A notícia de que seis sismólogos italianos foram condenados a seis anos de prisão em um processo relacionado ao terremoto de 2009 em L’Aquila abalou a comunidade científica internacional. Eles ainda têm direito a recurso.
Não faltaram alertas de que, diante do veredito, os cientistas provavelmente vão mudar o modo de se comunicar com o público, ou mantendo-se totalmente calados diante de riscos como os de terremotos ou exagerando os mesmos riscos para evitar um desfecho como no caso dos italianos. Mas antes mesmo que o episódio produza tais efeitos, ele revela a sinuca de bico em que se encontra a ciência nesses meados de século XXI.
Depois de séculos construindo conhecimento a partir de método e experimentação, a ciência hoje é chamada a produzir certezas — espera-se que ela nos dê as ferramentas para controlar a natureza. Agimos como se houvesse dano a reparar quando placas tectônicas ajustam-se sob nossa civilização, esquecendo que fazemos parte do planeta, não apenas vivemos sobre ele. A ciência, empreitada mais humana impossível, pouco pode fazer além de usar as incertezas que sempre nos cercarão para indicar a ação prudente.
Não há dúvida de que a ciência moderna transformou o planeta e a vida dos seres humanos. “O seu alarme digital, a previsão do tempo, o asfalto sobre o qual você dirige, o ônibus que você toma, o seu telefone celular, o antibiótico que cura sua dor de garganta, a água limpa que sai da sua torneira e a luz que você desliga no fim do dia, tudo isso lhe é oferecido cortesia da ciência”, lembra o website Understanding Science.
Os resultados do método científico são tão onipresentes em nossas vidas que nos esquecemos que dependemos deles todos os dias. A não ser em uma situação como a da cidade italiana de L’Aquila, que sofre por ter sido construída sobre a base de um antigo lago, característica que amplifica as ondas sísmicas e aumenta a vulnerabilidade a terremotos.
Dias antes do terremoto de 6,3 pontos na escala Ritcher que chacoalhou a cidade em abril de 2009, a população tinha os nervos à flor da pele devido a pequenos tremores que vinham ocorrendo há meses. E ao fato de que um ex-técnico de laboratório previu um forte terremoto com base nas concentrações locais de Rádon, gás nobre radioativo resultado do decaimento de Urânio e Tório que emana naturalmente da terra. O uso de Rádon para prever terremotos é controverso.
Para acalmar a população, foi chamada uma reunião da comissão nacional que avalia grandes riscos em que os seis sismólogos ofereceram sua análise da situação. As autoridades comunicaram os resultados da discussão em uma conferência de imprensa. Como consequência, muitos residentes optaram por permanencer em casa em vez de dormir ao aberto como prevenção. Tragicamente, o terremoto matou 306 pessoas e deixou centenas de feridos. A revista Nature publicou um detalhado relato dos fatos.
O que a população de L’Aquila queria era certeza – como agir diante da possibilidade de haver um forte terremoto? Para acalmar os residentes, as autoridades foram buscar certeza na ciência. O resultado foi trágico.
Para o cidadão comum, incerteza significa não saber. Para um cientista, a incerteza mostra quanto se sabe sobre algo, lembra a Union of Concerned Scientists, um grupo americano sem fins lucrativos de cientistas e cidadãos.
“Conhecimento e ignorância são o ‘yin e yang’ da compreensão”, escreveu o biólogo Robert Root-Bernstein. “Você não pode ter um sem ter o outro, e, quando eles estão fora de equilíbrio, o mundo está com problemas.”
Sem dúvida há problemas quando as pessoas perdem a capacidade de lidar com as incertezas associadas ao mundo natural. Interessante notar que relatos dos acontecimentos em L’Aquila dão conta de que os residentes mais velhos, que confiam mais na memória do que nos meios de comunicação, optaram por dormir ao ar livre e escaparam dos piores efeitos do terremoto.
O caso de L’Aquila, ademais, pede uma rápida comparação com o pseudo-debate sobre as mudanças climáticas. Enquanto busca-se na ciência a certeza sobre quando e quanto a terra vai tremer, faz-se ouvidos moucos para os alertas que os cientistas soam há décadas sobre os efeitos das mudanças do clima causadas pelas atividades humanas.
Por muito tempo, argumentou-se que não havia consenso científico sobre a natureza e os efeitos das mudanças climáticas. Hoje, diante da impossibilidade de afirmar que os cientistas discordam sobre o tema, diz-se que não se pode associar eventos extremos como secas e enchentes às mudanças do clima.
Quando James Hansen, pesquisador da Nasa, produz artigo científico em que tenta relacionar eventos extraordinários como as secas recentes nos Estados Unidos à mudança do clima, é acusado de ativismo. Os cientistas relutam em advogar a ação para mitigar as mudanças climáticas diante do clamor de que não se envolvam em política.
Mas quando estiverem claros os impactos das alterações do clima provocadas pelos homens, a quem vamos processar?