Viagens sonoras
Palavrear a música talvez seja menos difícil do que imediatamente colocar séries de imagens justapostas ao que você está ouvindo. Em uma era tão imagética e acelerada como a nossa, o ouvido, coitado, além de bombardeado por buzinas, obras e outros ruídos urbanos, anda destreinado.
Como será então ouvir um documentário musical? Entrar no fluxo sonoro e prazeroso de uma viagem sonora, sem que os outros sentidos, mais tirânicos, tentem atropelar a audição? Esta é uma das propostas do grupo Abstrai Ensemble, que reúne 11 músicos residentes no Rio de Janeiro (foto).
O grupo interpreta obras dos séculos XX e XXI para formações instrumentais diversas e que conjugam o uso de instrumentos tradicionais a novas tecnologias.
Durante 12 minutos você atravessa um rio com todas suas intempéries, imensidão, trancos, zum-zum-zum de gente que entra e sai do barco na peça de Alexandre Fenerich, Ser como um rio que deflui (2006).
Rocabela City é a dramática história de uma cidade em que as pessoas se relacionam, se comunicam e terminam por devorar-se mutuamente. Neste intrincado texto musical, as sensações são múltiplas. O autor é Marcelo Carneiro.
Quase ao final do concerto, uma peça sugere inícios de músicas que não se desenvolvem, numa colagem surpreendente, provocando um vaivém que cada um entende como pode. Intraduções é de 2009, criação de Guilherme Carvalho. Acompanhe a agenda do Abstrai Ensemble.
Andorinhas
Simone, Gerenilza, Doroth, Roseli e Bétissa são as mulheres prostitutas retratadas pela fotógrafa Nana Moraes, em Andorinhas, um trabalho intenso de mergulho em um universo, em geral, cercado de interpretações rápidas e rasteiras.
Nana faz retratos em textos e fotos capturadas por uma câmera Leica M7, uma lente 50 mm e filmes em preto e branco. O cenário é a Rodovia Presidente Dutra, que liga o Rio de Janeiro a São Paulo.
Recolheu algumas imagens em que mescla pintura e fotografia. O resultado é belo, real e de uma intimidade respeitosa e algo desconcertante. O trabalho primoroso se insere na tradição dos fotógrafos humanistas como Robert Doisneau e Cartier- Bresson, diz o prefácio de Walter Salles. “Como esses mestres, seu olhar ajuda a entender melhor o mundo que nos cerca.”
Nana Moraes nasceu em 1963, no Rio de Janeiro. É formada em Jornalismo pela PUC de São Paulo. Foi seis vezes vencedora do Prêmio Abril de Jornalismo – a última em 2010 – e premiada pela Associação Brasileira de Propaganda como “Destaque Profissional/ Fotografia”, em 2007.
Leva e Mano Brown
Os Racionais gravaram o novo clipe da música “Marighella” na Ocupação Mauá, no Centro de São Paulo. Mano Brown disse que a causa dos sem-teto é de todos os que não aceitam as políticas aí existentes, que forçam essas pessoas a morar longe, onde o poder entende que devem ficar, para dar lugar a shoppings e outros equipamentos do consumo.
A contundente entrevista do líder do grupo e de representantes do movimento dos sem-teto podem ser vistas nesse link.
É uma boa oportunidade para assistir ao documentário Leva, realizado em 2001 com o apoio do Canal Futura e agora disponível na íntegra no YouTube.
O filme acompanha a vida de moradores da ocupação e revela a organização de siglas que se unem para transformar os espaços abandonados em habitáveis. A estruturação do edifício pelos movimentos de luta por moradia vai refletir na reorganização e redescoberta das pessoas como indivíduos por meio do coletivo.
“Os grupos são vistos de forma distorcida pela sociedade. Esse documentário rebate todas estas visões e mostra a força que os movimentos de moradia representam em busca de direitos”, diz Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada.