Julgar decisões empresariais e públicas que ameaçam as gerações futuras e a natureza é a ideia de uma corte liderada por ambientalistas e intelectuais, como Edgar Morin
Um tribunal para julgar crimes que ainda farão suas vítimas. No banco dos réus sentarão empresas ou governantes – seja apenas uma pessoa, sejam grupos enormes, não importa. Os juízes seguem leis morais e éticas e a punição é a reprovação da população.
Essa é a ideia do Tribunal Moral para crimes contra a humanidade e o meio ambiente, instância autônoma e independente dos governos nacionais e presidida por pensadores de vários países e áreas de formação. Pensada por um grupo de intelectuais, entre eles o filósofo francês Edgar Morin e o senador brasileiro Cristovam Buarque, a proposta foi apresentada no evento “A Terra Está Inquieta”, encontro paralelo à Rio+20 na Escola Sesc, em Jacarepaguá.
O Tribunal Moral é uma forma de complementar os sistemas judiciários que tratam de crimes já cometidos e com vítimas consumadas. Vai abranger também crimes ambientais, que nem sempre têm uma legislação bem definida. “Sempre se julga no presente algo do passado. Nós vamos julgar o crime que terá repercussão no futuro”, explica Morin.
Poderia passar pelo tribunal, por exemplo, o acidente nuclear de Fukushima, no Japão, ou a atividade das indústrias de amianto. A exploração desse produto ainda ocorre em muitos países, como o Brasil, mesmo sendo comprovadamente cancerígeno.
Como a ideia é justamente não esperar que surjam vítimas, a francesa Eva Joly, membro do parlamento europeu e do grupo de discussão do tribunal, lembra da situação da população da Argélia. Nos anos 60, a França fez testes com armas nucleares em território argelino e enterrou em local desconhecido os dejetos. Até hoje a localização é mantida como segredo de estado e deve ficar assim por cerca de 100 anos, colocando os argelinos e o solo local em risco de contaminação.
Parte da inspiração veio do Tribunal Russell, criado pelos filósofos Bertrand Russell e Jean-Paul Sartre. A corte avaliou a política externa americana e a intervenção militar no Vietnã, após a derrota francesa de 1954. A partir desse, outros tribunais semelhantes foram criados com seu nome. Nos anos 70, o 2o Tribunal Russell, por exemplo, denunciou violações dos direitos humanos pelas ditaduras militares no Brasil e em países da América Latina.
E, já que a democracia é fundamental para os idealizadores do tribunal moral, a proposta é que o processo penal se dará de forma pública, transparente e participativa. O grupo responsável pelo julgamento escolherá os casos para denunciar e criará documentos com prós e contras. Isso vai para a internet e todos os cidadãos poderão votar se consideram os fatos crimes ou não. o parecer final será dado pelos membros do tribunal, levando-se em conta o resultado da votação.
Não está prevista, no entanto, uma punição tradicional, mas, sim, um parecer moral da sociedade que apoiará ou não o caso. Segundo Cristovam Buarque, o objetivo é tornar difícil para um país ou uma empresa manter um projeto que seja moralmente condenado por todos. “podemos barrar, por exemplo, a construção de uma usina nuclear”, diz.
A corte moral também pretende julgar crimes como o monopólio de informações por grandes corporações midiáticas ou por governos. Morin lembra que o governo americano divulgou a existência de armas de destruição em massa no Iraque para obter apoio na guerra, em 2003. “Só quando o país foi invadido soubemos que era uma mentira. O ex-presidente George W. Bush não foi julgado, seus colegas não foram e, ao que parece, não vamos julgá-los agora”, diz.
Outros dois tipos de crimes que poderão passar pela corte moral serão os “que ameaçam a unidade da espécie humana” e “que desrespeitam a diversidade cultural”. Segundo a proposta do tribunal, a globalização está condenando tradições, idiomas e até visões de mundo. Para Cristovam Buarque, uma usina hidrelétrica, como Belo monte, que altera a vida das pessoas da região onde é instalada, pode comprometer a cultura de um povo.
Para o jurista francês Michel Prieur, presente no lançamento da proposta, os tribunais tradicionais fracassaram e são incapazes de garantir a segurança da humanidade e das futuras gerações. “Quem enfrenta as questões ambientais tem dificuldade de achar um tribunal tradicional”, diz.
Segundo o documento que explica o tribunal, estamos diante de uma crise ambiental, econômica e social devido ao modelo econômico que implantamos, dissociado da ética e sem regulação.
“A crise é sobretudo ética, pois é a ética que pode resgatar o compromisso da economia e dos governos com o bem-estar das populações”, diz o documento. Assim, o tribunal seria um instrumento para mudança e para mobilizar as pessoas a reivindicar novas políticas, novas formas de produção e estilos de vida.
“A morte em jogo é a da humanidade. Hoje, os Estados Nacionais estão se fazendo de mortos e nós aqui vamos nos fazer de vivos”, diz Prieur.[:en]Julgar decisões empresariais e públicas que ameaçam as gerações futuras e a natureza é a ideia de uma corte liderada por ambientalistas e intelectuais, como Edgar Morin
Um tribunal para julgar crimes que ainda farão suas vítimas. No banco dos réus sentarão empresas ou governantes – seja apenas uma pessoa, sejam grupos enormes, não importa. Os juízes seguem leis morais e éticas e a punição é a reprovação da população.
Essa é a ideia do Tribunal Moral para crimes contra a humanidade e o meio ambiente, instância autônoma e independente dos governos nacionais e presidida por pensadores de vários países e áreas de formação. Pensada por um grupo de intelectuais, entre eles o filósofo francês Edgar Morin e o senador brasileiro Cristovam Buarque, a proposta foi apresentada no evento “A Terra Está Inquieta”, encontro paralelo à Rio+20 na Escola Sesc, em Jacarepaguá.
O Tribunal Moral é uma forma de complementar os sistemas judiciários que tratam de crimes já cometidos e com vítimas consumadas. Vai abranger também crimes ambientais, que nem sempre têm uma legislação bem definida. “Sempre se julga no presente algo do passado. Nós vamos julgar o crime que terá repercussão no futuro”, explica Morin.
Poderia passar pelo tribunal, por exemplo, o acidente nuclear de Fukushima, no Japão, ou a atividade das indústrias de amianto. A exploração desse produto ainda ocorre em muitos países, como o Brasil, mesmo sendo comprovadamente cancerígeno.
Como a ideia é justamente não esperar que surjam vítimas, a francesa Eva Joly, membro do parlamento europeu e do grupo de discussão do tribunal, lembra da situação da população da Argélia. Nos anos 60, a França fez testes com armas nucleares em território argelino e enterrou em local desconhecido os dejetos. Até hoje a localização é mantida como segredo de estado e deve ficar assim por cerca de 100 anos, colocando os argelinos e o solo local em risco de contaminação.
Parte da inspiração veio do Tribunal Russell, criado pelos filósofos Bertrand Russell e Jean-Paul Sartre. A corte avaliou a política externa americana e a intervenção militar no Vietnã, após a derrota francesa de 1954. A partir desse, outros tribunais semelhantes foram criados com seu nome. Nos anos 70, o 2o Tribunal Russell, por exemplo, denunciou violações dos direitos humanos pelas ditaduras militares no Brasil e em países da América Latina.
E, já que a democracia é fundamental para os idealizadores do tribunal moral, a proposta é que o processo penal se dará de forma pública, transparente e participativa. O grupo responsável pelo julgamento escolherá os casos para denunciar e criará documentos com prós e contras. Isso vai para a internet e todos os cidadãos poderão votar se consideram os fatos crimes ou não. o parecer final será dado pelos membros do tribunal, levando-se em conta o resultado da votação.
Não está prevista, no entanto, uma punição tradicional, mas, sim, um parecer moral da sociedade que apoiará ou não o caso. Segundo Cristovam Buarque, o objetivo é tornar difícil para um país ou uma empresa manter um projeto que seja moralmente condenado por todos. “podemos barrar, por exemplo, a construção de uma usina nuclear”, diz.
A corte moral também pretende julgar crimes como o monopólio de informações por grandes corporações midiáticas ou por governos. Morin lembra que o governo americano divulgou a existência de armas de destruição em massa no Iraque para obter apoio na guerra, em 2003. “Só quando o país foi invadido soubemos que era uma mentira. O ex-presidente George W. Bush não foi julgado, seus colegas não foram e, ao que parece, não vamos julgá-los agora”, diz.
Outros dois tipos de crimes que poderão passar pela corte moral serão os “que ameaçam a unidade da espécie humana” e “que desrespeitam a diversidade cultural”. Segundo a proposta do tribunal, a globalização está condenando tradições, idiomas e até visões de mundo. Para Cristovam Buarque, uma usina hidrelétrica, como Belo monte, que altera a vida das pessoas da região onde é instalada, pode comprometer a cultura de um povo.
Para o jurista francês Michel Prieur, presente no lançamento da proposta, os tribunais tradicionais fracassaram e são incapazes de garantir a segurança da humanidade e das futuras gerações. “Quem enfrenta as questões ambientais tem dificuldade de achar um tribunal tradicional”, diz.
Segundo o documento que explica o tribunal, estamos diante de uma crise ambiental, econômica e social devido ao modelo econômico que implantamos, dissociado da ética e sem regulação.
“A crise é sobretudo ética, pois é a ética que pode resgatar o compromisso da economia e dos governos com o bem-estar das populações”, diz o documento. Assim, o tribunal seria um instrumento para mudança e para mobilizar as pessoas a reivindicar novas políticas, novas formas de produção e estilos de vida.
“A morte em jogo é a da humanidade. Hoje, os Estados Nacionais estão se fazendo de mortos e nós aqui vamos nos fazer de vivos”, diz Prieur.