Um agricultor conseguiu barrar o avanço do Saara, mas no mundo a desertificação deve crescer 10% até 2100. Enquanto isso, 15% do território brasileiro está suscetível ao fenômeno
Yacouba Sawadogo é um agricultor analfabeto do Norte de Burkina Fasso, onde as savanas do Sahel encontram o deserto do Saara. Boa parte de sua família partiu durante a grande seca dos anos 1980, mas Sawadogo ficou lá, disposto a cuidar de seus 31 filhos e três esposas e a guardar o túmulo do pai. (Assista a vídeo ao lado)
Para sobreviver, repensou técnicas agrícolas tradicionais: começou a construir carreiras de pedras para acumular a pouca chuva, formando minibarragens, onde as sementes são alojadas. As covas também recebem esterco, que aumenta a produtividade do sorgo e do painço. E, como o esterco vinha carregado de sementes, pequenas mudas de árvores começaram a germinar em meio às culturas anuais. A insistência de Sawadogo em propagar árvores rendeu-lhe fama de louco e oposição das autoridades locais. Mas, com o tempo, as plantas criam um microcosmos com capacidade de replicação, concentrando cada vez mais água e fertilidade.
Graças a seu engenho, formou-se uma floresta de 15 hectares que brecou a expansão do Saara rumo ao sul e garantiu à sua família sustento tanto nos anos bons quanto nos mais secos. E, como ele compartilhou sua experiência com outros produtores da região, florestas semelhantes pipocaram aqui e ali. “Yacouba, sozinho, teve mais impacto sobre a conservação do solo do Sahel do que todos os investimentos nacionais e internacionais somados”, comenta Chris Reij, geógrafo da Universidade Vrije, de Amsterdã, que acompanhou de perto o trabalho do africano.
A história de Sawadogo é exceção. Em outras partes da África, o Saara avança sobre o Sahel a um ritmo de 1 quilômetro a cada três anos. É um quadro que se repete em todos os semiáridos do mundo, devido às crescentes pressões climáticas, ao desmatamento e aos excessos da agricultura e da irrigação. No cabo de guerra entre terras férteis e desertos, estes têm ganhado de lavada.
Os desertos, ou áreas hiperáridas, cobrem 9,8 milhões de quilômetros quadrados, ou 6,6% da terra firme no planeta, lar de 101 mil pessoas. E, a cada ano, 120 mil quilômetros quadrados de solos férteis, três vezes a área da Suíça, engrossam essa porcentagem. Mais de 1 bilhão de pessoas que vivem em regiões semiáridas correm risco real de perder seu sustento, dos Pampas argentinos à Tundra siberiana. Estimativas conservadoras do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática indicam que os desertos se expandirão 10% globalmente até 2100.
O problema é particularmente grave na China. Ao longo dos últimos 50 anos, cerca de 24 mil aldeias no Norte e no Oeste do país foram abandonadas ou esvaziadas pela constante expansão dos desertos. Mas, também ali, a construção de barreiras verdes traz esperança.
Um dos principais projetos de resistências é a Grande Muralha Verde, tocado por estudantes chineses e sul-coreanos, que já plantaram 5,2 milhões de mudas nos limites do deserto de Kubuqi, na Mongólia Interior, formando uma barreira de 16 quilômetros. Cerca de 70% das mudas prosperaram. O grupo almeja plantar 1 bilhão de árvores de espécies resistentes aos rigores de um dos desertos mais frios do mundo, para barrar os “Dragões Amarelos”, tempestades de areia que nascem por lá e varrem vários países da região – daí o engajamento dos sul-coreanos no projeto.
O Brasil, claro, não está alheio ao problema. Quase 1.500 municípios brasileiros em Minas Gerais e no Nordeste – 15% do território nacional – são suscetíveis à desertificação. Em fevereiro de 2013, Fortaleza sediará a 2a Conferência Científica da Convenção das Nações Unidas sobre Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos de Secas. O assunto nunca teve o sex-appeal do aquecimento global e a perda da biodiversidade, mas a conferência pode ser uma boa desculpa para dar à desertificação a atenção que merece.
*Regina Scharf é jornalista especializada em meio ambiente[:en]Um agricultor conseguiu barrar o avanço do Saara, mas no mundo a desertificação deve crescer 10% até 2100. Enquanto isso, 15% do território brasileiro está suscetível ao fenômeno
Yacouba Sawadogo é um agricultor analfabeto do Norte de Burkina Fasso, onde as savanas do Sahel encontram o deserto do Saara. Boa parte de sua família partiu durante a grande seca dos anos 1980, mas Sawadogo ficou lá, disposto a cuidar de seus 31 filhos e três esposas e
a guardar o túmulo do pai. (Assista a vídeo ao lado)
Para sobreviver, repensou técnicas agrícolas tradicionais: começou a construir carreiras de pedras para acumular a pouca chuva, formando minibarragens, onde as sementes são alojadas. As covas também recebem esterco, que aumenta a produtividade do sorgo e do painço. E, como o esterco vinha carregado de sementes, pequenas mudas de árvores começaram a germinar em meio às culturas anuais. A insistência de Sawadogo em propagar árvores rendeu-lhe fama de louco e oposição das autoridades locais. Mas, com o tempo, as plantas criam um microcosmos com capacidade de replicação, concentrando cada vez mais água e fertilidade.
Graças a seu engenho, formou-se uma floresta de 15 hectares que brecou a expansão do Saara rumo ao sul e garantiu à sua família sustento tanto nos anos bons quanto nos mais secos. E, como ele compartilhou sua experiência com outros produtores da região, florestas semelhantes pipocaram aqui e ali. “Yacouba, sozinho, teve mais impacto sobre a conservação do solo do Sahel do que todos os investimentos nacionais e internacionais somados”, comenta Chris Reij, geógrafo da Universidade Vrije, de Amsterdã, que acompanhou de perto o trabalho do africano.
A história de Sawadogo é exceção. Em outras partes da África, o Saara avança sobre o Sahel a um ritmo de 1 quilômetro a cada três anos. É um quadro que se repete em todos os semiáridos do mundo, devido às crescentes pressões climáticas, ao desmatamento e aos excessos da agricultura e da irrigação. No cabo de guerra entre terras férteis e desertos, estes têm ganhado de lavada.
Os desertos, ou áreas hiperáridas, cobrem 9,8 milhões de quilômetros quadrados, ou 6,6% da terra firme no planeta, lar de 101 mil pessoas. E, a cada ano, 120 mil quilômetros quadrados de solos férteis, três vezes a área da Suíça, engrossam essa porcentagem. Mais de 1 bilhão de pessoas que vivem em regiões semiáridas correm risco real de perder seu sustento, dos Pampas argentinos à Tundra siberiana. Estimativas conservadoras do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática indicam que os desertos se expandirão 10% globalmente até 2100.
O problema é particularmente grave na China. Ao longo dos últimos 50 anos, cerca de 24 mil aldeias no Norte e no Oeste do país foram abandonadas ou esvaziadas pela constante expansão dos desertos. Mas, também ali, a construção de barreiras verdes traz esperança.
Um dos principais projetos de resistências é a Grande Muralha Verde, tocado por estudantes chineses e sul-coreanos, que já plantaram 5,2 milhões de mudas nos limites do deserto de Kubuqi, na Mongólia Interior, formando uma barreira de 16 quilômetros. Cerca de 70% das mudas prosperaram. O grupo almeja plantar 1 bilhão de árvores de espécies resistentes aos rigores de um dos desertos mais frios do mundo, para barrar os “Dragões Amarelos”, tempestades de areia que nascem por lá e varrem vários países da região – daí o engajamento dos sul-coreanos no projeto.
O Brasil, claro, não está alheio ao problema. Quase 1.500 municípios brasileiros em Minas Gerais e no Nordeste – 15% do território nacional – são suscetíveis à desertificação. Em fevereiro de 2013, Fortaleza sediará a 2a Conferência Científica da Convenção das Nações Unidas sobre Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos de Secas. O assunto nunca teve o sex-appeal do aquecimento global e a perda da biodiversidade, mas a conferência pode ser uma boa desculpa para dar à desertificação a atenção que merece.
*Regina Scharf é jornalista especializada em meio ambiente