Desde o Instituto Cajamar, dos idos do outro século, até a atualíssima plataforma digital Goára para o desenvolvimento local, os meios mudaram, mas não o fim: formar lideranças para o exercício de políticas de base
Nas palavras deixadas pelo filósofo e educador Paulo Freire, o Instituto Cajamar, do qual foi presidente de honra, “nasceu do desejo dos trabalhadores urbanos e rurais de tomar conta de sua própria formação política”. A Goára, por sua vez, “é uma rede que conecta pessoas de um mesmo território e fornece funcionalidades através das quais elas próprias podem gerir e transformar o espaço em que vivem”, define o idealizador da plataforma digital, o administrador Lucas de Abreu Pinto, de 25 anos. Duas iniciativas de formação política diferentes, mas nem tanto assim.
O Instituto Cajamar, que funcionou em uma chácara em município homônimo da Grande São Paulo, foi uma espécie de celeiro de quadros para o Partido dos Trabalhadores nos anos 1980 e 1990. Quase 3 mil pessoas ávidas por participação política, depois de 21 longos anos de ditadura militar, experimentaram seus cursos de capacitação de dirigentes sindicais, lideranças populares, militantes partidários e monitores de formação política.
Vários desses ex-alunos exercem ou exerceram mandatos políticos e sindicais e, na época, propunham um jeito novo de atuação política, baseada no rigor ético das relações partidárias e na autonomia dos movimentos sociais em relação a governos e partidos, além de uma relação de igual para igual entre os saberes popular e acadêmico. Mas essas águas passaram e perdeu-se a oportunidade de redesenhar o modelo político institucional brasileiro naquele momento.
Agora, uma nova geração de lideranças, principalmente comunitárias, começa a demandar um tipo de formação política mais voltada para conceitos de cidadania, sustentabilidade e desenvolvimento local e na formulação, gestão e financiamento de políticas públicas. Um sinal desse maior interesse vem da Escola de Governo, uma das mais antigas instituições de formação política cidadã em operação no País.
Com dois cursos voltados para a cidadania ativa, um deles de graça, a escola tem deixado de atender semestralmente a um número quatro vezes superior à sua capacidade atual, de 80 alunos. A maior parte dessa demanda é composta por agentes comunitários e articuladores de movimentos sociais que querem ter mais conhecimento teórico para melhorar organização social em suas comunidades.
Fundada em 1991 por um grupo de acadêmicos da Universidade de São Paulo, entre os quais o jurista Fabio Konder Comparato e a socióloga Maria Victoria Benevides, a Escola de Governo teve uma repercussão tão abrangente que, no ano seguinte, foi preciso criar a Rede Brasileira de Formação de Governantes.
Hoje a escola está presente em nove outras cidades, sempre ligada às universidades locais, promovendo uma formação baseada em cinco pilares: desenvolvimento sustentável, defesa incondicional dos direitos humanos, respeito aos valores republicanos, democracia participativa e ética na política.
Até hoje 3,5 mil alunos se formaram na unidade paulista, entre eles o psicólogo Maurício Piragino, atual diretor – voluntário – da instituição. Além dos cursos, a Escola de Governo promove também algumas ações políticas não partidárias em parceria com a Rede Nossa São Paulo, como a luta pela descentralização do poder por meio do fortalecimento das subprefeituras. “Nos parece claro que as subprefeituras deveriam ser um espaço de participação do cidadão”, observa ele.
CAMPANHA POLÍTICA
Em 2013 deverá surgir uma nova iniciativa no campo da capacitação de líderes políticos, a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps). O apoio virá do Instituto Arapyaú, uma organização voltada para a educação e o desenvolvimento sustentável, criada pelo empresário Guilherme Leal, fundador da Natura. O projeto, ainda em fase-piloto, pretende identificar, atrair e capacitar aspirantes ao mundo da política que pretendam desenvolver ações alinhadas à sustentabilidade.
Nessa proposta, o conteúdo terá um foco bem definido para um contexto eleitoral. Pretende-se abordar, por exemplo, todos os aspectos de uma campanha política. Por exemplo, como mobilizar eleitores, como se dirigir a eles, como fazer levantamento de fundos via redes sociais etc. Os eventuais participantes, segundo o diretor-executivo da Raps, Marcos Vinícius de Campos, poderão ser recrutados no mundo empresarial, estudantil, sindical, comunitário e mesmo entre os iniciados na política. “A questão central é que essas pessoas estejam alinhadas eticamente”, afirma. “Para isso estamos construindo um processo de governança muito rigoroso”, conclui, sem mais detalhes.
MODELO VIRTUAL
“Goara”, sem o acento agudo, em tupi-guarani é uma referência aos que habitam a Terra por efeito da própria vontade, ou seja, significa ter orgulho do lugar ao qual se pertence. Tudo a ver com a proposta da plataforma digital, cujo protótipo está em fase de testes no conjunto Palmas – uma comunidade na periferia de Fortaleza em estágio avançado de desenvolvimento local e com um forte histórico de inserções tecnológicas, entre elas a transferência financeira via celular para estimular o comércio local. (mais na reportagem “A solução está aqui”, edição 66)
A plataforma é uma nova mídia na qual os moradores de uma mesma comunidade poderão se interconectar e, em um primeiro momento, estabelecer laços afetivos. Para Lucas de Abreu, “a coisa mais importante da vida é o relacionamento interpessoal e a Goára quer abrir essa porta nas comunidades”. A partir desse estágio, a plataforma terá todos os ingredientes para operar também como um instrumento político com grande poder mobilizador. Ou seja, a Goára tem pretensões de ajudar as comunidades locais a entrar mais bem organizadas no jogo político, assumindo um papel mais ativo na luta por transformações.
O autor do projeto explica que, à medida que a complexidade das cidades aumenta, o poder constituído leva mais tempo para resolver menos problemas. Sendo assim, nada mais claro que as pessoas se empoderem no espaço em que vivem. Para isso, entretanto, precisam conhecer muito bem esses problemas e as soluções. A interconexão entre os moradores de uma mesma realidade será um facilitador de todo esse processo. Vencido o desafio de difundir a plataforma Goára Brasil adentro, “o céu é o limite para o que se poderá gerar em termos de desenvolvimento local”, diz.[:en]Desde o Instituto Cajamar, dos idos do outro século, até a atualíssima plataforma digital Goára para o desenvolvimento local, os meios mudaram, mas não o fim: formar lideranças para o exercício de políticas de base
Nas palavras deixadas pelo filósofo e educador Paulo Freire, o Instituto Cajamar, do qual foi presidente de honra, “nasceu do desejo dos trabalhadores urbanos e rurais de tomar conta de sua própria formação política”. A Goára, por sua vez, “é uma rede que conecta pessoas de um mesmo território e fornece funcionalidades através das quais elas próprias podem gerir e transformar o espaço em que vivem”, define o idealizador da plataforma digital, o administrador Lucas de Abreu Pinto, de 25 anos. Duas iniciativas de formação política diferentes, mas nem tanto assim.
O Instituto Cajamar, que funcionou em uma chácara em município homônimo da Grande São Paulo, foi uma espécie de celeiro de quadros para o Partido dos Trabalhadores nos anos 1980 e 1990. Quase 3 mil pessoas ávidas por participação política, depois de 21 longos anos de ditadura militar, experimentaram seus cursos de capacitação de dirigentes sindicais, lideranças populares, militantes partidários e monitores de formação política.
Vários desses ex-alunos exercem ou exerceram mandatos políticos e sindicais e, na época, propunham um jeito novo de atuação política, baseada no rigor ético das relações partidárias e na autonomia dos movimentos sociais em relação a governos e partidos, além de uma relação de igual para igual entre os saberes popular e acadêmico. Mas essas águas passaram e perdeu-se a oportunidade de redesenhar o modelo político institucional brasileiro naquele momento.
Agora, uma nova geração de lideranças, principalmente comunitárias, começa a demandar um tipo de formação política mais voltada para conceitos de cidadania, sustentabilidade e desenvolvimento local e na formulação, gestão e financiamento de políticas públicas. Um sinal desse maior interesse vem da Escola de Governo, uma das mais antigas instituições de formação política cidadã em operação no País.
Com dois cursos voltados para a cidadania ativa, um deles de graça, a escola tem deixado de atender semestralmente a um número quatro vezes superior à sua capacidade atual, de 80 alunos. A maior parte dessa demanda é composta por agentes comunitários e articuladores de movimentos sociais que querem ter mais conhecimento teórico para melhorar organização social em suas comunidades.
Fundada em 1991 por um grupo de acadêmicos da Universidade de São Paulo, entre os quais o jurista Fabio Konder Comparato e a socióloga Maria Victoria Benevides, a Escola de Governo teve uma repercussão tão abrangente que, no ano seguinte, foi preciso criar a Rede Brasileira de Formação de Governantes.
Hoje a escola está presente em nove outras cidades, sempre ligada às universidades locais, promovendo uma formação baseada em cinco pilares: desenvolvimento sustentável, defesa incondicional dos direitos humanos, respeito aos valores republicanos, democracia participativa e ética na política.
Até hoje 3,5 mil alunos se formaram na unidade paulista, entre eles o psicólogo Maurício Piragino, atual diretor – voluntário – da instituição. Além dos cursos, a Escola de Governo promove também algumas ações políticas não partidárias em parceria com a Rede Nossa São Paulo, como a luta pela descentralização do poder por meio do fortalecimento das subprefeituras. “Nos parece claro que as subprefeituras deveriam ser um espaço de participação do cidadão”, observa ele.
CAMPANHA POLÍTICA
Em 2013 deverá surgir uma nova iniciativa no campo da capacitação de líderes políticos, a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps). O apoio virá do Instituto Arapyaú, uma organização voltada para a educação e o desenvolvimento sustentável, criada pelo empresário Guilherme Leal, fundador da Natura. O projeto, ainda em fase-piloto, pretende identificar, atrair e capacitar aspirantes ao mundo da política que pretendam desenvolver ações alinhadas à sustentabilidade.
Nessa proposta, o conteúdo terá um foco bem definido para um contexto eleitoral. Pretende-se abordar, por exemplo, todos os aspectos de uma campanha política. Por exemplo, como mobilizar eleitores, como se dirigir a eles, como fazer levantamento de fundos via redes sociais etc. Os eventuais participantes, segundo o diretor-executivo da Raps, Marcos Vinícius de Campos, poderão ser recrutados no mundo empresarial, estudantil, sindical, comunitário e mesmo entre os iniciados na política. “A questão central é que essas pessoas estejam alinhadas eticamente”, afirma. “Para isso estamos construindo um processo de governança muito rigoroso”, conclui, sem mais detalhes.
MODELO VIRTUAL
“Goara”, sem o acento agudo, em tupi-guarani é uma referência aos que habitam a Terra por efeito da própria vontade, ou seja, significa ter orgulho do lugar ao qual se pertence. Tudo a ver com a proposta da plataforma digital, cujo protótipo está em fase de testes no conjunto Palmas – uma comunidade na periferia de Fortaleza em estágio avançado de desenvolvimento local e com um forte histórico de inserções tecnológicas, entre elas a transferência financeira via celular para estimular o comércio local. (mais na reportagem “A solução está aqui”, edição 66)
A plataforma é uma nova mídia na qual os moradores de uma mesma comunidade poderão se interconectar e, em um primeiro momento, estabelecer laços afetivos. Para Lucas de Abreu, “a coisa mais importante da vida é o relacionamento interpessoal e a Goára quer abrir essa porta nas comunidades”. A partir desse estágio, a plataforma terá todos os ingredientes para operar também como um instrumento político com grande poder mobilizador. Ou seja, a Goára tem pretensões de ajudar as comunidades locais a entrar mais bem organizadas no jogo político, assumindo um papel mais ativo na luta por transformações.
O autor do projeto explica que, à medida que a complexidade das cidades aumenta, o poder constituído leva mais tempo para resolver menos problemas. Sendo assim, nada mais claro que as pessoas se empoderem no espaço em que vivem. Para isso, entretanto, precisam conhecer muito bem esses problemas e as soluções. A interconexão entre os moradores de uma mesma realidade será um facilitador de todo esse processo. Vencido o desafio de difundir a plataforma Goára Brasil adentro, “o céu é o limite para o que se poderá gerar em termos de desenvolvimento local”, diz.