O australiano Paul Gilding abandonou a escola aos 15 anos, teve uma variedade de empregos e acabou ativista. Foi diretor do Greenpeace, consultor de grandes corporações, empreendedor e atualmente se dedica a espalhar a ideia de que das crises econômica e ambiental nascerá uma nova civilização. Ele não doura a pílula, porém. A crise será enorme e trará consequências nefastas. Sua estratégia de adotar mensagens realistas e otimistas, lado a lado, parece dar resultado. Em artigo publicado em janeiro, em que admite limites ao crescimento econômico, o economista André Lara Resende cita o livro de Gilding – The Great Disruption. Em fevereiro, ele encarou a plateia da TED 2012 com a mensagem de que “a Terra está cheia”. Em oposição a Peter Diamandis, um entusiasta da tecnologia, Gilding conseguiu convencer metade da audiência. (Assista ao debate)
Um renomado economista brasileiro recentemente citou seu livro em artigo em que reconhece limites ao crescimento econômico. O senhor nota penetração maior das ideias que defende no mainstream?
Anos atrás, todos ridicularizavam as ideias que depois abordei no meu livro. Quando o livro saiu, a resposta foi muito mais forte e positiva do que eu esperava. Esperava alguma resposta, é um bom livro, mas mais importante é que os tempos mudaram. As pessoas estão testemunhando as consequências do crescimento sem fim e, portanto, estão abertas para a ideia de que é preciso haver limite em algum momento. A nossa hora está chegando.
Na TED, o senhor e Peter Diamandis deram palestras descritas como “o juízo final versus a utopia”. Como foi a experiência e que recepção sua mensagem teve?
Foi muito interessante. O público ficou basicamente dividido, 50% aceitou que a crise é chocante, mas inevitável, e os outros 50% estavam em negação, agarrando-se à tecnologia como salvadora. Em termos de comunicação, a questão não é tanto a tecnologia e o papel que ela pode ter, mas o desejo das pessoas de que não haja problema. O que Peter Diamandis disse basicamente foi que podemos solucionar qualquer problema. Não houve debate lógico sobre os dados que apresentei, apenas a noção de que vamos achar uma forma de enfrentar o que quer que seja que os dados indiquem. É quase uma crença baseada na fé.
Mas o senhor também argumenta que, quando a crise se configurar, seremos capazes de solucionar o desafio.
Absolutamente. Por isso o debate foi estranho. A principal crítica ao meu trabalho não se deve à análise de que o crescimento está acabado e uma crise está chegando. Vem de pessoas que dizem “não, não vamos responder à crise”, elas dizem que sou muito otimista em relação à capacidade da humanidade de responder. Sou mesmo, gosto de pensar que sou um otimista realista. É muito tarde para evitar a crise, não estamos mudando rápido o suficiente e haverá consequências. É terrível, mas é verdade. Mas eu não acho que isso será o fim, acredito que será o começo da resposta. Sou fundamentalmente otimista quanto à capacidade da humanidade de responder. Mas, realisticamente, isso não vai acontecer até que tenhamos uma crise genuína.
É preciso ser otimista para convencer quanto à necessidade de mudança? Trata-se de adotar mensagem otimista, técnicas de marketing e tudo estará resolvido?
Quando eu estava no Greenpeace no fim dos anos 80 e começo dos 90, havia reação muito forte aos argumentos negativos, as pessoas diziam que queriam ouvir a história otimista, as soluções, as boas notícias sobre o que era possível fazer. De certa maneira, a parte mais difícil do meu livro para escrever foi o capítulo sobre a esperança. Isso porque, se você só tem uma visão otimista, esperançosa, com boas mensagens, e aponta como podemos solucionar todos os problemas, sem sacrifícios, então as pessoas não querem mudar. Elas pensam: se não há problema que não possamos consertar, então não há problema. Agora, se você foca só nos cenários negativos, catástrofe, Armageddon, então as pessoas acham que não vale a pena, desistem. Nesse caso, não há motivo para se engajar, para trabalhar duro, porque não há esperança e talvez seja melhor apenas nos divertirmos.
Ambas as abordagens encorajam a negação, por isso eu tentei usar as duas em paralelo. No livro eu falo, de forma muito dura, sobre a inevitabilidade da crise e a seriedade das consequências, mas também sobre o fato de que podemos superar a crise se e quando decidirmos agir. Temos que ter as duas abordagens, porque a ideia de que tudo no mundo pode ser melhor e mais seguro é atraente, faz as pessoas se sentirem bem, mas não motiva a mudança que precisamos. A guerra é uma boa analogia, comunicar a mensagem da guerra é dizer “essa é uma crise muito séria, se não vencermos vamos sofrer terrivelmente. Podemos vencer e vamos vencer, mas somente se nos dedicarmos a aceitar a realidade”. Esse equilíbrio, eu acho, é o correto.
A sua mensagem não é que devemos esperar que a crise se manifeste, mas, sim, agir agora.
Correto. Esse é um ponto importante porque muitas pessoas que leem meu livro pensam, o.k., então vamos esperar pela crise. Não! É como dizer: “Vai haver uma guerra mundial, mas por que se ocupar em construir armamentos ou treinar?” Claro que precisamos nos preparar para o que vem chegando. Todo o trabalho que fizermos agora significa que a crise será menos danosa quando vier e que teremos mais chance de reverter a situação e de não enfrentar um colapso completo da sociedade.
O que o senhor defende que façamos agora em preparação para a crise?
Primeiro, tudo o que já fazemos: desenvolver a economia das energias renováveis, produzir energia solar e outras de forma barata, mover-se em direção à agricultura sustentável, manter as florestas intactas – todas essas coisas são muito importantes para construir capacidade para mudar e resiliência no sistema atual. Nessas áreas, temos que continuar o que estamos fazendo e aumentar os esforços. A segunda coisa, que não estamos fazendo, é reconhecer que a mudança será descontínua e não incremental. Isso significa que será uma mudança dramática e transformacional. A ideia de que podemos passar 40 anos mudando já não vale mais. Temos de nos preparar para uma mudança dramática e isso quer dizer que muitas indústrias vão deixar de existir, não de maneira suave, mas repentina. A economia global não vai colapsar, mas algumas economias vão, porque estão muito expostas à economia velha e não vão conseguir gerir a transição.
Quando o senhor fala em colapso, o que quer dizer? O fim do crescimento?
Estou falando de depressão, a economia vai encolher. E será o fim do crescimento. Isso significa que algumas empresas não crescem e algumas economias não crescem. Por exemplo, mitigar a mudança climática significa que temos que eliminar as indústrias do carvão, petróleo e gás completamente nos próximos 20 anos. É uma mudança econômica monumental, para alguns países isso trará o colapso, para outros pode ser um grande benefício. O Brasil, por exemplo, com os biocombustíveis, tem várias oportunidades e pode se beneficiar da mudança.
Em partes da Europa a economia está encolhendo e todo o esforço é para fazê-las voltar a crescer. Em que ponto as pessoas percebem que esta é a crise de que estamos falando, que temos de mudar agora?
O economista que você mencionou é um bom exemplo. Pessoas que antes nem conversavam sobre o fim do crescimento agora estão dizendo: “Temos que ter essa conversa, considerar essa possibilidade”. Alguns dizem que é real, temos que gerir a crise agora, e muitos ainda estão em negação. Estamos no processo de acordar e temos que reconhecer que o crescimento não vai voltar como era antes. A ideia de que a economia global pode crescer no modelo velho está fundamentalmente errada.
Tal realidade não é tão difícil para as empresas como para os governos. As empresas sempre enfrentam mudança em seu market share, indústrias inteiras mudam, empresas vão e vêm. Não é uma ameaça tão grande. Mas para países inteiros que dependem do crescimento para emprego, para melhorar sua saúde financeira, fica mais difícil. Não acho que países como a Grécia e a Espanha possam se recuperar. Eles não vão voltar ao modelo antigo e isso é um sinal de alerta para a economia global. Países tão atolados em ativos, modelos e ideias velhas não vão se recuperar, enquanto não aceitarem a realidade da nova maneira de viver – com menos dinheiro, menos renda. Isso não é tão ruim em países ricos, mas é um grande desafio onde há muita pobreza. Então a questão que precisa estar sobre a mesa neste momento é a da equidade e da igualdade. Claro que não queremos ter uma utopia socialista, mas, sim, ter um foco muito mais forte em políticas que levem a mais igualdade, a uma sociedade mais equilibrada. Ainda será uma economia de mercado, ainda será capitalismo, mas mais inclinado ao modelo escandinavo do que ao americano.
É para os governos, então, que temos que comunicar a mensagem?
Sim, voltar-se para as políticas dos governos, mas também para os indivíduos. Nós elegemos os políticos, nós decidimos quais empresas sobrevivem e quais vão falir, talvez nos esqueçamos disso, mas quem decide somos nós. Nós, o povo, decidimos como vivemos nossas vidas, o que compramos e em quem votamos. Nós decidimos que governo e que economia temos. Tomar esse poder de volta é muito importante. Parte da questão são as políticas de governo, mas também as nossas expectativas, podemos viver vidas mais modestas, reconhecendo o que as pesquisas dizem claramente: dinheiro não faz você mais feliz, uma vez que as necessidades básicas estão atendidas. É importante, portanto, administrar expectativas. Para os jovens, por exemplo, que tipo de carreira você quer ter, qual o seu plano de vida, são coisas que se tornam importantes, porque vão ajudar a determinar o que serão as políticas dos governos. Se as pessoas continuarem a eleger só governos comprometidos com o crescimento, então continuaremos a ter governos interessados só em crescer, e eventualmente haverá consequências tão ruins que não será possível se recuperar.
Como comunicar em escala para fazer a diferença?
É preciso engajar o sistema educacional? É muito tarde para o sistema educacional. Ele é muito importante a longo prazo, mas em termos da crise emergente, é mais uma questão de um esforço de base para mudar a forma com que pensamos. As mídias sociais são parte importante desse processo. O movimento Occupy foi uma das coisas mais excitantes que aconteceram no mundo em muitas décadas. É enormemente significativo um grupo de jovens dizendo que temos de mudar tudo, que o sistema está quebrado. Eles não estão falando sobre a mudança climática, a pobreza, o capitalismo ou Wall Street, não, estão dizendo: a coisa toda está quebrada. Para o sistema é muito frustrante, porque o sistema não consegue consertar isso. Mas este é o ponto justamente, precisamos de uma mudança revolucionária, não necessariamente no sentido político, mas uma revolução na maneira que pensamos e agimos. E isso pode acontecer globalmente agora, é por isso que as ideias são tão importantes neste momento.
Qual o papel de ONGs como o Greenpeace? Ainda são importantes?
Greenpeace e outras ONGs tradicionais têm papel importante a desempenhar por causa de sua credibilidade, capacidade para pesquisa, infraestrutura e alcance global. Mas igualmente importantes são as novas ONGs, os empreendedores sociais, e novos modelos de mudança social, como o movimento Occupy, como várias pequenas empresas verdes com objetivo social, grupos de mulheres, campanhas como a do ‘mês para não comprar nada novo’ – quase um detox para o consumismo. Esse tipo de ideia nova é tão importante quanto as velhas ONGs. Temos que reconhecer que as organizações existentes, seja o governo, as empresas, sejam as ONGs, não têm todas as respostas.
Com que o Brasil pode contribuir para a construção da nova economia?
Quando as pessoas não estão tão comprometidas com modelos antigos, as oportunidades de fazer algo diferente são muito maiores. Esse tipo de ideia do qual estou falando não virá dos EUA ou da Austrália, mas da China, do Brasil, da África, de lugares que não estão tão enfronhados na maneira antiga de pensar. É muito importante, portanto, que as pessoas nesses países reconheçam que elas são o futuro. O mundo em desenvolvimento sempre reclamou do poder do colonialismo e do imperialismo ocidental, mas de certa maneira ainda segue, por escolha própria, esse tipo de desenvolvimento. Países como China e Brasil podem redefinir o que é desenvolvimento, inventando um novo modelo de progresso. Comunicar essa mensagem é falar da crise, mas também da enorme oportunidade de construir um mundo novo, e vamos ter que construí-lo, sob pena de colapsar. Você pode olhar para isso e ficar assustado – e há muito que assusta –, ou pode perceber a enorme oportunidade de construir uma civilização nova. Acho essa uma maneira muito excitante de apresentar a questão.