Em artigo exclusivo para a Página22, o engenheiro florestal e superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável, Virgílio Viana, discorre sobre os dois programas do governo que envolvem natureza e desenvolvimento social.
Em junho de 2007, com uma iniciativa nacional pioneira, o Governo do Estado do Amazonas, sob a liderança do Governador Eduardo Braga, lançou o Programa Bolsa Floresta. Quatro anos mais tarde, em setembro de 2011, o Governo Federal, sob o comando da Presidenta Dilma Rousseff, lançou o Programa Bolsa Verde. Quais são as semelhanças, diferenças e desafios entre esses programas?
Ambos são voltados para moradores de Unidades de Conservação (UCs). O Bolsa Verde, entretanto, inclui também moradores de assentamentos de reforma agrária que possuem uma diferenciação ambiental. Essa limitação espacial reflete um fio condutor comum: são áreas de grande valor ambiental, onde predominam populações extrativistas e agricultores familiares tradicionais.
Ambos podem ser vistos como uma remuneração adicional em função da proteção das florestas decorrente dos hábitos de vida e sistemas de produção dessas populações, ou seja, programas de pagamento por serviços ambientais. Entretanto, existem algumas diferenças entre eles. O Bolsa Verde requer que os beneficiários atendam aos critérios do Programa Bolsa Família e respeitem o plano de manejo ou plano de uso dessas áreas. Já o Bolsa Floresta requer que todos os participantes façam uma oficina prévia onde são trabalhados temas como desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas, etc. O trabalho de educação ambiental e apoio à organização de base comunitária são pilares fundamentais do Bolsa Floresta. Depois disso, os participantes são convidados a firmar um termo de compromisso formal, que requer desmatamento zero em áreas de mata primária, uso de práticas de prevenção de queimadas e participação na associação de moradores da UC.
Ambos podem ser vistos como programas de combate à pobreza, mas com algumas ressalvas. O Bolsa Verde prevê pagamentos trimestrais de R$ 300, totalizando R$ 1200 por família por ano. O Bolsa Floresta estabelece um pagamento anual que totaliza R$ 1360 por família por ano, dividido em quatro componentes: o primeiro (Bolsa Floresta Familiar), assemelhado ao Bolsa Verde, inclui pagamentos diretos à mulher representante de cada família, na forma de transferências mensais de R$ 50, totalizando R$ 600 ao ano; o segundo (Bolsa Floresta Renda), resulta em investimentos de R$350 por família por ano, direcionados para a geração de renda (produção de castanha, pirarucu,açaí, turismo, etc), aproveitando a riqueza da floresta em pé. Isso significa, em média, R$ 170 mil por unidade de conservação por ano; o terceiro (Bolsa Floresta Social), está voltado para investimentos sociais, especialmente educação e saúde, no valor de R$350 por família por ano. Isso significa, em média, R$ 190 mil por unidade de conservação por ano; o quarto (Bolsa Floresta Associação) prevê investimentos no fortalecimento das organizações de base comunitária, especialmente o apoio para escritório e mobilidade local dos dirigentes. Isso significa, em média, R$ 30 mil por unidade de conservação por ano.
O Bolsa Verde prevê o pagamento por dois anos, renováveis por mais dois. Espera-se que ao final do período os beneficiários alcancem um novo patamar socioeconômico, fruto da inclusão produtiva, tornando desnecessária a continuidade do programa. Já, o Bolsa Floresta é um programa que pretende durar por tempo indeterminado, enquanto durar o provimento dos serviços ambientais pelas florestas guardadas pelos participantes do programa: conservação da biodiversidade, manutenção do ciclo hidrológico e do clima etc. Para isso, os recursos orçamentários para o Bolsa Floresta Familiar são oriundos de um Fundo do qual são extraídos apenas os dividendos anuais.
Somente participam do programa Bolsa Floresta as famílias com mais de dois anos de moradia nas UCs. Essa regra tem o objetivo de desestimular a migração para essas áreas motivada pelos benefícios do programa. O Bolsa Verde, por sua vez, não possui essa condicionante.
O Bolsa Verde é financiado por recursos do Tesouro da União. O Bolsa Floresta é financiado por meio de uma parceria público-privada. O Governo do Estado do Amazonas contribuiu com cerca de um terço dos recursos atuais do Fundo Permanente, sendo o restante aportado pelo Banco Bradesco e Coca-Cola. Estão previstos recursos adicionais da HRT Óleo e Gás. Os demais componentes do Programa Bolsa Floresta são todos oriundos de parcerias privadas (Bradesco, Samsumg e outros) ou doações internacionais, como o Fundo Amazônia/BNDES.
Ambos programas são implementados com um forte componente de parcerias institucionais. No âmbito do Bolsa Verde, os Ministérios de Desenvolvimento Social, Meio Ambiente e Desenvolvimento Agrário coordenam ações de diversos órgãos a eles vinculados e parcerias com outros ministérios, governos estaduais e prefeituras municipais. Especial ênfase é dada para parcerias voltadas para a inclusão produtiva, por meio de diferentes programas do Governo Federal e outros parceiros. O Bolsa Floresta é implementado por uma instituição público-privada, não governamental, a Fundação Amazonas Sustentável (FAS), em coordenação com a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Amazonas e suas instituições vinculadas – além de diversas outras instituições governamentais, não governamentais e empresas.
Se por um lado existem muitas semelhanças e algumas diferenças, ambos programas têm desafios comuns e o principal é ético. Não podemos admitir que os guardiões da floresta vivam em situações de pobreza extrema. É essencial construir uma agenda capaz de erradicar a miséria e promover a cidadania dessas pessoas. Os investimentos em geração de renda e inclusão produtiva representam o melhor caminho para isso. Outro desafio é promover a conservação ambiental, reduzindo o desmatamento e a degradação dos ecossistemas naturais. É essencial construir uma estratégia que valorize a floresta em pé e caminhe rumo ao desmatamento zero. O desafio comum é conectar as agendas social, econômica e ambiental, só com essa abordagem será possível superar os imensos desafios de trabalhar com a difícil realidade da Amazônia.
Já existe um processo de troca de experiências entre as instituições envolvidas em ambos programas, o que é muito positivo. Diversos governos estaduais da Amazônia, em sinergia com o Bolsa Verde, começam a desenhar programas assemelhados. Agora, há oportunidade de aprenderem com as lições aprendidas desde 2007 pelo Bolsa Floresta. Bom para as comunidades, à floresta. Bom para o Brasil.
*Virgílio Viana, engenheiro florestal, Ph.D. Harvard, ex-secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas e atual superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS).