Técnica agrícola usada há milênios foi revista e adaptada para aproveitar a água da chuva e permitir uma produção abundante em áreas desérticas
As técnicas de agricultura evoluíram muito desde que o homem descobriu como produzir fogo e os alimentos que consumia. Foram milhares de anos de tentativas, erros e aprendizagem para que se descobrisse como cuidar da terra, plantar, quando colher e como aproveitar a água. Hoje o domínio sobre a natureza é tanto que o homem produz até sementes geneticamente modificadas – e gera muita polêmica por isso.
Só que toda evolução parte de uma ideia anterior que não deve ser desconsiderada. A sabedoria antiga pode ser valiosa. E, por saber disso, o professor israelense Pedro Berliner retomou o pensamento de uma técnica usada por povos ancestrais para propor um uso mais eficiente da água em sistemas agrícolas. Ele é especialista em cultivo em terras áridas e diretor do Instituto para Pesquisas sobre Deserto Jacob Blaustein, da Universidade Ben-Gurion, no Negev, em Israel.
Berliner pesquisou e adaptou a forma como os nabateus aproveitavam ao máximo a água das chuvas para suas plantações. Esse povo viveu há 2 mil anos em terras onde hoje estão Jordânia, Israel, Síria e Arábia Saudita, regiões onde a questão hídrica sempre foi problemática.
O método de Berliner propõe que a plantação seja feita em fileiras e entre elas passem sulcos que servem como um reservatório para a água da chuva. A folhagem entre as fileiras diminui a evaporação da água, permitindo que ela permaneça por mais tempo na terra. O cultivo de leguminosas em partes dessas fileiras também é indicado, já que a folhagem que cai na terra e se decompõe transforma- se em um ótimo fertilizante natural.
Um pouco diferente disso, os nabateus faziam sua plantação em áreas circundadas por diques que escoavam a chuva em direção às árvores no geral frutíferas. Os profundos diques eram construídos antes da época chuvosa – o que poderia significar apenas algumas precipitações. Com isso, a população sobreviveu numa área desértica e com os diques protegeu sua rota de comércio – eles transportavam perfumes e especiarias da Arábia Saudita, por meio de camelos, pelo porto de Gaza.
Não foi a primeira vez que o sistema dos nabateus foi copiado. Após serem dominados pelo Império Romano, no ano 106, o método foi disseminado em regiões como o Norte da África, e até hoje pode ser visto em uso na Tunísia. Depois da invasão romana, a cultura nabateia se perdeu entre a cultura dos novos habitantes e o território acabou dividido por outros povos invasores ao logo do século III.
Berliner acredita que sua técnica adaptada pode ajudar populações de áreas ameaçadas pela desertificação e países em desenvolvimento, já que é fácil de ser implementada. Ele afirma que uma comunidade inteira pode sobreviver apenas com a água da temporada de chuvas. Por isso tem viajado pelo mundo disseminando sua técnica e já fez parcerias com pesquisadores e agricultores do Quênia, da Índia, do Uzbequistão e Turcomenistão e do México pondo em prática seu método.
ENVELHAÇÃO
Desde 1976 Berliner trabalha com o chamado contínuo solo-planta-atmosfera, estudo das relações hídricas das plantas. O conceito considera um ciclo interligado o movimento da água do solo para o interior das raízes, para interior das plantas e, por fim, da planta para seu exterior na forma de vapor. “Fiquei intrigado pelo fato de que povos que viveram 2 milênios atrás entenderem conceitos básicos desse movimento e terem desenvolvido a agricultura em zonas áridas. Isso me instigou a testar as técnicas antigas”, disse em entrevista à Página22.
O ato de inovar utilizando antigas ideias, como o que Berliner fez, é conhecido como “envelhação” (envelhecimento + inovação) e foi tema da reportagem de Página22 “O futuro do pretérito”. Berliner concorda com o termo. “É extraordinário como povos que viveram há muito tempo sem embasamento teórico para analisar processos físicos e biológicos fossem capazes de criar sistemas de agricultura muito eficazes”.
Ele observa, no entanto, que nem todo sistema antigo possa ser adaptado para os tempos atuais, porque a densidade populacional aumentou muito, pressionando a produção de alimentos e a produtividade das terras. E ressalta: “Mesmo que uma técnica de agricultura antiga não possa ser usada exatamente como antes, ainda tem muito a ensinar”.