A ambientalista e física indiana Vandana Shiva não é das personalidades mais otimistas em relação à economia verde. Ainda assim, nunca foi uma mulher que olhou passivamente o cenário, verbalizando frases como “não há nada a fazer” entre as pessoas. Pelo contrário. Ativista e defensora dos direitos humanos e do meio ambiente, Vandana trabalha por uma economia verde sem dogmas e não foge ao debate sobre medidas necessárias para barrar o avanço da situação degradante em que se encontram tanto trabalhadores, quanto a natureza.
Profunda conhecedora da questão agrária – e das lutas que um pedação de chão pode gerar, ela é reconhecida mundialmente por levantar a bandeira em defesa das mulheres indianas, da segurança alimentar e da preservação dos povos e culturas locais.
Vandana concedeu uma entrevista a Página22 durante uma caminhada antes do evento “Mulheres e o Desenvolvimento Sustentável – liderando o caminho“, na Arena da Barra, durante a Rio+20. Ela afirma que existe uma profunda turbulência e incerteza nos rodeando. Mas para aliviar os corações que trabalham por um novo modelo econômico, ela não poupa sorrisos ao dizer que as antigas certezas do mainstream estão morrendo.
Seu livro The Violence of Green Revolution não foi traduzido para o português ainda. Você poderia fazer uma breve exposição do conteúdo para os leitores brasileiros?
Comecei a pesquisar a questão da violência da Revolução Verde em 1984, no Punjab, onde a revolução foi implementada pela primeira vez em 1965. A Revolução Verde ganhou um Prêmio Nobel da Paz, mas em 1984 Punjab vivia uma guerra. Trinta mil pessoas foram mortas. É um número seis vezes maior do que os mortos na tragédia terrorista de 11 de setembro, nos Estados Unidos.
1984 foi também o ano do desastre de Bhopal, onde uma fábrica de pesticidas da Union Carbide (hoje Dow) vazou e causou 3 mil mortes.
Daí despertei. Havia algo incrivelmente errado com o modo como os alimentos eram produzidos. Com a violência no Punjab e o desaste em Bhopal, a agricultura se assemelhava a uma guerra. Foi quando escrevi “A Violência da Revolução Verde” e o motivo porque comecei a Navdanya, como movimento a favor de uma agricultura livre de venenos e tóxicos.
Você fala muito de uma “monocultura da mente” e da ideia do patenteamento da vida. Nessa linha, uma patente é dada por uma invenção, e quando alguém ou alguma corporação obtém uma patente de uma semente, por exemplo, está dizendo que é o criador dessa semente. Qual o problema desse pensamento?
Assim como os indígenas eram considerados parte da fauna e da flora, e por isso era “lícito” tomar suas terras, a própria vida é considerada vazia até ser tocada por uma empresa como a Monsanto e seus agrotóxicos e plim, acontece a criação! (o tom é claramente irônico).
Na Índia havia 200 mil variedades de arroz e ficaram reduzidas a um punhado. A indústria faz de conta que está inventando aquilo que patenteia, mas há características que não podem ser criadas geneticamente.
Isso não é apenas uma má postura, isso é loucura. No caso da comida, da segurança alimentar, precisamos da biodiversidade para melhorar a qualidade da nossa nutrição.
Outro exemplo é o algodão. Na Índia a semente de algodão foi tomada pela Monsanto e se tornou nova fonte de escravidão. Se produz 500 quilos por cada hectare que é cultivado, e 95% da produção é de algodão geneticamente modificado. O preço da semente aumentou 8.000% e 13 vezes mais pesticidas estão sendo usados atualmente, já que as sementes de algodão geneticamente modificadas vendidas pela Monsanto não impedem as pragas. E a empresa acaba por coletar 13 bilhões de royalties desses agricultores empobrecidos.
Essa combinação de sementes e herbicidas caros levou os agricultores à dívidas terríveis, às vezes insuportáveis. Está havendo algo que antes nunca havia acontecido: suicídio de agricultores. Em uma década, 25 milhões de agricultores cometeram suicídio, principalmente os das plantações de algodão. Isso é uma economia assassina.
Muito se fala em economia verde, mas depois de passada a Rio+20, como manter os olhos abertos em relação ao mainstream?
A Rio+20 está limitada em firmar compromissos em função da influência das grandes corporações. Há muito para mudar e as contribuições ideológicas podem ser significativas se reconhecerem a necessidade de restabelecer a ética e harmonia com a natureza.
Em relação ao mainstream, há um provérbio africano que diz: “você não pode colocar um bezerro dentro de uma vaca bezuntando-o com lama”. A “financeirização” da economia e a consequente redução da economia a um casino, e os recursos do planeta e processos em mercadorias privatizadas, são a raiz das crises ecológicas e econômicas. Estas crises não podem ser resolvidas com mais “financeirização” e mercantilização.
Podemos dizer que o capitalismo já foi substituído por um tipo de capitalismo controlado pelas grandes corporações. O primeiro estágio da mudança permitia que 500 companhias sobrevivessem, o atual, não muito melhor, favorece as transnacionais, que são no máximo cinco e regem os interesses do mundo por conta dos interesses próprios. Esse tipo de concentração de poder derruba a possibilidade de uma democracia viva. Como combater essa anestesia política?
Precisamos celebrar a liberdade da biodiversidade e celebrar a nossa diversidade cultural para superar esses entraves. O futuro será diversificado ou não haverá futuro.
Como você avalia a atual situação do mundo? Há esperança?
Existe uma profunda turbulência e incerteza nos rodeando, mas acredite, as antigas certezas estão morrendo. Primeiro precisamos entender que o modelo econômico dominante desperdiça recursos e pessoas, apesar desses resíduos serem chamados de “eficiente” e “produtivo”. Ele substituiu a produção com a especulação do capital financeiro, e do consumismo para as pessoas. Este modelo é: destruir a natureza e a sociedade em si.
Então, duas coisas são necessárias para acabar com essa deterioração. Em primeiro lugar, uma mudança de paradigma e visão de mundo. Em segundo lugar, as pessoas levantarem-se coletivamente e dizer “basta”.