Nem os mais otimistas encontrarão nos plenários fechados, onde se reuniram as delegações oficiais, resultados relevantes para a agenda da sustentabilidade global
Há diferentes formas de avaliar os resultados de uma conferência da dimensão que foi a Rio+20. Podemos começar por seus números impressionantes. Foram milhares de participantes dos setores governamental e não governamental que lotaram a conferência oficial, a Cúpula dos Povos e centenas de eventos paralelos espalhados pelo Rio de Janeiro. Somente no Riocentro, onde a entrada era restrita, pela exigência de prévio credenciamento, foram 10.822 integrantes de delegações oficiais, 9.856 representantes de organizações da sociedade civil organizada, 4.075 jornalistas e 1.781 participantes dos diálogos promovidos pelo governo brasileiro.
A participação virtual envolveu 50 milhões de pessoas, sendo mais de 1 milhão pelo Facebook, e ainda 1 bilhão de twitters circularam com o #rio+20.
Dessa efervescência, vieram resultados concretos. Em pronunciamento realizado ao fim da Conferência, o secretário-geral da ONU para a Rio+20, Sha Zukang, comemorou os mais de 700 compromissos voluntários entre ONGs, empresas, governos e universidades, assinados nos eventos oficiais, somando US$ 513 bilhões para ações de desenvolvimento sustentável na próxima década.
Merecido destaque recebeu o compromisso assumido pelos administradores das 58 maiores cidades do mundo, liderados pelo prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, de redução de 248 milhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa até 2020, com a meta de chegar a 1,3 bilhão de toneladas em 2030.
Soma-se a tudo isso a enorme divulgação dos assuntos relacionados à temática da Conferência, por meio de incontáveis matérias e programas nos principais veículos de comunicação de todo o mundo. O impacto positivo dessa cobertura massiva para a conscientização da opinião pública é inquestionável.
No entanto, mesmo correndo o risco de desagradar os responsáveis pelos sucessos que acabo de citar, considero que esses foram resultados colaterais. Esclareço que não utilizo o termo “colateral” como algo negativo ou sem importância, mas na definição do Houaiss: “o que está ao lado, em direção paralela ou quase”.
Isso porque, se a Rio+20 foi convocada para tratar da enorme lacuna de implementação das decisões urgentes já aprovadas nos inúmeros tratados e protocolos internacionais em vigor, os resultados positivos aqui listados não devem mascarar uma avaliação do que foi a parte oficial desse megaevento.
Por essa perspectiva, nem os mais otimistas poderão encontrar nos plenários fechados, onde se reuniram as delegações oficiais, resultados relevantes para a agenda da sustentabilidade global. Ao contrário, neles se protagonizou mais um ato do teatro da diplomacia burocrata e autocentrada que, refém dos interesses exclusivamente nacionais, é cada vez mais incapaz de exercitar o multilateralismo.
O prolixo documento final O Futuro Que Queremos, ao longo de suas 53 páginas e 283 parágrafos, registra a palavra “decisão” apenas quando se refere à instituição do Fórum de Alto Nível para o Desenvolvimento sustentável. Lendo as 12 atribuições previstas para esse Fórum, entretanto, será necessária uma dose extra de otimismo para acreditar que ele poderá ser mais eficaz do que a Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS), criada em dezembro de 1992, para monitorar os desdobramentos da rio 92. É quase unânime o entendimento de que o principal problema da CDS, vinculada ao Conselho Econômico e Social – Ecosoc, da ONU, não é estrutural, mas, sim, de falta de vontade política e de compromisso dos governos em implementar as decisões adotadas.
Cabe registrar, inclusive, que a CDS já havia sido designada pelo Plano de Implementação de Johannesburgo (JPOI), aprovado em 2002, como o Fórum de Alto Nível para o Desenvolvimento sustentável dentro do sistema das Nações unidas. Também lá estava a emergência da erradicação da pobreza. Ou seja, nem criatividade nossos diplomatas tiveram agora, dez anos depois.
A situação do Pnuma vai na mesma direção. Parece ser ingênuo aceitar a ideia de que sua fragilidade, há décadas discutida e nunca resolvida, será agora efetivamente enfrentada em razão do “convite” feito pelos chefes de estado durante a Rio+20 para que a Assembleia-geral, em sua sessão 67, agendada para setembro deste ano, estude adotar uma resolução para o seu fortalecimento e modernização. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que deverão substituir os Objetivos do Milênio a partir de 2015, é outro caso em que as altas expectativas foram frustradas. (mais em reportagem “Nada é pra já”)
Quanto mais se faz a leitura comparada entre o documento final da Rio+20 e os produzidos nas conferências anteriores, mais se vê o quanto reafirma compromissos assumidos há décadas e nunca implementados e como é pobre em inovações e criatividade. E, quanto mais se avança no diagnóstico sobre o agravamento dos problemas socioambientais e cresce a certeza da emergência de ações concretas, mais nossas diplomacias, sob o comando dos chefes de estado e de governo, encarregam- se de postergar as decisões.
*Presidente do conselho diretor do Instituto Democracia e Sustentabilidade, foi representante da sociedade civil nas Comissões Interministeriais da Rio 92 e da Rio+10 (Johannesburgo).[:en]Nem os mais otimistas encontrarão nos plenários fechados, onde se reuniram as delegações oficiais, resultados relevantes para a agenda da sustentabilidade global
Há diferentes formas de avaliar os resultados de uma conferência da dimensão que foi a Rio+20. Podemos começar por seus números impressionantes. Foram milhares de participantes dos setores governamental e não governamental que lotaram a conferência oficial, a Cúpula dos Povos e centenas de eventos paralelos espalhados pelo Rio de Janeiro. Somente no Riocentro, onde a entrada era restrita, pela exigência de prévio credenciamento, foram 10.822 integrantes de delegações oficiais, 9.856 representantes de organizações da sociedade civil organizada, 4.075 jornalistas e 1.781 participantes dos diálogos promovidos pelo governo brasileiro.
A participação virtual envolveu 50 milhões de pessoas, sendo mais de 1 milhão pelo Facebook, e ainda 1 bilhão de twitters circularam com o #rio+20.
Dessa efervescência, vieram resultados concretos. Em pronunciamento realizado ao fim da Conferência, o secretário-geral da ONU para a Rio+20, Sha Zukang, comemorou os mais de 700 compromissos voluntários entre ONGs, empresas, governos e universidades, assinados nos eventos oficiais, somando US$ 513 bilhões para ações de desenvolvimento sustentável na próxima década.
Merecido destaque recebeu o compromisso assumido pelos administradores das 58 maiores cidades do mundo, liderados pelo prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, de redução de 248 milhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa até 2020, com a meta de chegar a 1,3 bilhão de toneladas em 2030.
Soma-se a tudo isso a enorme divulgação dos assuntos relacionados à temática da Conferência, por meio de incontáveis matérias e programas nos principais veículos de comunicação de todo o mundo. O impacto positivo dessa cobertura massiva para a conscientização da opinião pública é inquestionável.
No entanto, mesmo correndo o risco de desagradar os responsáveis pelos sucessos que acabo de citar, considero que esses foram resultados colaterais. Esclareço que não utilizo o termo “colateral” como algo negativo ou sem importância, mas na definição do Houaiss: “o que está ao lado, em direção paralela ou quase”.
Isso porque, se a Rio+20 foi convocada para tratar da enorme lacuna de implementação das decisões urgentes já aprovadas nos inúmeros tratados e protocolos internacionais em vigor, os resultados positivos aqui listados não devem mascarar uma avaliação do que foi a parte oficial desse megaevento.
Por essa perspectiva, nem os mais otimistas poderão encontrar nos plenários fechados, onde se reuniram as delegações oficiais, resultados relevantes para a agenda da sustentabilidade global. Ao contrário, neles se protagonizou mais um ato do teatro da diplomacia burocrata e autocentrada que, refém dos interesses exclusivamente nacionais, é cada vez mais incapaz de exercitar o multilateralismo.
O prolixo documento final O Futuro Que Queremos, ao longo de suas 53 páginas e 283 parágrafos, registra a palavra “decisão” apenas quando se refere à instituição do Fórum de Alto Nível para o Desenvolvimento sustentável. Lendo as 12 atribuições previstas para esse Fórum, entretanto, será necessária uma dose extra de otimismo para acreditar que ele poderá ser mais eficaz do que a Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS), criada em dezembro de 1992, para monitorar os desdobramentos da rio 92. É quase unânime o entendimento de que o principal problema da CDS, vinculada ao Conselho Econômico e Social – Ecosoc, da ONU, não é estrutural, mas, sim, de falta de vontade política e de compromisso dos governos em implementar as decisões adotadas.
Cabe registrar, inclusive, que a CDS já havia sido designada pelo Plano de Implementação de Johannesburgo (JPOI), aprovado em 2002, como o Fórum de Alto Nível para o Desenvolvimento sustentável dentro do sistema das Nações unidas. Também lá estava a emergência da erradicação da pobreza. Ou seja, nem criatividade nossos diplomatas tiveram agora, dez anos depois.
A situação do Pnuma vai na mesma direção. Parece ser ingênuo aceitar a ideia de que sua fragilidade, há décadas discutida e nunca resolvida, será agora efetivamente enfrentada em razão do “convite” feito pelos chefes de estado durante a Rio+20 para que a Assembleia-geral, em sua sessão 67, agendada para setembro deste ano, estude adotar uma resolução para o seu fortalecimento e modernização. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que deverão substituir os Objetivos do Milênio a partir de 2015, é outro caso em que as altas expectativas foram frustradas. (mais em reportagem “Nada é pra já”)
Quanto mais se faz a leitura comparada entre o documento final da Rio+20 e os produzidos nas conferências anteriores, mais se vê o quanto reafirma compromissos assumidos há décadas e nunca implementados e como é pobre em inovações e criatividade. E, quanto mais se avança no diagnóstico sobre o agravamento dos problemas socioambientais e cresce a certeza da emergência de ações concretas, mais nossas diplomacias, sob o comando dos chefes de estado e de governo, encarregam- se de postergar as decisões.
*Presidente do conselho diretor do Instituto Democracia e Sustentabilidade, foi representante da sociedade civil nas Comissões Interministeriais da Rio 92 e da Rio+10 (Johannesburgo).