoção de valores nas áreas de direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção. Reúne cerca de 5.200 organizações signatárias articuladas por 150 redes ao redor do mundo
[2] A Comissão Nacional é copresidida pelos ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores e promove a interlocução entre os órgãos e entidades federais, estaduais, municipais e da sociedade civil
MAIS RELEVANTE, IMPOSSÍVEL
A Rio+20 lida com o desafio de suceder as frustrantes COP 15 e COP 16, realizadas em Copenhague e Cancún, que sinalizaram negativamente a possibilidade de integração entre governos, empresas e sociedade. O alento para a Conferência do próximo ano é que ela ocorre em um momento no qual se buscam alternativas para um mundo mergulhado em crises gestadas pelo atual modelo econômico e de desenvolvimento.
“Se existe um tema que deve ser conversado agora é o do desenvolvimento sustentável, pois se trata de encontrar saídas para o que não está dando certo e pre- cisa ser transformado de forma drástica, inclusive em suas métricas de riqueza e indicadores de sucesso. Essa discussão é a mais relevante possível para uma geração inteira”, ressalta Marina Grossi. A Rio+20 será o palco no qual essas mudanças deverão ser debatidas, mas a densidade do assunto e a quantidade de temas a serem abordados assusta, devido ao curto período de discus- sões. Isso faz muitos desacreditarem da conferência e já tratá-la como apenas mais um grande e inócuo evento feito com a chancela da ONU.
De fato, especialistas acreditam que a Rio+20 não deve apresentar soluções para o dia seguinte, mas é fundamental que os debates criem metas e caminhos para o cumprimento delas e estabeleça quem deverá capitanear as implementações e de que forma. “Temos que sair da Rio+20 com medidas palpáveis, com formas de mensurar, com indicadores, com uma governança diferente e escala nas ações, além um consenso político que dê bases para um trabalho concreto”, diz Marina.
Como atingir isso, dentro de uma agenda conjunta e articulada entre governo, setor privado e organizações da sociedade civil, ainda é a grande pergunta.