O Fundo Clima – que só deve liberar dinheiro em 2013 – usa dinheiro do petróleo para financiar negócios de baixo carbono
Ao transferir recursos da exploração do petróleo para financiar a juros reduzidos projetos de adaptação e mitigação às mudanças climáticas por meio do Fundo Clima, o Brasil pratica uma política ambiental ao estilo Robin Hood, personagem associado aos programas de ajuda financeira ao desenvolvimento sustentável global. Falta ao Fundo Clima, entretanto, a agilidade do herói justiceiro da floresta de Sherwood.
Embora a lei que o instituiu como instrumento da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) seja de dezembro de 2009, a liberação dos primeiros empréstimos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pela gestão da maior parte dos recursos – que já somam R$ 560 milhões –, só deverá ocorrer em 2013.
Os recursos para o Fundo Clima têm origem na participação especial do petróleo, composta com parte da receita da exploração petrolífera [1]. Do total da participação especial, 10% cabem ao Ministério do Meio Ambiente, que, por sua vez, destina uma parcela de 60% ao Fundo Clima (ou seja, 6% da participação especial do petróleo).
[1] Ver artigo 50 da Lei do Petróleo, lei 9.478/97
Em 2011, o fundo, gerido pelo MMA, recebeu seu primeiro aporte R$ 230 milhões e, este ano, outros R$ 390 milhões. Esses recursos foram divididos entre duas modalidades de financiamento de projetos: uma não reembolsável, administrada pelo próprio MMA, e outra reembolsável, gerida pelo BNDES. O Comitê Gestor do Fundo Clima, do qual participam representantes do poder público e da sociedade civil, destinou anualmente R$ 60 milhões não reembolsáveis (a fundo perdido) e R$ 560 milhões como empréstimos reembolsáveis em 2011 e 2012.
O objetivo do Fundo Clima é apoiar a PNMC no compromisso assumido voluntariamente pelo Brasil, na Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, de reduzir em pelo menos 36% as emissões de gases de efeito estufa projetadas até 2020. Não foram criados indicadores para medir a redução de carbono que os projetos apoiados pelo Fundo Clima poderão proporcionar.
Segundo a diretora de Mudanças Climáticas do ministério, Karen Suassuna, seria inviável fazer essa conta, uma vez que as áreas em que o fundo investe nem sempre implicam abatimento direto em carbono, mas apenas estruturam uma redução futura. “Teríamos de desenvolver um pacote metodológico gigantesco para conseguir auferir quanto de carbono está sendo abatido”, justifica.
Juros atraentes
Em abril deste ano, o BNDES lançou a linha de financiamento do Programa Fundo Clima com atraentes taxas de juros de 2,5% a 5,5% ao ano, classificadas pelo chefe do Departamento de Meio Ambiente do banco, Marcio Macedo Costa, como “as melhores entre as melhores do BNDES”. Conforme informou, as primeiras cartas-consulta já começaram a chegar e as empresas candidatas ao financiamento devem, obrigatoriamente, encaixar-se em um dos seguintes subprogramas: modais de transporte eficiente, resíduos sólidos urbanos, energias renováveis, fornos eficientes de carvão vegetal, máquinas e equipamentos eficientes ou combate à desertificação.
Para o diretor de programas do Greenpeace, Sérgio Leitão, é incompreensível o fato de um país que reclama não ter dinheiro deixar o Fundo Clima encerrar este ano com quase R$ 600 milhões em caixa sem preencher a carteira de financiamento. Na opinião dele, a falta de percepção dos empresários sobre a conexão direta entre corte nas emissões e aumento na competitividade é um dos motivos da baixa demanda pelos recursos do fundo. Outra razão, aponta Leitão, é o ritual burocrático perverso que o BNDES impõe para a tomada de empréstimo.
O técnico do BNDES não vê sentido na crítica do dirigente do Greenpeace. Segundo Macedo, a regulamentação do fundo saiu em 2010 e o ano passado foi dedicado à sua constituição formal e arquitetura operacional. Quanto à burocracia, ele afirma que a do Fundo Clima é idêntica à das demais linhas de financiamento do banco, já conhecida pelos empresários brasileiros. “Não deixa de ser uma inovação na política pública brasileira um desenho de concessão de crédito para gerar energia renovável proveniente de uma fonte de recursos de energia fóssil.”
Entusiasmado com o novo programa, Marcio Macedo crê que o Fundo Clima será o instrumento viabilizador da energia solar térmica e fotovoltaica no Brasil. Para estimular empresários brasileiros a entrar no mercado de placas solares e torná-lo mais competitivo, o Fundo Clima está oferecendo a sua menor taxa de juros, 2,5% ao ano, e um longo prazo para o retorno dos recursos, 15 anos.
Ao contrário do BNDES, o MMA trabalha com linhas orçamentárias da União na gestão dos financia- mentos não retornáveis e, portanto, precisa executá-las ao longo do ano. Se, por um lado, isso dá mais agilidade ao fundo, por outro, deixa pouco prazo para que se cumpram os extensos trâmites do governo federal.
Apesar de todos os empecilhos burocráticos no processo de liberação de dinheiro público, no apagar das luzes de 2011 o MMA ainda conseguiu aprovar 23 projetos, a maioria relacionada ao Semiárido brasileiro, empenhando 98% dos recursos não reembolsáveis do Fundo Clima. De acordo com Karen Suassuna, o caminho já não parece mais tão difícil este ano, visto que os principais gargalos foram identificados. (leia mais em “Proposta para a transação econômica“)
Confira abaixo detalhes dos subprogramas do Fundo Clima
Modais de transporte eficiente: pretende estimular a fabricação de ônibus elétricos e híbridos. São projetos de grande porte e, num primeiro momento, os recursos do Fundo Clima não deverão ser suficientes para atendê-los. O BNDES está estudando formas de viabilizá-lo economicamente, por exemplo, calibrando a linha do Fundo Clima com as do seu Programa de Sustentação do Investimento (PSI) de estimulo à produção, à aquisição e exportação de bens de capital e à inovação tecnológica.
Resíduos Sólidos Urbanos: com a Política Nacional de Resíduos Sólidos em vigor, existe a expectativa de aumento dos investimentos em aterros sanitários, sistemas de gestão de resíduos, etapas de reciclagem etc. O Fundo Clima vai financiar apenas projetos de gestão de resíduos sólidos com aproveitamento energético. No caso, um gestor de aterro sanitário deverá produzir energia a partir do metano.
Energias renováveis: o foco vai para as modalidades solar (térmica e fotovoltaica), dos oceanos (a ideia é apoiar tecnologias recém saídas da bancada na criação de plantas industriais de pequeno porte) e biomassa (embora seja um ótimo produto para a co-geração de energia, a cana-de-açúcar foi excluída por já contar com linhas de financiamento do próprio BNDES). A energia eólica não entrou na linha de financiamento, pois o Comitê Gestor considera suficientes as condições já existentes para a viabilidade econômico-financeira dos projetos de eólica.
Fornos eficientes de carvão vegetal: o BNDES ainda está avaliando o nível mínimo de eficiência que as empresas deverão apresentar. O rendimento gravimétrico que está sendo exigido, de 35%, é considerado muito elevado. Projetos deste subgrupo só serão apoiados se for demonstrado que as madeiras são oriundas de florestas plantadas.
Máquinas e equipamentos eficientes: será utilizado o cadastro do Finame de máquinas e equipamentos para gerir este subgrupo, a fim de estimular os produtores a aumentarem o seu conteúdo nacional. E, para selecionar os produtos mais eficientes, o banco vai cruzar o cadastro Finame com o Programa Brasileiro de Etiquetagem do Inmetro. Serão privilegiadas as classes de equipamentos que deverão demandar avanços tecnológicos com o tempo, entre as quais: motores elétricos trifásicos; bombas centrífugas e motobombas; transformadores de distribuição; placas solares; inversores de frequência; motores a biogás e seus sistemas auxiliares de coleta e tratamento do gás. Por exemplo, no caso das motobombas só serão apoiados projetos classificados pelo Inmetro como de Nível A; já para as placas de captação de radiação solar, cuja produção no país é incipiente, não haverá restrições.
Combate à desertificação: a rigor, este subgrupo tem como objetivo a restauração de biomas e a promoção de atividades sustentáveis na propriedade rural de madeiras, frutos e fibras. O Comitê Gestor do Fundo Clima determinou que, por ora, os financiamentos privilegiem projetos na Região Nordeste.
[:en]O Fundo Clima – que só deve liberar dinheiro em 2013 – usa dinheiro do petróleo para financiar negócios de baixo carbono
Ao transferir recursos da exploração do petróleo para financiar a juros reduzidos projetos de adaptação e mitigação às mudanças climáticas por meio do Fundo Clima, o Brasil pratica uma política ambiental ao estilo Robin Hood, personagem associado aos programas de ajuda financeira ao desenvolvimento sustentável global. Falta ao Fundo Clima, entretanto, a agilidade do herói justiceiro da floresta de Sherwood.
Embora a lei que o instituiu como instrumento da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) seja de dezembro de 2009, a liberação dos primeiros empréstimos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pela gestão da maior parte dos recursos – que já somam R$ 560 milhões –, só deverá ocorrer em 2013.
Os recursos para o Fundo Clima têm origem na participação especial do petróleo, composta com parte da receita da exploração petrolífera [1]. Do total da participação especial, 10% cabem ao Ministério do Meio Ambiente, que, por sua vez, destina uma parcela de 60% ao Fundo Clima (ou seja, 6% da participação especial do petróleo).
[1] Ver artigo 50 da Lei do Petróleo, lei 9.478/97
Em 2011, o fundo, gerido pelo MMA, recebeu seu primeiro aporte R$ 230 milhões e, este ano, outros R$ 390 milhões. Esses recursos foram divididos entre duas modalidades de financiamento de projetos: uma não reembolsável, administrada pelo próprio MMA, e outra reembolsável, gerida pelo BNDES. O Comitê Gestor do Fundo Clima, do qual participam representantes do poder público e da sociedade civil, destinou anualmente R$ 60 milhões não reembolsáveis (a fundo perdido) e R$ 560 milhões como empréstimos reembolsáveis em 2011 e 2012.
O objetivo do Fundo Clima é apoiar a PNMC no compromisso assumido voluntariamente pelo Brasil, na Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, de reduzir em pelo menos 36% as emissões de gases de efeito estufa projetadas até 2020. Não foram criados indicadores para medir a redução de carbono que os projetos apoiados pelo Fundo Clima poderão proporcionar.
Segundo a diretora de Mudanças Climáticas do ministério, Karen Suassuna, seria inviável fazer essa conta, uma vez que as áreas em que o fundo investe nem sempre implicam abatimento direto em carbono, mas apenas estruturam uma redução futura. “Teríamos de desenvolver um pacote metodológico gigantesco para conseguir auferir quanto de carbono está sendo abatido”, justifica.
Juros atraentes
Em abril deste ano, o BNDES lançou a linha de financiamento do Programa Fundo Clima com atraentes taxas de juros de 2,5% a 5,5% ao ano, classificadas pelo chefe do Departamento de Meio Ambiente do banco, Marcio Macedo Costa, como “as melhores entre as melhores do BNDES”. Conforme informou, as primeiras cartas-consulta já começaram a chegar e as empresas candidatas ao financiamento devem, obrigatoriamente, encaixar-se em um dos seguintes subprogramas: modais de transporte eficiente, resíduos sólidos urbanos, energias renováveis, fornos eficientes de carvão vegetal, máquinas e equipamentos eficientes ou combate à desertificação.
Para o diretor de programas do Greenpeace, Sérgio Leitão, é incompreensível o fato de um país que reclama não ter dinheiro deixar o Fundo Clima encerrar este ano com quase R$ 600 milhões em caixa sem preencher a carteira de financiamento. Na opinião dele, a falta de percepção dos empresários sobre a conexão direta entre corte nas emissões e aumento na competitividade é um dos motivos da baixa demanda pelos recursos do fundo. Outra razão, aponta Leitão, é o ritual burocrático perverso que o BNDES impõe para a tomada de empréstimo.
O técnico do BNDES não vê sentido na crítica do dirigente do Greenpeace. Segundo Macedo, a regulamentação do fundo saiu em 2010 e o ano passado foi dedicado à sua constituição formal e arquitetura operacional. Quanto à burocracia, ele afirma que a do Fundo Clima é idêntica à das demais linhas de financiamento do banco, já conhecida pelos empresários brasileiros. “Não deixa de ser uma inovação na política pública brasileira um desenho de concessão de crédito para gerar energia renovável proveniente de uma fonte de recursos de energia fóssil.”
Entusiasmado com o novo programa, Marcio Macedo crê que o Fundo Clima será o instrumento viabilizador da energia solar térmica e fotovoltaica no Brasil. Para estimular empresários brasileiros a entrar no mercado de placas solares e torná-lo mais competitivo, o Fundo Clima está oferecendo a sua menor taxa de juros, 2,5% ao ano, e um longo prazo para o retorno dos recursos, 15 anos.
Ao contrário do BNDES, o MMA trabalha com linhas orçamentárias da União na gestão dos financia- mentos não retornáveis e, portanto, precisa executá-las ao longo do ano. Se, por um lado, isso dá mais agilidade ao fundo, por outro, deixa pouco prazo para que se cumpram os extensos trâmites do governo federal.
Apesar de todos os empecilhos burocráticos no processo de liberação de dinheiro público, no apagar das luzes de 2011 o MMA ainda conseguiu aprovar 23 projetos, a maioria relacionada ao Semiárido brasileiro, empenhando 98% dos recursos não reembolsáveis do Fundo Clima. De acordo com Karen Suassuna, o caminho já não parece mais tão difícil este ano, visto que os principais gargalos foram identificados. (leia mais em “Proposta para a transação econômica“)
Confira abaixo detalhes dos subprogramas do Fundo Clima
Modais de transporte eficiente: pretende estimular a fabricação de ônibus elétricos e híbridos. São projetos de grande porte e, num primeiro momento, os recursos do Fundo Clima não deverão ser suficientes para atendê-los. O BNDES está estudando formas de viabilizá-lo economicamente, por exemplo, calibrando a linha do Fundo Clima com as do seu Programa de Sustentação do Investimento (PSI) de estimulo à produção, à aquisição e exportação de bens de capital e à inovação tecnológica.
Resíduos Sólidos Urbanos: com a Política Nacional de Resíduos Sólidos em vigor, existe a expectativa de aumento dos investimentos em aterros sanitários, sistemas de gestão de resíduos, etapas de reciclagem etc. O Fundo Clima vai financiar apenas projetos de gestão de resíduos sólidos com aproveitamento energético. No caso, um gestor de aterro sanitário deverá produzir energia a partir do metano.
Energias renováveis: o foco vai para as modalidades solar (térmica e fotovoltaica), dos oceanos (a ideia é apoiar tecnologias recém saídas da bancada na criação de plantas industriais de pequeno porte) e biomassa (embora seja um ótimo produto para a co-geração de energia, a cana-de-açúcar foi excluída por já contar com linhas de financiamento do próprio BNDES). A energia eólica não entrou na linha de financiamento, pois o Comitê Gestor considera suficientes as condições já existentes para a viabilidade econômico-financeira dos projetos de eólica.
Fornos eficientes de carvão vegetal: o BNDES ainda está avaliando o nível mínimo de eficiência que as empresas deverão apresentar. O rendimento gravimétrico que está sendo exigido, de 35%, é considerado muito elevado. Projetos deste subgrupo só serão apoiados se for demonstrado que as madeiras são oriundas de florestas plantadas.
Máquinas e equipamentos eficientes: será utilizado o cadastro do Finame de máquinas e equipamentos para gerir este subgrupo, a fim de estimular os produtores a aumentarem o seu conteúdo nacional. E, para selecionar os produtos mais eficientes, o banco vai cruzar o cadastro Finame com o Programa Brasileiro de Etiquetagem do Inmetro. Serão privilegiadas as classes de equipamentos que deverão demandar avanços tecnológicos com o tempo, entre as quais: motores elétricos trifásicos; bombas centrífugas e motobombas; transformadores de distribuição; placas solares; inversores de frequência; motores a biogás e seus sistemas auxiliares de coleta e tratamento do gás. Por exemplo, no caso das motobombas só serão apoiados projetos classificados pelo Inmetro como de Nível A; já para as placas de captação de radiação solar, cuja produção no país é incipiente, não haverá restrições.
Combate à desertificação: a rigor, este subgrupo tem como objetivo a restauração de biomas e a promoção de atividades sustentáveis na propriedade rural de madeiras, frutos e fibras. O Comitê Gestor do Fundo Clima determinou que, por ora, os financiamentos privilegiem projetos na Região Nordeste.