Não parece realista apostar fundamentalmente nas inovações tecnológicas subentendidas na expressão “economia verde” para compatibilizar o tamanho do sistema econômico com os limites ecossistêmicos
São robustas as evidências empíricas do trabalho que coloca em dúvida a universalidade da tese central da economia ecológica contemporânea. O leitor de PÁGINA22 está familiarizado com os nomes de Herman Daly, Peter Victor e Tim Jackson (mais à reportagem “A hora é agora“), cujas pesquisas mostram que, apesar da redução no consumo de energia e materiais, relativamente a cada unidade de valor levada ao mercado, o aumento da produção é de tal magnitude que contrabalança este ganho de eficiência e faz com que a pressão sobre os recursos não cesse de aumentar.
O resultado é que, em um mundo finito, o crescimento econômico terá de respeitar as fronteiras ecossistêmicas cuja ultrapassagem ameaça o conjunto da vida social. A menos que seja possível crescer usando quantidade cada vez menor de matéria, não apenas relativamente a cada unidade de valor produzida, mas em termos absolutos.
É exatamente isso que Chris Goodall [1], candidato do Partido Verde ao Parlamento britânico, encontrou, em um trabalho publicado ao final de 2011 [2]. Entre 2000 e 2007 (portanto, antes da recessão de 2008), a economia britânica reduziu de forma considerável a base material dos bens e serviços por ela consumidos. As evidências referem-se a água, alimentos, materiais de construção, cimento, fertilizantes, combustíveis fósseis, papel e energia primária, que teve seu pico de uso em 2001, caindo a partir daí.
[1] Autor de Ten Technologies to Save the Planet eHow To Live a Low-Carbon Life
[2] Intitulado ‘Peak Stuff’– Did the UK reach a maximum use of material resources in the early part of the last decade?
É verdade que as informações de Goodall cobrem menos de uma década e, como ele próprio reconhece, tem limites importantes. O trabalho não fala das emissões de gases de efeito estufa, por exemplo. Além disso, não calcula os materiais usados naquilo que os britânicos importam. De qualquer maneira, é a primeira vez que se constata empiricamente o desligamento (decoupling) entre a oferta de bens e serviços e o consumo de materiais. (mais sobre decoupling em “Rio + 20 + mudança social”, edição 56)
Goodall não discute as razões que conduzem a esse inédito descasamento, mas propõe a hipótese de que o crescimento econômico não é necessariamente incompatível com a sustentabilidade. Mais que isso: talvez o crescimento econômico até ajude a reduzir os danos ambientais, pela inovação que propicia.
Essa conclusão otimista (exposta discretamente e de maneira especulativa ao final do texto de Goodall) precisa ser recebida com um grão de sal, por duas razões básicas. Em primeiro lugar, a redução no uso de recursos não decorreu espontaneamente do crescimento econômico, mas foi influenciada por políticas públicas e privadas. No caso, por exemplo, dos automóveis, o que houve não foi a redução de materiais para produzi-los, mas um importante declínio absoluto em seu uso: obteve-se mais mobilidade com menos automóveis e não com automóveis mais eficientes. Além disso, o descasamento constatado por Goodall relaciona-se a mudanças no comportamento dos consumidores britânicos.
O desenvolvimento sustentável não significa estagnação econômica, e, sim, mudanças nos métodos produtivos e na própria utilidade daquilo que o sistema econômico oferece no sentido de maior eficiência e bem-estar.
Mudanças técnicas são fundamentais, mas elas se associam igualmente a alterações na cultura das famílias com relação ao consumo e na resposta que as firmas dão a estas alterações. O segundo alerta, no qual o próprio Goodall insiste, é que seus dados referem-se à economia britânica e talvez encontrem semelhança em alguns países europeus. Internacionalmente, entretanto, o quadro é bem diferente.
A consultoria KPMG acaba de publicar um relatório [3] mostrando o espantoso aumento absoluto no uso de recursos ecossistêmicos, apesar do descasamento relativo em termos globais. Em 2011, cada unidade do PIB mundial foi produzida com 23% a menos de emissões de gases de efeito estufa e 21% a menos de materiais que 20 anos antes. Nesse período, entretanto, a extração total de materiais da superfície terrestre aumentou 41% e as emissões de CO2, 39%.
[3] Entre em kpmg.com e busque: Expect the Unexpected: Building business value in a changing world
O contraste entre o declínio relativo e o aumento absoluto no uso de materiais, nas emissões, no uso de energia, mas também no de água e de fertilizantes, como mostra a KPMG, é tão grande que não parece realista apostar fundamentalmente nas inovações tecnológicas subentendidas na expressão “economia verde” – por maior que seja sua importância –, para compatibilizar o tamanho do sistema econômico com os limites ecossistêmicos.
Na Rio+20, construir um sistema global de cooperação científica e tecnológica voltado para a sustentabilidade não pode separar-se da governança dos limites além dos quais a oferta de bens e serviços compromete a própria qualidade da vida social.
Professor titular do departamento de economia da FEA, do Instituto de Relações Internacionais da USP, pesquisador do CNPQ e coordenador de projeto temático sobre mudanças climáticas na Fapesp – Twitter: @Abramovay