Se não é possível pôr abaixo uma cidade para refazê-la melhor, ao menos mudanças graduais são a chave para desatar o nó entre mobilidade e planejamento urbano
Dia desses ouvi de uma criança que a solução para acabar com os congestionamentos na cidade de São Paulo seria “derrubar tudo e começar de novo”. É um comentário inocente de quem ainda não entende de planejamento urbano, mas percebe que existe um nó entre a ocupação do espaço e a mobilidade.
“A cidade cresceu em meio à sobreposição de problemas e, se pudéssemos desfazer e construí-la de novo, seria mesmo bom. Mas São Paulo tem um nível de ocupação em que é difícil modificar a cidade sem impactar a vida das pessoas e sem gastar muito”, diz Fernando Gasperini, arquiteto e urbanista da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU). Mesmo assim, ressalta ele, é preciso investir em projetos que melhorem a cidade aos poucos.
Não é apenas São Paulo que sofre com os altos índices de congestionamento. Ao assumir o modelo de urbanização iniciado na década de 1950 nos Estados Unidos, todo o País arcou com as consequências de priorizar o veículo individual como ponto de partida. “O trânsito de hoje é consequência de um planejamento inadequado da cidade que há décadas privilegia os carros, em detrimento do transporte público”, diz Irineu Gnecco, diretor de Planejamento e Educação de Trânsito da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).
Nos anos 1950, foram instaladas três grandes montadoras de automóveis no País na região de São Bernardo do Campo (SP). Com as fábricas produzindo e os brasileiros comprando, observou-se a força de um mercado em ascensão. Tanto as montadoras quanto os motoristas exigiam novas ruas, largas avenidas e mais fluidez.
Os anos 1990 foram outro período importante no planejamento urbanístico das cidades. A partir de meados da década, com a economia um pouco mais estabilizada e inflação controlada, a construção civil ganhou força ao lado do financiamento de automóveis e motos. Prédios, shopping centers e carros brotaram nas cidades. “Chegamos a uma equação que não fecha. As montadoras podem até vender carros infinitamente, mas o espaço da cidade é finito. Temos de repensar o uso do carro e fazê-lo com moderação. Não é mais como antigamente”, admite Gnecco.
PLANEJAMENTO NÃO FALTA
Uma crítica comum a ser ouvida sobre a situação do trânsito atual é a de que nunca houve planejamento na cidade de São Paulo. Camila Maleronka, urbanista e administradora da SP Urbanismo, empresa pública ligada à SMDU, chama isso de “falácia”. “Planejamento sempre existiu. O que faltou ao longo dos anos foi capacidade de implementação. Um bom plano nunca é jogado fora mesmo quando o prefeito muda”, diz.
Camila ressalta que antes dos anos 1990 era mais difícil desenvolver planejamento de longo prazo, devido à inflação, que tornava o cenário incerto para investimentos. Hoje, afirma Camila, o problema é outro: falta de integração entre as políticas dos níveis municipais, estaduais e federal.
Em São Paulo, foi criado o Comitê de Desenvolvimento Interno de Transportes (DCTI) justamente para alinhar as ações da CET, EMTU, CPTM, governo, prefeitura da capital e das cidades do estado de São Paulo. “O Comitê discute o planejamento em termos de mobilidade de todo o estado. É importante porque a cidade tem de se integrar completamente com os municípios em seu entorno”, explica Gnecco.
A integração entre municípios e o governo federal também tende a aumentar devido à Política Nacional de Mobilidade Urbana. A lei passou a vigorar em abril e incentivará uma mudança nos paradigmas de investimentos. Agora, municípios com mais de 20 mil habitantes devem ter um plano de mobilidade, sob pena de perderem recursos públicos federais se assim não o fizerem. A lei dá prioridade ao transporte não motorizado e aos serviços públicos coletivos, além da integração entre os modais. A cidade de São Paulo deverá ter o seu Plano de Mobilidade Urbana baseado no Plano de Ação Estratégica. (leia texto no final da página)
TODO MUNDO USA
Para melhorar o tráfego da cidade de São Paulo, a CET estuda medidas que desestimulem o uso de automóveis, como a proibição de estacioná-los nas ruas. Além, claro, de investimentos em transporte coletivo: a tendência é que os carros percam faixas para os ônibus, que circularão por corredores. Para Gnecco, da CET, quando o motorista perceber que o transporte público tem qualidade e flui melhor que seu carro, vai se interessar.
“Para funcionar, tem de ser desejado por todas as classes. É como os chinelos Havaianas: um produto que era considerado de classe baixa, vira objeto com valor.” Ele acredita que isso não está longe de acontecer: “A população está madura para discutir se o carro é mesmo a solução de mobilidade das cidades porque vivencia o caos diário”, diz, e cita os bons resultados com o Programa de Proteção ao Pedestre [1].
[1] Desde o lançamento do programa na capital paulista, há um ano, o número de mortes por atropelamento caiu em 40% no centro expandido e em 10% em toda a cidade
A mudança de comportamento dos paulistanos e a integração entre os níveis de gestão pública é um bom indicativo para o fenômeno chamado “sãopaulificação”. Ricardo Correa, urbanista da consultoria TC Urbes, explica que cidades médias e pequenas tomaram por muito tempo o modelo de crescimento de São Paulo como exemplo. “Copiam também o que há de errado, como os condomínios fechados e os bairros-dormitórios. Jundiaí, por exemplo, já tem uma relação entre habitantes e carros maior que a da capital”, diz.
A TC Urbes foi responsável por um projeto para melhorar a mobilidade em São José dos Campos (SP). Enquanto a consultoria propunha investimentos em ciclovias e transporte público, a prefeitura apresentava projetos de expansão de avenidas. Correa deparou-se, então, com os dilemas de transição entre dois modelos de urbanização: o que São Paulo criou nos anos 1950 e um novo, que prioriza o ser humano e o transporte não motorizado.
Mas não é só de maus exemplos que São Paulo é feita. Boas práticas também surgiram por aqui, como o Bilhete Único, que foi amplamente copiado. “A cidade é tão problemática que temos um cenário favorável a inovações. Temos de pensar alto”, diz Fernando Gasperini, da SMDU.
Na região paulistana da Berrini, o Banco Mundial está implementando o Projeto Piloto de Mobilidade Corporativa, para diminuir o número de pessoas que vão para o trabalho sozinhas em seus carros. O banco estimula o uso de formas alternativas, como a bicicleta e a carona, e propõe que empresas tenham no quadro de funcionários a vaga de coordenador de transportes. (mais no texto no final da página)
O OVO OU A GALINHA
É justamente nos deslocamentos de casa para o trabalho (e vice-versa) que está um dos principais nós da mobilidade urbana. Então, uma das soluções – mais do que discutidas – é descentralizar a oferta de empregos. Entra aí a questão de como refazer o espaço urbano e criar empregos nas periferias.
Camila Maleronka, da SP Urbanismo, diz que, para tratar da questão ocupação do solo de uma cidade já construída e a oferta de mobilidade, surge um dilema: a presença de uma linha de transportes é que induz a ocupação de um bairro ou é a ocupação que gera a necessidade de criar mais linhas?
São Paulo já teve como polos comerciais o Centro Velho, a Avenida Paulista e, agora, a região da Berrini, na Zona Sul. Hoje, a prefeitura tenta descentralizar as empresas e o comércio através das chamadas Operações Urbanas, que dão incentivos fiscais e visam melhorias em regiões predeterminadas através de parcerias entre o Poder Público e a iniciativa privada. “Mas ainda é preciso mais”, afirma Gnecco.
Em Ermelino Matarazzo, no extremo Leste de São Paulo, por exemplo, existe um emprego para cada 36 habitantes. Para reverter o quadro e melhorar a mobilidade de quem precisa ir a outros bairros, foi lançado o projeto “Conectar Ermelino Matarazzo”. Idealizado pelo deputado federal José de Filippi Jr. (PT-SP), é baseado no conceito “cidade 20 minutos”: uma boa cidade é aquela em que os deslocamentos básicos devem levar no máximo 20 minutos qualquer que seja o modal usado. (mais sobre walkability em Olha Isso!)
“A melhor viagem que você faz no seu bairro é a que não precisa fazer”, diz o deputado. O projeto pesquisou a região para entender quais as demandas da população e vai criar um documento com o desenho do “bairro ideal”, além de apontar investimentos necessários, como a construção de agências bancárias e espaços de cultura.
ORGANISMO VIVO
Se mudanças nas estruturas de uma cidade demoram para acontecer, ao menos resta o consolo de que elas não são impossíveis. “Cidades são organismos vivos, sempre em manutenção. Não é preciso derrubá-la inteira para reconstruí-la. Pode-se fazer isso aos poucos”, diz Ricardo Correa, da TC Urbes.
A infraestrutura da cidade (como a rede elétrica, a de esgoto, a hidráulica e o asfalto) dura cerca 50 anos. É como se a cada meio século a cidade tivesse a chance de ser completamente refeita, afirma Correa. “Ao consertar o asfalto de uma via, já se deve fazer uma ciclovia ou implantar o sistema de ônibus.”
Correa é otimista em relação ao futuro das grandes cidades e seus habitantes. “Em dez anos vamos ver uma mudança no estilo de vida das pessoas e, ao olhar para trás, vamos dizer: ‘Como foi que fizemos um século tão mal?’. Espero que estejamos passando agora pelo pior momento”, desabafa.
Empresas propõem alternativas
Paralelamente a iniciativas do Poder Público, o setor privado se organiza e propõe alternativas para a mobilidade, como o projeto piloto de mobilidade Corporativa. a iniciativa do Banco mundial visa diminuir o número de carros circulando com apenas uma pessoa. para isso, oferece gratuitamente uma consultoria que mapeia onde os funcionários moram, como se locomovem e como gostariam de chegar ao trabalho.
A região escolhida para o teste foi a Berrini, em São Paulo. Além de ser um dos principais polos de emprego, lá 53% dos carros circulam com um passageiro, enquanto no resto da cidade a taxa é de 31%.
Entre as alternativas estudadas estão propostas como o sistema de caronas, o uso de bicicletas e de ônibus fretado. Outras medidas lidam mais com a gestão das empresas, como a adoção de home office, de turnos escalonados e fora do horário de pico.
“Queremos conscientizar as pessoas de que elas podem agir para melhorar o trânsito”, diz Andrea Leal, mestre em políticas públicas e uma das responsáveis pelo projeto. “Não é só o poder público que tem essa responsabilidade com o trânsito. As empresas influenciam muito na vida das pessoas”, diz.
O projeto propõe que as empresas tenham a vaga de coordenador de transportes – pessoa responsável por planos de mobilidade. O cargo é obrigatório por lei no estado de Washington, nos Estados Unidos. Lá, projetos como o do Banco Mundial mostraram eficiência: em uma planta da Microsoft de 40 mil funcionários, 40% deles deixaram de usar o carro e 16% escolheram o transporte público. O Seattle Children Hospital foi além e oferece US$ 3,25 por dia para o trabalhador que não chegar lá em seu carro.
Como andam os planos de mobilidade
A nova lei que exige dos municípios um Plano de Mobilidade (PM) surge como uma tentativa de diminuir os problemas de tráfego e baixos investimentos em transporte público pelo País afora. Poucas cidades têm um plano pronto, como Belo Horizonte e Porto Alegre. A capital gaúcha tem o seu documento desde 1970 e o reflexo disso é que hoje 50% da população usa o transporte público para os principais deslocamentos – é o maior índice do País. Foi também a primeira cidade a ter um plano cicloviário.
“Um Plano de Mobilidade é fundamental para o desenho urbano. Sem isso, parece que estamos sempre dando um ‘jeitinho’”, diz Ricardo Correa, da consultoria TC Urbes. “Em vez de melhorar a eficiência, apenas aumentam-se as linhas, ou colocam-se mais ônibus onde não cabem. Acaba funcionando, porém mal”, diz.
Segundo Ivan Whately, assessor especial da Secretaria Municipal de Transportes (SMT), até o final do ano São Paulo terá o seu primeiro Plano de Mobilidade para se encaixar na Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). Ele afirma que a cidade já tinha um documento que servia como PM, só não tinha esse nome. “Há muitas gestões fazemos Planos de Ação Estratégica, que preveem os investimentos e ações para o trânsito. O mais recente é de 2010 e tem como pilares os temas da mobilidade, do uso racional da matriz energética e da redução de acidentes e mortes no trânsito.”
O objetivo é fazer uma redistribuição modal para reverter os números de hoje: 45% das pessoas usam transporte particular e 55% transporte público. O objetivo é inverter para 30% e 70%, respectivamente. Segundo a secretaria, o transporte público é prioridade. O órgão trabalha para aumentar a velocidade média dos ônibus em 15% em relação a 2010, e incluir 2.250 veículos à frota de 15 mil ônibus, sem sobrecarregar o sistema viário da cidade. Esse ganho de veículos se explica pelo fato de que, com maior velocidade, os ônibus passam mais vezes no mesmo ponto, o que equivale a um aumento da frota. Em 2011, a velocidade desenvolvida pelos veículos que trafegam nos corredores exclusivos foi, em média, 7,5% superior à do ano anterior, nos horários de pico.[:en]
Se não é possível pôr abaixo uma cidade para refazê-la melhor, ao menos mudanças graduais são a chave para desatar o nó entre mobilidade e planejamento urbano
Dia desses ouvi de uma criança que a solução para acabar com os congestionamentos na cidade de São Paulo seria “derrubar tudo e começar de novo”. É um comentário inocente de quem ainda não entende de planejamento urbano, mas percebe que existe um nó entre a ocupação do espaço e a mobilidade.
“A cidade cresceu em meio à sobreposição de problemas e, se pudéssemos desfazer e construí-la de novo, seria mesmo bom. Mas São Paulo tem um nível de ocupação em que é difícil modificar a cidade sem impactar a vida das pessoas e sem gastar muito”, diz Fernando Gasperini, arquiteto e urbanista da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU). Mesmo assim, ressalta ele, é preciso investir em projetos que melhorem a cidade aos poucos.
Não é apenas São Paulo que sofre com os altos índices de congestionamento. Ao assumir o modelo de urbanização iniciado na década de 1950 nos Estados Unidos, todo o País arcou com as consequências de priorizar o veículo individual como ponto de partida. “O trânsito de hoje é consequência de um planejamento inadequado da cidade que há décadas privilegia os carros, em detrimento do transporte público”, diz Irineu Gnecco, diretor de Planejamento e Educação de Trânsito da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).
Nos anos 1950, foram instaladas três grandes montadoras de automóveis no País na região de São Bernardo do Campo (SP). Com as fábricas produzindo e os brasileiros comprando, observou-se a força de um mercado em ascensão. Tanto as montadoras quanto os motoristas exigiam novas ruas, largas avenidas e mais fluidez.
Os anos 1990 foram outro período importante no planejamento urbanístico das cidades. A partir de meados da década, com a economia um pouco mais estabilizada e inflação controlada, a construção civil ganhou força ao lado do financiamento de automóveis e motos. Prédios, shopping centers e carros brotaram nas cidades. “Chegamos a uma equação que não fecha. As montadoras podem até vender carros infinitamente, mas o espaço da cidade é finito. Temos de repensar o uso do carro e fazê-lo com moderação. Não é mais como antigamente”, admite Gnecco.
PLANEJAMENTO NÃO FALTA
Uma crítica comum a ser ouvida sobre a situação do trânsito atual é a de que nunca houve planejamento na cidade de São Paulo. Camila Maleronka, urbanista e administradora da SP Urbanismo, empresa pública ligada à SMDU, chama isso de “falácia”. “Planejamento sempre existiu. O que faltou ao longo dos anos foi capacidade de implementação. Um bom plano nunca é jogado fora mesmo quando o prefeito muda”, diz.
Camila ressalta que antes dos anos 1990 era mais difícil desenvolver planejamento de longo prazo, devido à inflação, que tornava o cenário incerto para investimentos. Hoje, afirma Camila, o problema é outro: falta de integração entre as políticas dos níveis municipais, estaduais e federal.
Em São Paulo, foi criado o Comitê de Desenvolvimento Interno de Transportes (DCTI) justamente para alinhar as ações da CET, EMTU, CPTM, governo, prefeitura da capital e das cidades do estado de São Paulo. “O Comitê discute o planejamento em termos de mobilidade de todo o estado. É importante porque a cidade tem de se integrar completamente com os municípios em seu entorno”, explica Gnecco.
A integração entre municípios e o governo federal também tende a aumentar devido à Política Nacional de Mobilidade Urbana. A lei passou a vigorar em abril e incentivará uma mudança nos paradigmas de investimentos. Agora, municípios com mais de 20 mil habitantes devem ter um plano de mobilidade, sob pena de perderem recursos públicos federais se assim não o fizerem. A lei dá prioridade ao transporte não motorizado e aos serviços públicos coletivos, além da integração entre os modais. A cidade de São Paulo deverá ter o seu Plano de Mobilidade Urbana baseado no Plano de Ação Estratégica. (leia texto no final da página)
TODO MUNDO USA
Para melhorar o tráfego da cidade de São Paulo, a CET estuda medidas que desestimulem o uso de automóveis, como a proibição de estacioná-los nas ruas. Além, claro, de investimentos em transporte coletivo: a tendência é que os carros percam faixas para os ônibus, que circularão por corredores. Para Gnecco, da CET, quando o motorista perceber que o transporte público tem qualidade e flui melhor que seu carro, vai se interessar.
“Para funcionar, tem de ser desejado por todas as classes. É como os chinelos Havaianas: um produto que era considerado de classe baixa, vira objeto com valor.” Ele acredita que isso não está longe de acontecer: “A população está madura para discutir se o carro é mesmo a solução de mobilidade das cidades porque vivencia o caos diário”, diz, e cita os bons resultados com o Programa de Proteção ao Pedestre [1].
[1] Desde o lançamento do programa na capital paulista, há um ano, o número de mortes por atropelamento caiu em 40% no centro expandido e em 10% em toda a cidade
A mudança de comportamento dos paulistanos e a integração entre os níveis de gestão pública é um bom indicativo para o fenômeno chamado “sãopaulificação”. Ricardo Correa, urbanista da consultoria TC Urbes, explica que cidades médias e pequenas tomaram por muito tempo o modelo de crescimento de São Paulo como exemplo. “Copiam também o que há de errado, como os condomínios fechados e os bairros-dormitórios. Jundiaí, por exemplo, já tem uma relação entre habitantes e carros maior que a da capital”, diz.
A TC Urbes foi responsável por um projeto para melhorar a mobilidade em São José dos Campos (SP). Enquanto a consultoria propunha investimentos em ciclovias e transporte público, a prefeitura apresentava projetos de expansão de avenidas. Correa deparou-se, então, com os dilemas de transição entre dois modelos de urbanização: o que São Paulo criou nos anos 1950 e um novo, que prioriza o ser humano e o transporte não motorizado.
Mas não é só de maus exemplos que São Paulo é feita. Boas práticas também surgiram por aqui, como o Bilhete Único, que foi amplamente copiado. “A cidade é tão problemática que temos um cenário favorável a inovações. Temos de pensar alto”, diz Fernando Gasperini, da SMDU.
Na região paulistana da Berrini, o Banco Mundial está implementando o Projeto Piloto de Mobilidade Corporativa, para diminuir o número de pessoas que vão para o trabalho sozinhas em seus carros. O banco estimula o uso de formas alternativas, como a bicicleta e a carona, e propõe que empresas tenham no quadro de funcionários a vaga de coordenador de transportes. (mais no texto no final da página)
O OVO OU A GALINHA
É justamente nos deslocamentos de casa para o trabalho (e vice-versa) que está um dos principais nós da mobilidade urbana. Então, uma das soluções – mais do que discutidas – é descentralizar a oferta de empregos. Entra aí a questão de como refazer o espaço urbano e criar empregos nas periferias.
Camila Maleronka, da SP Urbanismo, diz que, para tratar da questão ocupação do solo de uma cidade já construída e a oferta de mobilidade, surge um dilema: a presença de uma linha de transportes é que induz a ocupação de um bairro ou é a ocupação que gera a necessidade de criar mais linhas?
São Paulo já teve como polos comerciais o Centro Velho, a Avenida Paulista e, agora, a região da Berrini, na Zona Sul. Hoje, a prefeitura tenta descentralizar as empresas e o comércio através das chamadas Operações Urbanas, que dão incentivos fiscais e visam melhorias em regiões predeterminadas através de parcerias entre o Poder Público e a iniciativa privada. “Mas ainda é preciso mais”, afirma Gnecco.
Em Ermelino Matarazzo, no extremo Leste de São Paulo, por exemplo, existe um emprego para cada 36 habitantes. Para reverter o quadro e melhorar a mobilidade de quem precisa ir a outros bairros, foi lançado o projeto “Conectar Ermelino Matarazzo”. Idealizado pelo deputado federal José de Filippi Jr. (PT-SP), é baseado no conceito “cidade 20 minutos”: uma boa cidade é aquela em que os deslocamentos básicos devem levar no máximo 20 minutos qualquer que seja o modal usado. (mais sobre walkability em Olha Isso!)
“A melhor viagem que você faz no seu bairro é a que não precisa fazer”, diz o deputado. O projeto pesquisou a região para entender quais as demandas da população e vai criar um documento com o desenho do “bairro ideal”, além de apontar investimentos necessários, como a construção de agências bancárias e espaços de cultura.
ORGANISMO VIVO
Se mudanças nas estruturas de uma cidade demoram para acontecer, ao menos resta o consolo de que elas não são impossíveis. “Cidades são organismos vivos, sempre em manutenção. Não é preciso derrubá-la inteira para reconstruí-la. Pode-se fazer isso aos poucos”, diz Ricardo Correa, da TC Urbes.
A infraestrutura da cidade (como a rede elétrica, a de esgoto, a hidráulica e o asfalto) dura cerca 50 anos. É como se a cada meio século a cidade tivesse a chance de ser completamente refeita, afirma Correa. “Ao consertar o asfalto de uma via, já se deve fazer uma ciclovia ou implantar o sistema de ônibus.”
Correa é otimista em relação ao futuro das grandes cidades e seus habitantes. “Em dez anos vamos ver uma mudança no estilo de vida das pessoas e, ao olhar para trás, vamos dizer: ‘Como foi que fizemos um século tão mal?’. Espero que estejamos passando agora pelo pior momento”, desabafa.
Empresas propõem alternativas
Paralelamente a iniciativas do Poder Público, o setor privado se organiza e propõe alternativas para a mobilidade, como o projeto piloto de mobilidade Corporativa. a iniciativa do Banco mundial visa diminuir o número de carros circulando com apenas uma pessoa. para isso, oferece gratuitamente uma consultoria que mapeia onde os funcionários moram, como se locomovem e como gostariam de chegar ao trabalho.
A região escolhida para o teste foi a Berrini, em São Paulo. Além de ser um dos principais polos de emprego, lá 53% dos carros circulam com um passageiro, enquanto no resto da cidade a taxa é de 31%.
Entre as alternativas estudadas estão propostas como o sistema de caronas, o uso de bicicletas e de ônibus fretado. Outras medidas lidam mais com a gestão das empresas, como a adoção de home office, de turnos escalonados e fora do horário de pico.
“Queremos conscientizar as pessoas de que elas podem agir para melhorar o trânsito”, diz Andrea Leal, mestre em políticas públicas e uma das responsáveis pelo projeto. “Não é só o poder público que tem essa responsabilidade com o trânsito. As empresas influenciam muito na vida das pessoas”, diz.
O projeto propõe que as empresas tenham a vaga de coordenador de transportes – pessoa responsável por planos de mobilidade. O cargo é obrigatório por lei no estado de Washington, nos Estados Unidos. Lá, projetos como o do Banco Mundial mostraram eficiência: em uma planta da Microsoft de 40 mil funcionários, 40% deles deixaram de usar o carro e 16% escolheram o transporte público. O Seattle Children Hospital foi além e oferece US$ 3,25 por dia para o trabalhador que não chegar lá em seu carro.
Como andam os planos de mobilidade
A nova lei que exige dos municípios um Plano de Mobilidade (PM) surge como uma tentativa de diminuir os problemas de tráfego e baixos investimentos em transporte público pelo País afora. Poucas cidades têm um plano pronto, como Belo Horizonte e Porto Alegre. A capital gaúcha tem o seu documento desde 1970 e o reflexo disso é que hoje 50% da população usa o transporte público para os principais deslocamentos – é o maior índice do País. Foi também a primeira cidade a ter um plano cicloviário.
“Um Plano de Mobilidade é fundamental para o desenho urbano. Sem isso, parece que estamos sempre dando um ‘jeitinho’”, diz Ricardo Correa, da consultoria TC Urbes. “Em vez de melhorar a eficiência, apenas aumentam-se as linhas, ou colocam-se mais ônibus onde não cabem. Acaba funcionando, porém mal”, diz.
Segundo Ivan Whately, assessor especial da Secretaria Municipal de Transportes (SMT), até o final do ano São Paulo terá o seu primeiro Plano de Mobilidade para se encaixar na Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). Ele afirma que a cidade já tinha um documento que servia como PM, só não tinha esse nome. “Há muitas gestões fazemos Planos de Ação Estratégica, que preveem os investimentos e ações para o trânsito. O mais recente é de 2010 e tem como pilares os temas da mobilidade, do uso racional da matriz energética e da redução de acidentes e mortes no trânsito.”
O objetivo é fazer uma redistribuição modal para reverter os números de hoje: 45% das pessoas usam transporte particular e 55% transporte público. O objetivo é inverter para 30% e 70%, respectivamente. Segundo a secretaria, o transporte público é prioridade. O órgão trabalha para aumentar a velocidade média dos ônibus em 15% em relação a 2010, e incluir 2.250 veículos à frota de 15 mil ônibus, sem sobrecarregar o sistema viário da cidade. Esse ganho de veículos se explica pelo fato de que, com maior velocidade, os ônibus passam mais vezes no mesmo ponto, o que equivale a um aumento da frota. Em 2011, a velocidade desenvolvida pelos veículos que trafegam nos corredores exclusivos foi, em média, 7,5% superior à do ano anterior, nos horários de pico.