Com a Rio+20 batendo à porta, atores dos mais variados matizes apressam-se a montar uma rede de articulações. Ninguém quer chegar ao maior evento realizado no Brasil desde a Rio 92 falando sozinho, e nem desperdiçar a chance de colocar o futuro na ordem do dia
Lembram daquela conversa de que “ando- rinha sozinha não faz verão”? Pois bem. No que depender da turma que pretende aterrissar em peso no Rio de Janeiro para a Conferência das Nações Unidas sobre De- senvolvimento Sustentável – a Rio+20 –, os cariocas po- dem se preparar para um junho senegalês em 2012. É certo que a nove meses do evento há um campo enorme de articulações a se explorar e os avanços acontecem aos trancos. Ninguém disse que seria fácil! Mesmo assim, há bastante gente sinalizando que temos um monte de coisa – boa – a caminho. E em ebulição.
Apesar disso, a Rio+20 ainda não chamou a atenção do público geral. Pergunte ao carioca médio sobre os próximos megaeventos da cidade e ele certamente vai desatar a falar da Copa do Mundo e das Olimpíadas – ambas a alguns anos de distância – sem dar a menor atenção para a conferência marcada para o ano que vem.
Até agora, só aqueles que trabalham ou estão envolvidos mais diretamente com sustentabilidade demonstram alguma empolgação em falar da Rio+20 e, mesmo assim, moderada. Todos estão escaldados de- pois de acompanhar, durante anos, os fracos resultados obtidos pelo sistema de conferências e convenções da ONU sobre clima, biodiversidade, desertificação. (mais na reportagem “Pragmatismo Global”)
Estamos bem longe da eletricidade que tomou conta do Rio de Janeiro no distante ano de 1992, quando a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – a Rio 92 ou Eco 92 – consolidou a noção de que valia a pena escutar o que aquele bando de esquisitões bem-intencionados ligados às organizações não governamentais tinha a dizer. Retornar ao Rio exatos 20 anos não deixa de ser um fator para aumentar o grau de mobilização em torno da Rio+20.
NEM TÃO PRELIMINAR
Por enquanto, estamos em um ponto do processo onde tudo parece meio preliminar, mas nem tanto assim. Os países-membros da ONU e os representantes dos Major Groups [1] têm até novembro para apresentar suas sugestões ao documento oficial da conferência, cuja primeira versão deverá estar pronta até dezembro. A posição oficial do governo brasileiro foi elaborada com base em uma consulta pública proposta pelo Ministério do Meio Ambiente, que durou até o final de setembro. Ou seja, um bom volume de água já rolou sob essa ponte nesse curto período.
[1] Outra criação da Rio 92, os Major Groups incluem a perspectiva de atores sociais diversos nos processos da Comissão para o Desenvolvimento Sustentável da ONU. Há nove deles: Negócios e Indústria; Infância e Juventude; Agricultores; Populações Indígenas; Autoridades Locais; ONGs; Comunidade Científica e Tecnológica; Mulheres; e Trabalhadores e Sindicatos. (mais na entrevista)
Além disso, o governo brasileiro criou a Comissão Nacional da Conferência Rio+20, com a missão de promover a articulação entre atores governamentais e não governamentais e congregar a sociedade em torno da Rio+20. Comissão que, conforme nos conta o asses- sor extraordinário para a Rio+20 do MMA, Fernando Lyrio, está bastante atarefada. “Existe uma movimen- tação muito grande e que deve se intensificar ainda mais. Toda semana temos três ou quatro encontros de alto nível com empresários, comunidades tradicionais, ONGs etc.”, relata.
PODER PARALELO
Embora a expectativa em relação ao processo oficial seja apenas relativa, uma porção de gente estima que a Rio+20 poderá ser um divisor de águas. Não por acredita- rem que os governos estejam prontos a abraçar a causa da sustentabilidade, mas pelo sentimento de que é possível fazer muita coisa por meio de canais não institucionais, sem esperar passivamente por decisões governamentais.
Na opinião do líder da Iniciativa Amazônia Viva para a Rede WWF, Cláudio Maretti, “esse é o momento”. Segundo ele, até hoje as expectativas em torno desses megaeventos sempre dependeram de decisões a serem cumpridas pelas nações. Está na hora de isso mudar. “Precisamos envolver outros atores que não fiquem só cobrando os governantes, mas também assumam compromissos”, defende.
Mas, para chegar a esse ponto, precisamos de ferramentas de articulação mais sofisticadas do que temos à mão hoje em dia. E o que não falta neste período pré-conferência é gente costurando acordos e espaços de diálogo. Um dos mais visíveis é o Comitê Facilitador da Sociedade Civil para a Rio+20 (CFSC), que busca aproveitar o acontecimento para fazer convergir esforços da sociedade civil.
“A Rio+20 não é só o evento da ONU. Claro que o processo oficial é importante, mas não será a única coisa acontecendo por lá e nem a mais importante delas”, afirma Aron Belinky, coordenador de processos internacionais do Instituto Vitae Civilis e um dos principais nomes do comitê. (mais em entrevista)
Pedro Telles, também integrante do comitê pelo Vitae Civilis, sintetiza: “A Rio+20 é um pretexto mobi- lizador”. Ele ressalta que boa parte da riqueza do evento é o que vai circular por espaços e processos paralelos preparados ao largo da conferência oficial. “Tem muita coisa sem relação direta com a conferência, mas que está ocorrendo em consequência dela”, completa.
Uma dessas “coisas” é a Geração+20, iniciativa de um grupo autônomo de universitários do Rio disposto a animar a juventude para participar dos processos – nada mais justo, uma vez que ela faz parte da “geração futura” [2] . Em meados do mês passado, o grupo lançou a campanha Virando o Jogo na Rio+20, uma petição pública criada para pressionar os chefes de Estado a comparecerem pessoalmente à conferência e endossa- rem os compromissos assumidos.
[2] Na definição da Comissão Brundtland, sustentabilidade pressupõe atender às necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas necessidades
Outra iniciativa, que talvez não estivesse acontecendo se não fosse pela Rio+20, é uma reflexão de nível internacional sobre quais são as habilidades necessárias para que as lideranças conduzam, com sucesso, os processos de mudança dos quais precisamos tão urgentemente. Essa ação é conduzida pela Leadership for Environment and Development (Lead), rede global que desenvolve programas de capacitação para a sustentabilidade.
Segundo o diretor-executivo da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças (ABDL) – braço da rede Lead no Brasil –, Dalberto Adulis, diversas organizações ligadas à rede estão empenhadas em traçar um panorama geral das iniciativas e metodologias de capacitação existentes.
MAPA DAS INICIATIVAS
“Essas iniciativas são todas muito dispersas, ninguém as mapeou. É isso o que faremos aqui no Brasil, na Europa e na Índia”, conta Adulis. Ele informa que uma série de workshops está sendo organizada para reunir as organizações com iniciativas na área. “Embora esse não seja um tema de alta visibilidade, existe uma quantidade de metodologias e programas muito grande.” O resultado final desse trabalho será apresentado em um evento internacional marcado para as vésperas da Rio+20.
O International Institute for the Environment and Development (IIED) – organização fundada para Conferência de Estocolmo de 1972 – pretende levar para a Rio+20 um levantamento sobre quais foram as principais conquistas e lições aprendidas de 1992 para cá. Para tanto, a organização está pesquisando quais são as iniciativas concretas e bem documentadas com capacidade para resolver os problemas identificados na Rio 92, mas que permanecem sem solução adequada até hoje. Quem conta é o superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Virgilio Viana.
Para Viana, eventos paralelos como esse são justamente a grande esperança. “Os processos da ONU são lentos. Não se deve analisar o sucesso da Rio+20 só em função da agenda oficial, acho que podemos esperar bastante da agenda paralela. Estou otimista”, diz. Em meio a essa diversidade é fácil sentir-se perdido. O papel do CFSC, por exemplo, não é dos mais evidentes. Criado em novembro passado por uma multidão de organizações da sociedade civil [3] , o comitê não é uma organização formal que defende uma posição unitária.
[3] No fim de agosto, havia pelo menos 22 organizações e redes ativas no grupo de articulação do Comitê Facilitador, número que pode crescer até junho de 2012. Entre os nomes mais conhecidos estão: Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (Fboms), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Grupo de Reflexão e Apoio ao Processo do Fórum Social Mundial (Grap) e Via Campesina
Ele possui uma conformação muito mais orgânica. “Nós agregamos grupos que compartilham valores e uma visão do rumo a ser seguido”, resume Belinky, explicando que o fundamento está na percepção de que o modelo capitalista carece de mudanças profundas e que qualquer solução depende de processos participativos que respeitem as diferenças. Do ponto de vista prático, o comitê está empenhado na organização da Cúpula dos Povos para a Rio+20, um evento paralelo que vai agregar as articulações e reflexões autônomas da sociedade civil.
CONVIVÊNCIA NADA PACÍFICA
Ficar no meio de um turbilhão como este é mais ou menos como tentar gerenciar a Torre de Babel. “A convivência não é nada pacífica”, reconhece a diretora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Moema Miranda. Desde 2003, ela colabora com o Grupo de Reflexão e Apoio ao Processo (Grap) do Fórum Social Mundial. Portanto, sabe dos desafios de tentar organizar essa geleia geral e garante que dá para construir espaços em que diferenças extremas não só sejam toleradas como se tornem um fator de produtividade. Contudo, ainda há travas a um processo de articulação mais efetivo. “Somos todos herdeiros das divergências do século XX”, comenta Moema, ao explicar por que essas barreiras aparecem.
A Cúpula dos Povos, por exemplo, não inclui atores do setor empresarial. “A gente acredita que os mercados deveriam estar a serviço da construção de uma sociedade mais justa e que isso precisa de uma mudança para frear o consumismo exagerado. E os empresários não compartilham dessa compreensão”, elabora Moema. Esse não é um veto absoluto – qualquer entidade do CFSC está livre para fazer outras articulações por conta própria – e a própria Moema é rápida em afirmar que a conversa com os empresários não apenas é possível como desejável. Ainda assim, existe algo a ser resolvido aí.
Belinky também busca o caminho da conciliação. “Existem diferenças a princípio irreconciliáveis? Sim. Mas a gente entende que o caminho do diálogo é fundamental para engajar a sociedade na transição que precisamos fazer. Nosso papel é ajudar para que ele aconteça”, sinaliza.
POUCO REPRESENTADO
Por seu lado, o empresariado “cava” os próprios espaços para avançar sua agenda, afinal estamos falando de uma conferência que debaterá a economia verde. “Se você olhar de 20 anos para cá, o setor privado é o que deu o maior salto, mas, até hoje, não tem uma representação como deveria”, reclama Marina Grossi, que ocupa a presidência do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).“Essa é uma reminiscência de um passado que acaba sendo um dos entraves para alavancar o desenvolvimento sustentável”, completa (mais em reportagem).
O Cebds tem suas raízes no solo da Rio 92 e, por isso, quer chegar fazendo barulho. Uma de suas ar- mas para isso é o processo de tropicalização do Visão 2050 – um documento do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) que descreve como, na visão do empresariado, é possível chegar a um mundo mais sustentável até 2050 [2]. O processo terá nove workshops, nos quais o documento internacional será estudado à luz da realidade brasileira. “Embora essa seja a agenda das empresas, ela será fruto de uma ampla articulação, porque não se pode ter uma empresa saudável em um ambiente degradado”, resume Marina.
Mesmo que, em vários momentos, o empresariado e o Terceiro Setor ainda se estranhem, há aproximações importantes acontecendo. “O papel do setor privado tem sido pouco explorado nos debates sobre a sustenta- bilidade”, opina Cláudio Maretti, do WWF Brasil. “Os atores econômicos mais avançados já entendem que eles também são um ator social. E até os Fóruns Econômi- cos Mundiais têm caminhado para entender melhor a relação entre sustentabilidade e economia”, completa.
O WWF, por exemplo, além de convidado a dar contribuições ao Visão 2050, retribuiu o favor chaman- do o Cebds para organizar um dos cinco seminários da série Diálogos sobre Biodiversidade. Trata-se de uma iniciativa conjunta com o Ministério do Meio Ambiente, a IUCN e o Instituto Ipê para elaborar me- tas para a conservação da biodiversidade brasileira até 2020. “Estamos debatendo com empresários, sociedade civil organizada, comunidades tradicionais, academia e governos para elaborar um plano estratégico para o biodiesel, e vamos apresentar o resultado desse processo na Rio+20”, conta Maretti.
Um sinal importante de que esse diálogo está evo- luindo vem de Virgilio Viana, do FAS. Segundo ele, os recursos que transformaram o Bolsa Floresta na maior experiência em Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) do planeta – abrangendo uma área de 10 mi- lhões de hectares e 550 comunidades do Amazonas – vieram, sobretudo, de grandes doadores da iniciativa privada. Graças a esses aportes, foi possível criar um fundo permanente para ancorar os projetos de PSA.
Há muitas travas ao diálogo. “Somos todos herdeiros das divergências do século XX”, diz Moema Miranda, do Ibase
“Do total, em torno de 93% do nosso orçamento é de origem privada, o que nos garante agilidade e um custo de implementação muito melhor do que os de várias ações governamentais”, avalia Viana.
GOVERNOS LOCAIS
Mais até do que o empresariado, os governos locais também enfrentam certa dificuldade de inserção nos diálogos. Como os atores institucionais dos processos oficiais da ONU são os governos nacionais, as instâncias locais terminam numa posição um tanto estranha. Mas não que isso reduza sua importância, nem poderia: cerca de 30% do PIB global está concentrado em uma centena de regiões metropolitanas e, até 2030, dois terços da população mundial viverá em cidades.
“Não tem nem como pensar em economia verde sem relacionar com economia ‘urbana’ verde. É nas ci- dades que as oportunidades de negócio estarão. Por isso, queremos que os governos locais sejam reconhecidos nesse processo”, diz Florence Laloe, diretora regional interina da organização Iclei.
O Iclei representa nada menos que 1.200 governos locais – entre cidades, estados, condados e províncias – e já decidiu que seu próximo congresso mundial se dará em Belo Horizonte, entre os dias 29 de maio e 1 de junho. A proximidade de data com a conferência do Rio não é um acaso. A organização queria facilitar a vida dos associados que quisessem dar uma passada pela Rio+20. Além disso, a organização está planejando um espaço paralelo chamado Global Townhall, em que as cidades possam apresentar seus projetos e mostrar resultados.
“O sucesso da Rio+20 vai depender muito da forma como a sociedade civil e os demais atores se apropriarem dela”, encoraja Pedro Telles. Isso sem contar que – ao fim e ao cabo – quem está de olho na conferência sofre de um incorrigível senso de otimismo, mesmo admitin- do que as chances não são favoráveis.
Moema Miranda nem pestaneja ao responder que espera nada menos que “a vitória” da Rio+20. “O que estamos tentando é ganhar o jogo contra a destruição do planeta, e isso interessa a todos.”
COMO PARTICIPAR?
Há pelo menos três campos de ação em que a sociedade pode buscar representatividade desde o pré-evento.
(Thaís Herrero)
Nível oficial
Qualquer cidadão ou instituição pode expressar suas expectativas sobre a Rio+20 e a pauta do desenvolvimento sustentável por meio de consultas públicas disponíveis na internet.
As consultas são formas de canalizar as opiniões da sociedade civil para serem analisadas por um secretariado da ONU. O produto finalé a declaração oficial das Nações Unidas com recomendações, informações para convenções, diretrizes para governança e prioridades para política do desenvolvimento sustentável.
O site oficial tem uma consulta aberta até 1o de novembro, além de um calendário que aceita inserções de eventos relacionados à conferência.Em setembro, encerrou-se o prazo para recebimento das respostas à consulta organizada pelo Ministério do Meio Ambiente. As respostas a um questionário com 11 perguntas serão a base para o governo brasileiro escrever o primeiro documento com seus posicionamentos que será entregue à ONU.
Nível de interlocução
Fora dos ritos formais, representantes do governo e da sociedade civil dialogam abertamente sobre a arquitetura dos documentos e propostas em conversas “de corredor”, lobbies e reuniões. É onde a voz da população, em tese, tem mais poder de influência, pois chega diretamente aos ouvidos de representantes do governo, por intermédio das entidades das quais participam.
Encontros mais formais são assessorados pela Comissão Nacional da Rio+20, criada em junho pela presidente Dilma Rousseff, e pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), existente desde 2003.
Esses diálogos repercutem tanto no posicionamento do governo brasileiro na Rio+20 quanto em futuras políticas públicas que poderão ser traçadas de acordo do com a pauta proposta pela sociedade
Nível autônomo
Independentemente da agenda oficial, representantes e organizações da sociedade civil estão se articulando para influenciar as decisões a serem tomadas.
Para isso, organizam tanto protestos de rua quanto grandes eventos.
O Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20 (CFSC) atua nos processos anteriores à Rio+20 para preparar e engajar a sociedade. Durante os dias da conferência, será realizada a Cúpula dos Povos da Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, um evento paralelo. Em janeiro, o grupo que articula o Fórum Social Mundial fará um encontro temático e excepcional para organizar propostas de
campanha e declarações.
Manifestações não produzem necessariamente papéis formais, mas fazem barulho, pressionando a opinião pública. Já a Cúpula e o FSM vão elaborar documentos finais com encaminhamento de propostas concretas à ONU.[:en]Com a Rio+20 batendo à porta, atores dos mais variados matizes apressam-se a montar uma rede de articulações. Ninguém quer chegar ao maior evento realizado no Brasil desde a Rio 92 falando sozinho, e nem desperdiçar a chance de colocar o futuro na ordem do dia
Lembram daquela conversa de que “ando- rinha sozinha não faz verão”? Pois bem. No que depender da turma que pretende aterrissar em peso no Rio de Janeiro para a Conferência das Nações Unidas sobre De- senvolvimento Sustentável – a Rio+20 –, os cariocas po- dem se preparar para um junho senegalês em 2012. É certo que a nove meses do evento há um campo enorme de articulações a se explorar e os avanços acontecem aos trancos. Ninguém disse que seria fácil! Mesmo assim, há bastante gente sinalizando que temos um monte de coisa – boa – a caminho. E em ebulição.
Apesar disso, a Rio+20 ainda não chamou a atenção do público geral. Pergunte ao carioca médio sobre os próximos megaeventos da cidade e ele certamente vai desatar a falar da Copa do Mundo e das Olimpíadas – ambas a alguns anos de distância – sem dar a menor atenção para a conferência marcada para o ano que vem.
Até agora, só aqueles que trabalham ou estão envolvidos mais diretamente com sustentabilidade demonstram alguma empolgação em falar da Rio+20 e, mesmo assim, moderada. Todos estão escaldados de- pois de acompanhar, durante anos, os fracos resultados obtidos pelo sistema de conferências e convenções da ONU sobre clima, biodiversidade, desertificação. (mais na reportagem “Pragmatismo Global”)
Estamos bem longe da eletricidade que tomou conta do Rio de Janeiro no distante ano de 1992, quando a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – a Rio 92 ou Eco 92 – consolidou a noção de que valia a pena escutar o que aquele bando de esquisitões bem-intencionados ligados às organizações não governamentais tinha a dizer. Retornar ao Rio exatos 20 anos não deixa de ser um fator para aumentar o grau de mobilização em torno da Rio+20.
NEM TÃO PRELIMINAR
Por enquanto, estamos em um ponto do processo onde tudo parece meio preliminar, mas nem tanto assim. Os países-membros da ONU e os representantes dos Major Groups [1] têm até novembro para apresentar suas sugestões ao documento oficial da conferência, cuja primeira versão deverá estar pronta até dezembro. A posição oficial do governo brasileiro foi elaborada com base em uma consulta pública proposta pelo Ministério do Meio Ambiente, que durou até o final de setembro. Ou seja, um bom volume de água já rolou sob essa ponte nesse curto período.
[1] Outra criação da Rio 92, os Major Groups incluem a perspectiva de atores sociais diversos nos processos da Comissão para o Desenvolvimento Sustentável da ONU. Há nove deles: Negócios e Indústria; Infância e Juventude; Agricultores; Populações Indígenas; Autoridades Locais; ONGs; Comunidade Científica e Tecnológica; Mulheres; e Trabalhadores e Sindicatos. (mais na entrevista)
Além disso, o governo brasileiro criou a Comissão Nacional da Conferência Rio+20, com a missão de promover a articulação entre atores governamentais e não governamentais e congregar a sociedade em torno da Rio+20. Comissão que, conforme nos conta o asses- sor extraordinário para a Rio+20 do MMA, Fernando Lyrio, está bastante atarefada. “Existe uma movimen- tação muito grande e que deve se intensificar ainda mais. Toda semana temos três ou quatro encontros de alto nível com empresários, comunidades tradicionais, ONGs etc.”, relata.
PODER PARALELO
Embora a expectativa em relação ao processo oficial seja apenas relativa, uma porção de gente estima que a Rio+20 poderá ser um divisor de águas. Não por acredita- rem que os governos estejam prontos a abraçar a causa da sustentabilidade, mas pelo sentimento de que é possível fazer muita coisa por meio de canais não institucionais, sem esperar passivamente por decisões governamentais.
Na opinião do líder da Iniciativa Amazônia Viva para a Rede WWF, Cláudio Maretti, “esse é o momento”. Segundo ele, até hoje as expectativas em torno desses megaeventos sempre dependeram de decisões a serem cumpridas pelas nações. Está na hora de isso mudar. “Precisamos envolver outros atores que não fiquem só cobrando os governantes, mas também assumam compromissos”, defende.
Mas, para chegar a esse ponto, precisamos de ferramentas de articulação mais sofisticadas do que temos à mão hoje em dia. E o que não falta neste período pré-conferência é gente costurando acordos e espaços de diálogo. Um dos mais visíveis é o Comitê Facilitador da Sociedade Civil para a Rio+20 (CFSC), que busca aproveitar o acontecimento para fazer convergir esforços da sociedade civil.
“A Rio+20 não é só o evento da ONU. Claro que o processo oficial é importante, mas não será a única coisa acontecendo por lá e nem a mais importante delas”, afirma Aron Belinky, coordenador de processos internacionais do Instituto Vitae Civilis e um dos principais nomes do comitê. (mais em entrevista)
Pedro Telles, também integrante do comitê pelo Vitae Civilis, sintetiza: “A Rio+20 é um pretexto mobi- lizador”. Ele ressalta que boa parte da riqueza do evento é o que vai circular por espaços e processos paralelos preparados ao largo da conferência oficial. “Tem muita coisa sem relação direta com a conferência, mas que está ocorrendo em consequência dela”, completa.
Uma dessas “coisas” é a Geração+20, iniciativa de um grupo autônomo de universitários do Rio disposto a animar a juventude para participar dos processos – nada mais justo, uma vez que ela faz parte da “geração futura” [2] . Em meados do mês passado, o grupo lançou a campanha Virando o Jogo na Rio+20, uma petição pública criada para pressionar os chefes de Estado a comparecerem pessoalmente à conferência e endossa- rem os compromissos assumidos.
[2] Na definição da Comissão Brundtland, sustentabilidade pressupõe atender às necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas necessidades
Outra iniciativa, que talvez não estivesse acontecendo se não fosse pela Rio+20, é uma reflexão de nível internacional sobre quais são as habilidades necessárias para que as lideranças conduzam, com sucesso, os processos de mudança dos quais precisamos tão urgentemente. Essa ação é conduzida pela Leadership for Environment and Development (Lead), rede global que desenvolve programas de capacitação para a sustentabilidade.
Segundo o diretor-executivo da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças (ABDL) – braço da rede Lead no Brasil –, Dalberto Adulis, diversas organizações ligadas à rede estão empenhadas em traçar um panorama geral das iniciativas e metodologias de capacitação existentes.
MAPA DAS INICIATIVAS
“Essas iniciativas são todas muito dispersas, ninguém as mapeou. É isso o que faremos aqui no Brasil, na Europa e na Índia”, conta Adulis. Ele informa que uma série de workshops está sendo organizada para reunir as organizações com iniciativas na área. “Embora esse não seja um tema de alta visibilidade, existe uma quantidade de metodologias e programas muito grande.” O resultado final desse trabalho será apresentado em um evento internacional marcado para as vésperas da Rio+20.
O International Institute for the Environment and Development (IIED) – organização fundada para Conferência de Estocolmo de 1972 – pretende levar para a Rio+20 um levantamento sobre quais foram as principais conquistas e lições aprendidas de 1992 para cá. Para tanto, a organização está pesquisando quais são as iniciativas concretas e bem documentadas com capacidade para resolver os problemas identificados na Rio 92, mas que permanecem sem solução adequada até hoje. Quem conta é o superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Virgilio Viana.
Para Viana, eventos paralelos como esse são justamente a grande esperança. “Os processos da ONU são lentos. Não se deve analisar o sucesso da Rio+20 só em função da agenda oficial, acho que podemos esperar bastante da agenda paralela. Estou otimista”, diz. Em meio a essa diversidade é fácil sentir-se perdido. O papel do CFSC, por exemplo, não é dos mais evidentes. Criado em novembro passado por uma multidão de organizações da sociedade civil [3] , o comitê não é uma organização formal que defende uma posição unitária.
[3] No fim de agosto, havia pelo menos 22 organizações e redes ativas no grupo de articulação do Comitê Facilitador, número que pode crescer até junho de 2012. Entre os nomes mais conhecidos estão: Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (Fboms), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Grupo de Reflexão e Apoio ao Processo do Fórum Social Mundial (Grap) e Via Campesina
Ele possui uma conformação muito mais orgânica. “Nós agregamos grupos que compartilham valores e uma visão do rumo a ser seguido”, resume Belinky, explicando que o fundamento está na percepção de que o modelo capitalista carece de mudanças profundas e que qualquer solução depende de processos participativos que respeitem as diferenças. Do ponto de vista prático, o comitê está empenhado na organização da Cúpula dos Povos para a Rio+20, um evento paralelo que vai agregar as articulações e reflexões autônomas da sociedade civil.
CONVIVÊNCIA NADA PACÍFICA
Ficar no meio de um turbilhão como este é mais ou menos como tentar gerenciar a Torre de Babel. “A convivência não é nada pacífica”, reconhece a diretora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Moema Miranda. Desde 2003, ela colabora com o Grupo de Reflexão e Apoio ao Processo (Grap) do Fórum Social Mundial. Portanto, sabe dos desafios de tentar organizar essa geleia geral e garante que dá para construir espaços em que diferenças extremas não só sejam toleradas como se tornem um fator de produtividade. Contudo, ainda há travas a um processo de articulação mais efetivo. “Somos todos herdeiros das divergências do século XX”, comenta Moema, ao explicar por que essas barreiras aparecem.
A Cúpula dos Povos, por exemplo, não inclui atores do setor empresarial. “A gente acredita que os mercados deveriam estar a serviço da construção de uma sociedade mais justa e que isso precisa de uma mudança para frear o consumismo exagerado. E os empresários não compartilham dessa compreensão”, elabora Moema. Esse não é um veto absoluto – qualquer entidade do CFSC está livre para fazer outras articulações por conta própria – e a própria Moema é rápida em afirmar que a conversa com os empresários não apenas é possível como desejável. Ainda assim, existe algo a ser resolvido aí.
Belinky também busca o caminho da conciliação. “Existem diferenças a princípio irreconciliáveis? Sim. Mas a gente entende que o caminho do diálogo é fundamental para engajar a sociedade na transição que precisamos fazer. Nosso papel é ajudar para que ele aconteça”, sinaliza.
POUCO REPRESENTADO
Por seu lado, o empresariado “cava” os próprios espaços para avançar sua agenda, afinal estamos falando de uma conferência que debaterá a economia verde. “Se você olhar de 20 anos para cá, o setor privado é o que deu o maior salto, mas, até hoje, não tem uma representação como deveria”, reclama Marina Grossi, que ocupa a presidência do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).“Essa é uma reminiscência de um passado que acaba sendo um dos entraves para alavancar o desenvolvimento sustentável”, completa (mais em reportagem).
O Cebds tem suas raízes no solo da Rio 92 e, por isso, quer chegar fazendo barulho. Uma de suas ar- mas para isso é o processo de tropicalização do Visão 2050 – um documento do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) que descreve como, na visão do empresariado, é possível chegar a um mundo mais sustentável até 2050 [2]. O processo terá nove workshops, nos quais o documento internacional será estudado à luz da realidade brasileira. “Embora essa seja a agenda das empresas, ela será fruto de uma ampla articulação, porque não se pode ter uma empresa saudável em um ambiente degradado”, resume Marina.
Mesmo que, em vários momentos, o empresariado e o Terceiro Setor ainda se estranhem, há aproximações importantes acontecendo. “O papel do setor privado tem sido pouco explorado nos debates sobre a sustenta- bilidade”, opina Cláudio Maretti, do WWF Brasil. “Os atores econômicos mais avançados já entendem que eles também são um ator social. E até os Fóruns Econômi- cos Mundiais têm caminhado para entender melhor a relação entre sustentabilidade e economia”, completa.
O WWF, por exemplo, além de convidado a dar contribuições ao Visão 2050, retribuiu o favor chaman- do o Cebds para organizar um dos cinco seminários da série Diálogos sobre Biodiversidade. Trata-se de uma iniciativa conjunta com o Ministério do Meio Ambiente, a IUCN e o Instituto Ipê para elaborar me- tas para a conservação da biodiversidade brasileira até 2020. “Estamos debatendo com empresários, sociedade civil organizada, comunidades tradicionais, academia e governos para elaborar um plano estratégico para o biodiesel, e vamos apresentar o resultado desse processo na Rio+20”, conta Maretti.
Um sinal importante de que esse diálogo está evo- luindo vem de Virgilio Viana, do FAS. Segundo ele, os recursos que transformaram o Bolsa Floresta na maior experiência em Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) do planeta – abrangendo uma área de 10 mi- lhões de hectares e 550 comunidades do Amazonas – vieram, sobretudo, de grandes doadores da iniciativa privada. Graças a esses aportes, foi possível criar um fundo permanente para ancorar os projetos de PSA.
Há muitas travas ao diálogo. “Somos todos herdeiros das divergências do século XX”, diz Moema Miranda, do Ibase
“Do total, em torno de 93% do nosso orçamento é de origem privada, o que nos garante agilidade e um custo de implementação muito melhor do que os de várias ações governamentais”, avalia Viana.
GOVERNOS LOCAIS
Mais até do que o empresariado, os governos locais também enfrentam certa dificuldade de inserção nos diálogos. Como os atores institucionais dos processos oficiais da ONU são os governos nacionais, as instâncias locais terminam numa posição um tanto estranha. Mas não que isso reduza sua importância, nem poderia: cerca de 30% do PIB global está concentrado em uma centena de regiões metropolitanas e, até 2030, dois terços da população mundial viverá em cidades.
“Não tem nem como pensar em economia verde sem relacionar com economia ‘urbana’ verde. É nas ci- dades que as oportunidades de negócio estarão. Por isso, queremos que os governos locais sejam reconhecidos nesse processo”, diz Florence Laloe, diretora regional interina da organização Iclei.
O Iclei representa nada menos que 1.200 governos locais – entre cidades, estados, condados e províncias – e já decidiu que seu próximo congresso mundial se dará em Belo Horizonte, entre os dias 29 de maio e 1 de junho. A proximidade de data com a conferência do Rio não é um acaso. A organização queria facilitar a vida dos associados que quisessem dar uma passada pela Rio+20. Além disso, a organização está planejando um espaço paralelo chamado Global Townhall, em que as cidades possam apresentar seus projetos e mostrar resultados.
“O sucesso da Rio+20 vai depender muito da forma como a sociedade civil e os demais atores se apropriarem dela”, encoraja Pedro Telles. Isso sem contar que – ao fim e ao cabo – quem está de olho na conferência sofre de um incorrigível senso de otimismo, mesmo admitin- do que as chances não são favoráveis.
Moema Miranda nem pestaneja ao responder que espera nada menos que “a vitória” da Rio+20. “O que estamos tentando é ganhar o jogo contra a destruição do planeta, e isso interessa a todos.”
COMO PARTICIPAR?
Há pelo menos três campos de ação em que a sociedade pode buscar representatividade desde o pré-evento.
(Thaís Herrero)
Nível oficial
Qualquer cidadão ou instituição pode expressar suas expectativas sobre a Rio+20 e a pauta do desenvolvimento sustentável por meio de consultas públicas disponíveis na internet.
As consultas são formas de canalizar as opiniões da sociedade civil para serem analisadas por um secretariado da ONU. O produto finalé a declaração oficial das Nações Unidas com recomendações, informações para convenções, diretrizes para governança e prioridades para política do desenvolvimento sustentável.
O site oficial tem uma consulta aberta até 1o de novembro, além de um calendário que aceita inserções de eventos relacionados à conferência.Em setembro, encerrou-se o prazo para recebimento das respostas à consulta organizada pelo Ministério do Meio Ambiente. As respostas a um questionário com 11 perguntas serão a base para o governo brasileiro escrever o primeiro documento com seus posicionamentos que será entregue à ONU.
Nível de interlocução
Fora dos ritos formais, representantes do governo e da sociedade civil dialogam abertamente sobre a arquitetura dos documentos e propostas em conversas “de corredor”, lobbies e reuniões. É onde a voz da população, em tese, tem mais poder de influência, pois chega diretamente aos ouvidos de representantes do governo, por intermédio das entidades das quais participam.
Encontros mais formais são assessorados pela Comissão Nacional da Rio+20, criada em junho pela presidente Dilma Rousseff, e pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), existente desde 2003.
Esses diálogos repercutem tanto no posicionamento do governo brasileiro na Rio+20 quanto em futuras políticas públicas que poderão ser traçadas de acordo do com a pauta proposta pela sociedade
Nível autônomo
Independentemente da agenda oficial, representantes e organizações da sociedade civil estão se articulando para influenciar as decisões a serem tomadas.
Para isso, organizam tanto protestos de rua quanto grandes eventos.
O Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20 (CFSC) atua nos processos anteriores à Rio+20 para preparar e engajar a sociedade. Durante os dias da conferência, será realizada a Cúpula dos Povos da Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, um evento paralelo. Em janeiro, o grupo que articula o Fórum Social Mundial fará um encontro temático e excepcional para organizar propostas de
campanha e declarações.
Manifestações não produzem necessariamente papéis formais, mas fazem barulho, pressionando a opinião pública. Já a Cúpula e o FSM vão elaborar documentos finais com encaminhamento de propostas concretas à ONU.