Demanda crescente do Japão esbarra em escassez de produto com selo no Brasil
O mercado de cacau convencional certificado do Brasil vive um paradoxo. Há demanda crescente pelo produto, mas ainda
não se consegue garantir volumes regulares em contratos de longo prazo. De 2009 a 2011, a Delfi Cocoa, empresa de Cingapura que possui fábrica em Itabuna, alcançou a proeza de fornecer subprodutos de cacau certificado da Bahia, como o líquor, para dois chocolateiros japoneses. As amêndoas foram fornecidas integralmente pelas empresas Fazendas Reunidas Vale do Juliana, de Igrapiúna,
e M. Libânio, de Gandu.
Ambas tiveram seu cacau certificado pelo Imaflora com o selo da Rainforest Alliance, que segue os critérios da Rede de Agricultura Sustentável. Trata-se de regras bastante rigorosas quanto às legislações ambiental e trabalhista e a práticas agrícolas mais sustentáveis, embora admitam a aplicação de agroquímicos, com incentivo à manutenção da mata nativa, que é utilizada para sombrear o cacau no sistema cabruca. “O cabruca não é uma exigência para a certificação, mas quem o mantém adapta seu cultivo mais facilmente às regras do selo”, explica Matheus Couto, do Imaflora.
Tudo ia bem no comércio com os japoneses, até que os acionistas da Vale do Juliana, de propriedade da família Odebrecht, decidiram no fim de 2011 reestruturar o modelo de cultivo de cacau. Com isso, nos próximos três a quatro anos o fornecimento de cacau certificado para a Delfi e clientes diretos no exterior declinará das 450 toneladas anuais (até 2011) para menos da metade. Nesse período, o cacau velho será substituído por variedades mais produtivas em consórcio com seringueira. A projeção da empresa é de que o rendimento médio de 600 quilos de cacau por hectare suba para cerca de 3.000 quilos. “A medida foi necessária para aumentar a rentabilidade do negócio e gerar recursos para novos investimentos. Mal cobrimos os custos com uma produtividade de 600 quilos”, comenta Leonardo Sorice, diretor da Vale do Juliana, assinalando que o cacau cabruca – perto de 40% da área do produto – será preservado.
Para compensar a queda nas entregas, a Delfi precisou recorrer a amêndoas de boa qualidade e de origem socioambiental responsável de outros produtores e cooperativas, diz Patrícia Moles, diretora-geral da Delfi no Brasil.
A Delfi prevê comprar este ano 300 toneladas de cacau certificado das duas empresas baianas, 200 a menos que em 2011. Graças ao acordo com os japoneses, é possível pagar aos produtores um adicional de 30% no ágio já pago sobre o preço do cacau baiano.
Mas a valorização do selo ainda enfrenta barreiras. “A indústria brasileira de chocolate não se mostra disposta a pagar prêmios pelo produto certificado”, observa Couto. Nas suas exportações diretas para a indústria de chocolate fino, a M. Libânio também não é recompensada. “Os importadores europeus não pagam acréscimo específico pelo selo”, reclama Eimar Sampaio, diretor da M. Libânio. Uma das estratégias para ampliar a oferta de cacau com o selo é efetuar a certificação em grupo para cooperativas de pequenos produtores. Há a expectativa de que o Imaflora certifique até o próximo ano grupos de produtores das cooperativas de Gandu (Bahia) e de São Félix do Xingu (Pará).
No processo de preparação das cooperativas para a certificação, um dos destaques é a instalação de estufas solares para a secagem das amêndoas no lugar do uso de lenha. Além da assistência técnica do Imaflora, os dois projetos também contam com apoio da Delfi, que já compra cacau das duas cooperativas pagando preços superiores aos de mercado. No caso da cooperativa de Gandu, há, ainda, a parceria com o Instituto Cabruca, de Ilhéus (BA), cujo objetivo é incentivar a manutenção do sistema cabruca como meio de proteger a Mata Atlântica.