Na busca de resfriar a Terra, a geoengenharia é um conceito pra lá de tentador, que parece atrair tanto aventureiros como os empresários mais prudentes
O empresário americano Russ George persuadiu a comunidade indígena de Haida Gwaii, um arquipélago canadense, a investir US$ 1 milhão num projeto radical de sequestro de carbono. Em julho, a bordo de um pesqueiro, ele despejou 100 toneladas de sulfato de ferro nas águas do Pacífico para estimular a proliferação de plâncton.
George havia tentado realizar experimentos semelhantes em Galápagos e nas Ilhas Canárias, mas os governos do Equador e da Espanha proibiram que ele utilizasse seus portos. George teve mais sorte em Haida Gwaii, convencendo os nativos de que a fertilização oceânica aumentaria a produção de salmão e que eles poderiam vender créditos de carbono gerados.
Imagens de satélite indicam que a flora marinha efetivamente explodiu em uma área de 10 mil quilômetros quadrados, mudando completamente aquele ecossistema.
Mas ninguém sabe ao certo quais serão as consequências dessa intervenção radical. A iniciativa, claro, horrorizou grupos ambientalistas pela sua magnitude e absoluta falta de controle, violando mais de uma convenção internacional.
Em outubro, inspirados pelo episódio, os 193 países signatários da Convenção da Biodiversidade indicaram a necessidade de se aproximar do tema com precaução, dada a “falta de mecanismos regulatórios e de controle baseados na ciência, globais, transparentes e eficazes”, particularmente nos projetos de geoengenharia transfronteiriços. Mas a Conferência das Partes não aprovou uma moratória, como proposto por várias não governamentais.
A aventura em Haida Gwaii é apenas a ponta do florescente mercado da geoengenharia – ações em larga escala que visam resfriar a Terra. Muitos cientistas convertidos em empresários acreditam que o gás carbônico pode ser minerado na atmosfera, passando de poluente a commodity.
“O resíduo mais abundante da humanidade é o CO2. Geramos 30 gigatoneladas anuais”, diz Nathaniel David, um ph.D em Biologia Molecular que preside uma das líderes desse setor, a Kilimanjaro Energy. “Ele é incrivelmente valioso e hoje nós simplesmente deixamos que ele saia pelas chaminés. E se pudéssemos, de alguma forma, capturá-lo e ganhar dinheiro com isso?”
Fundada em 2004, a Kilimanjaro levantou uma dezena de milhões de dólares e é a pioneira desse mercado. Outras duas empresas se destacam pela sua capacidade de levantar recursos para o desenvolvimento de novos materiais e processos de captura a um baixo custo.
A primeira é a Global Thermostat, originada em Columbia, que recebeu um investimento de US$ 15 milhões de Edgar Bronfman Jr., o filantropo herdeiro da indústria de bebidas Seagram’s. A empresa implantou uma unidade piloto na Califórnia que utiliza blocos cerâmicos porosos recheados de aminas que aprisionam o gás carbônico. Em uma segunda etapa, os blocos descem para uma câmera subterrânea onde liberam o gás. A segunda é a canadense Carbon Engineering, criada por um ex-executivo da Microsoft, que tem Bill Gates entre seus investidores.
O entusiasmo dos investidores esbarra no ceticismo de muitos observadores. “Não há dúvida de que o CO2 pode ser removido do ar por meio de processos químicos. É isso que permite que pessoas respirem em submarinos e naves espaciais”, avalia Marc Gunther, um jornalista que acaba de publicar um livro sobre o potencial desse mercado. “Mas há um entendimento, entre os cientistas, de que isso é caro e, por isso, não é viável capturar o ar numa escala global.”
A geoengenharia é um conceito para lá de tentador, diante da resistência à adoção de medidas que limitem as emissões de gases estufa. A técnica parece atrair tanto aventureiros, como o fertilizador Russ George, quanto empresários mais prudentes e embasados.
Mas ainda não está claro se estamos diante de uma possibilidade de redenção tecnológica ou de uma estupidez com poder devastador.
*Regina Scharf é jornalista especializada em meio ambiente[:en]Na busca de resfriar a Terra, a geoengenharia
é um conceito pra lá de tentador, que parece atrair tanto aventureiros como os empresários mais prudentes
O empresário americano Russ George persuadiu a comunidade indígena de Haida Gwaii, um arquipélago canadense,
a investir US$ 1 milhão num projeto radical de sequestro de carbono. Em julho, a
bordo de um pesqueiro, ele despejou 100 toneladas de sulfato de ferro nas águas
do Pacífico para estimular a proliferação
de plâncton.
George havia tentado realizar experimentos semelhantes em Galápagos e nas Ilhas Canárias, mas os governos do Equador e da Espanha proibiram que ele utilizasse seus portos. George teve mais sorte em Haida Gwaii, convencendo os nativos de que a fertilização oceânica aumentaria a produção de salmão e que eles poderiam vender créditos de carbono gerados.
Imagens de satélite indicam que a flora marinha efetivamente explodiu em uma área de 10 mil quilômetros quadrados, mudando completamente aquele ecossistema.
Mas ninguém sabe ao certo quais serão as consequências dessa intervenção radical. A iniciativa, claro, horrorizou grupos ambientalistas pela sua magnitude e absoluta falta de controle, violando mais de uma convenção internacional.
Em outubro, inspirados pelo episódio, os 193 países signatários da Convenção da Biodiversidade indicaram a necessidade de se aproximar do tema com precaução, dada a “falta de mecanismos regulatórios e de controle baseados na ciência, globais, transparentes e eficazes”, particularmente nos projetos de geoengenharia transfronteiriços. Mas a Conferência das Partes não aprovou uma moratória, como proposto por várias não governamentais.
A aventura em Haida Gwaii é apenas a ponta do florescente mercado da geoengenharia – ações em larga escala que visam resfriar a Terra. Muitos cientistas convertidos em empresários acreditam que o gás carbônico pode ser minerado na atmosfera, passando de poluente a commodity.
“O resíduo mais abundante da humanidade é o CO2. Geramos 30 gigatoneladas anuais”, diz Nathaniel David, um ph.D em Biologia Molecular que preside uma das líderes desse setor, a Kilimanjaro Energy. “Ele é incrivelmente valioso e hoje nós simplesmente deixamos que ele saia pelas chaminés. E se pudéssemos, de alguma forma, capturá-lo e ganhar dinheiro com isso?”
Fundada em 2004, a Kilimanjaro levantou uma dezena de milhões de dólares e é a pioneira desse mercado. Outras duas empresas se destacam pela sua capacidade de levantar recursos para o desenvolvimento de novos materiais e processos de captura a um baixo custo.
A primeira é a Global Thermostat, originada em Columbia, que recebeu um investimento de US$ 15 milhões de Edgar Bronfman Jr., o filantropo herdeiro da indústria de bebidas Seagram’s. A empresa implantou uma unidade piloto na Califórnia que utiliza blocos cerâmicos porosos recheados de aminas que aprisionam o gás carbônico. Em uma segunda etapa, os blocos descem para uma câmera subterrânea onde liberam o gás. A segunda é a canadense Carbon Engineering, criada por um ex-executivo da Microsoft, que tem Bill Gates entre seus investidores.
O entusiasmo dos investidores esbarra no ceticismo de muitos observadores. “Não há dúvida de que o CO2 pode ser removido do ar por meio de processos químicos. É isso que permite que pessoas respirem em submarinos e naves espaciais”, avalia Marc Gunther, um jornalista que acaba de publicar um livro sobre o potencial desse mercado. “Mas há um entendimento, entre os cientistas, de que isso é caro e, por isso, não é viável capturar o ar numa escala global.”
A geoengenharia é um conceito para lá de tentador, diante da resistência à adoção de medidas que limitem as emissões de gases estufa. A técnica parece atrair tanto aventureiros, como o fertilizador Russ George, quanto empresários mais prudentes e embasados.
Mas ainda não está claro se estamos diante de uma possibilidade de redenção tecnológica ou de uma estupidez com poder devastador.
*Regina Scharf é jornalista especializada em meio ambiente