Fundo paulista poderá resgatar terrenos condenados por químicos perigosos, inclusive para prédios verdes
Apolêmica sobre a interdição, em outubro, do shopping Center Norte e do conjunto habitacional Cingapura, na Zona Norte da cidade de São Paulo, desenterrou um problema até então esquecido: a utilização de terrenos contaminados por fábricas e lixões para a construção de prédios residenciais e comerciais.
Levantamento de 2008 do Ministério da Saúde revelou mais de 2.570 sítios contaminados no Brasil. Tudo indica, porém, que o problema é bem mais sério. Somente no território paulista, há 3.675 áreas contaminadas cadastradas pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), segundo dados divulgados em dezembro de 2010. Trata-se de cenário pouco favorável às construções verdes, que se conectam a projetos de urbanização menos agressiva ao meio ambiente, com maior eficiência no uso de energia e materiais nas obras e aproveitamento da iluminação natural.
Para a arquiteta Adriana Levisky, do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS), até a forma de descontaminar essas áreas precisa ser reavaliada. “Precisamos buscar soluções de reabilitação que não comprometam outras áreas sãs. É comum remover o solo contaminado, deslocá-lo por longos percursos utilizando caminhões, estradas e combustível e depositá-lo em outro lugar, que vai receber essa contaminação de presente”, diz Adriana. “Lá, esse solo contaminado será incinerado, um contrassenso do ponto de vista da construção civil sustentável.”
Ela própria foi responsável por um projeto que buscou outras maneiras de lidar com as áreas contaminadas: a Praça Victor Civita, em Pinheiros, Zona Oeste da capital paulista. A área abrigou um antigo incinerador de lixo. A solução foi – após minuciosa análise sobre a suspeita de existir contaminação no subsolo – erguer uma construção suspensa em um deque de madeira reaproveitada.
“Não podemos esquecer que, antes de pensar em construções verdes, também temos de olhar para a questão da saúde pública”, adverte Fabio Feldmann, consultor ambiental e conselheiro do CBCS. Cem anos atrás, poucos sabiam dos efeitos negativos que seriam provocados por certas plantas industriais e lixões urbanos. Um exemplo é o projeto social Cidade dos Meninos, criado em 1946 em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Na mesma área do projeto, o Ministério da Saúde instalou em 1950 uma fábrica de hexaclorociclo-hexano (HCH), pesticida que era usado no combate à malária conhecido como pó-de-broca e classificado pela Agência de Proteção Ambiental (EPA), dos Estados Unidos, como possível cancerígeno e pela União Europeia como disruptor endócrino. A fábrica continua contaminando o solo e as pessoas, mesmo após ter sido desativada, em 1955. Substâncias perigosas como o HCH foram banidas e substituídas, mas o passivo ambiental das áreas permanece sem solução definitiva.
Uma possível fórmula para financiar a descontaminação do solo por substâncias químicas no Brasil poderá ser inspirada na Lei Estadual no 13.577, de julho de 2009, uma tentativa de fazer a gestão e o recondicionamento dessas áreas no Estado de São Paulo, liberando- as para novos empreendimentos.
A lei também estabeleceu o Fundo Estadual para Prevenção e Remediação de Áreas Contaminadas (Feprac), que será formado por orçamento proveniente de indenizações e 30% do valor de multas por infrações ambientais, além de doações. Órgãos públicos, empresas e pessoas físicas poderão pleitear recursos do Feprac para remediar áreas contaminadas, algo que pode ajudar também no emprego de preceitos das construções verdes, como os verificados na revitalização da Praça Victor Civita. Resta aguardar que o governo implemente a iniciativa.