Eólicas correm para registrar projetos de carbono e tornam-se principal segmento econômico do Brasil no MDL de Kyoto
Somente quatro projetos de carbono de usinas eólicas do Brasil haviam sido registrados até abril de 2012 pelo Conselho Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto (MDL), sediado em Bonn, na Alemanha. E os quatro nos longínquos anos de 2006 e 2007. Mas, ao final de 2012, o quadro era completamente distinto. Não apenas aumentou o número de projetos, como o segmento respondeu por quase metade das reduções previstas nas emissões dos projetos registrados por empresas brasileiras em 2012.
A corrida para o MDL foi motivada pela incerteza que pairava no mundo corporativo quanto à extensão de Kyoto, cuja primeira fase de compromissos esgotou-se no fim de 2012. Segundo levantamento de Página22 no site do Secretariado da Convenção do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), os 21 projetos de eólicas registrados em 2012 contemplam redução anual de 1,88 milhão de toneladas de CO2 equivalente (CO2e), ou quase metade do volume total de reduções anuais previstas nos 53 projetos brasileiros registrados (3,83 milhões de toneladas de CO2e). É o registro que autoriza a geração das Reduções Certificadas de Emissões (RCEs), créditos vendidos a empresas de países desenvolvidos que ratificaram Kyoto. No caso das eólicas, os créditos são gerados porque se evita a construção de térmicas movidas a combustíveis fósseis.
Como a produção de energia eólica vem crescendo rapidamente no Brasil, o potencial de geração de RCEs do setor deve saltar dos 2,1 milhões de toneladas em CO2e em 2012 para 7,8 milhões de toneladas em 2017, quando a fonte terá quase quadruplicada sua capacidade instalada – para 9.082 megawatts (MW). A projeção é da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).
“Na fase incentivada, com o Proinfa [1], não havia estímulo para desenvolver projetos, uma vez que a receita dos créditos pertence legalmente à Eletrobras”, lembra Elbia Melo, presidente-executiva da Abeeólica. Na nova fase competitiva da fonte eólica, as empresas arcam com os gastos para elaborar o projeto de carbono, mas auferem a receita dos RCEs.
[1] Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, instituído em 2002 e regulamentado em dezembro de 2003 pelo Decreto Federal no 4.541.
Até as vésperas da conferência climática de Doha, no Catar, realizada de 26 de novembro a 8 de dezembro, eram nebulosas as perspectivas de continuidade do MDL a partir de janeiro. Sem a prorrogação de Kyoto, a União Europeia (UE) avisara que somente aceitaria créditos de projetos registrados até o fim de 2012.
O acordo para estendê-lo, até 2020, foi finalmente selado em Doha, mas a recuperação nos preços só é esperada para o segundo semestre. Até abril, o mercado prosseguirá sob forte pressão baixista, em razão da desova de créditos gerados pelo abatimento de emissões da destruição dos gases industriais HFC-23 (um hidrofluorcarboneto) e N2O (óxido nitroso) – as RCEs estão valendo alguns centavos de euro. A União Europeia só aceitará créditos desses gases até o fim de abril.
“Como perderão valor, esses ativos estão sendo vendidos a qualquer preço”, observa Philipp Hauser, vice-presidente de mercados de carbono na América Latina do grupo francês GDF Suez, que controla a Tractebel, maior empresa privada de geração elétrica no Brasil. Mas a crise financeira que assola a Europa também colabora com o quadro adverso, uma vez que as emissões diminuíram com a queda na produção, levando a uma sobra de licenças de emissão (allowances) no colo das empresas.
A Tractebel obteve em agosto registros para projetos de carbono de cinco usinas eólicas localizadas no Ceará e no Piauí. Com capacidade instalada de 145 MW, as cinco plantas deverão gerar anualmente 229 mil RCEs, rendendo ao redor de R$ 6 milhões. “Os créditos podem ser estocados ou vendidos no momento oportuno, considerando que a baixa atual tem razões conjunturais”, avalia Hauser.
Entre as líderes no setor de eólicas, a CPFL Renováveis está desenvolvendo projetos do MDL para três parques eólicos no Rio Grande do Norte, que somam 296,2 MW, ou quase 30% da capacidade total das usinas eólicas em operação ou construção (1.038 MW). Os projetos devem gerar quase 270 mil créditos anuais de carbono e receberam registros no MDL entre maio e novembro passados. “Apesar da instabilidade de preços, nossa companhia tem como prática sempre considerar as RCEs em seus empreendimentos desde a análise prévia até a aquisição do negócio”, explica Tarcísio Borin, diretor de sustentabilidade da empresa.
Na Renova, há três projetos em desenvolvimento, com previsão de gerar cerca de 797 mil RCEs ao ano em usinas eólicas na Bahia. A CPFL e a Renova ocupam, respectivamente, a segunda e a terceira posição na lista dos maiores investidores do País em energia eólica, ficando atrás da Energimp.
O aumento nas metas de redução no segundo período de Kyoto, entre 2013 e 2020, e a sinalização do presidente Barack Obama de que será mais proativo no tema climático no segundo mandato (mais no blog De lá pra Cá, no site de Página22) podem ajudar a reaquecer o mercado de carbono. Se a recuperação demorar muito para acontecer, porém, os mercados de carbono poderão entrar em colapso por pura falta de negócios.[:en]Eólicas correm para registrar projetos de carbono e tornam-se principal segmento econômico do Brasil no MDL de Kyoto
Somente quatro projetos de carbono de usinas eólicas do Brasil haviam sido registrados
até abril de 2012 pelo Conselho Executivo
do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
do Protocolo de Kyoto (MDL), sediado em Bonn,
na Alemanha. E os quatro nos longínquos anos de
2006 e 2007. Mas, ao final de 2012, o quadro era completamente distinto. Não apenas aumentou o número de projetos, como o segmento respondeu por quase metade das reduções previstas nas emissões dos projetos registrados por empresas brasileiras em 2012.
A corrida para o MDL foi motivada pela incerteza que pairava no mundo corporativo quanto à extensão de Kyoto, cuja primeira fase de compromissos esgotou-se no fim de 2012. Segundo levantamento de Página22 no site do Secretariado da Convenção do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), os 21 projetos de eólicas registrados em 2012 contemplam redução anual de 1,88 milhão de toneladas de CO2 equivalente (CO2e), ou quase metade do volume total de reduções anuais previstas nos 53 projetos brasileiros registrados (3,83 milhões de toneladas de CO2e). É o registro que autoriza a geração das Reduções Certificadas de Emissões (RCEs), créditos vendidos a empresas de países desenvolvidos que ratificaram Kyoto. No caso das eólicas, os créditos são gerados porque se evita a construção de térmicas movidas a combustíveis fósseis.
Como a produção de energia eólica vem crescendo rapidamente no Brasil, o potencial de geração de RCEs do setor deve saltar dos 2,1 milhões de toneladas em CO2e em 2012 para 7,8 milhões de toneladas em 2017, quando a fonte terá quase quadruplicada sua capacidade instalada – para 9.082 megawatts (MW). A projeção é da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).
“Na fase incentivada, com o Proinfa [1], não havia estímulo para desenvolver projetos, uma vez que a receita dos créditos pertence legalmente à Eletrobras”, lembra Elbia Melo, presidente-executiva da Abeeólica. Na nova fase competitiva da fonte eólica, as empresas arcam com os gastos para elaborar o projeto de carbono, mas auferem a receita dos RCEs.
[1] Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, instituído em 2002 e regulamentado em dezembro de 2003 pelo Decreto Federal no 4.541.
Até as vésperas da conferência climática de Doha, no Catar, realizada de 26 de novembro a 8 de dezembro, eram nebulosas as perspectivas de continuidade do MDL a partir de janeiro. Sem a prorrogação de Kyoto, a União Europeia (UE) avisara que somente aceitaria créditos de projetos registrados até o fim de 2012.
O acordo para estendê-lo, até 2020, foi finalmente selado em Doha, mas a recuperação nos preços só é esperada para o segundo semestre. Até abril, o mercado prosseguirá sob forte pressão baixista, em razão da desova de créditos gerados pelo abatimento de emissões da destruição dos gases industriais HFC-23 (um hidrofluorcarboneto) e N2O (óxido nitroso) – as RCEs estão valendo alguns centavos de euro. A União Europeia só aceitará créditos desses gases até o fim de abril.
“Como perderão valor, esses ativos estão sendo vendidos a qualquer preço”, observa Philipp Hauser, vice-presidente de mercados de carbono na América Latina do grupo francês GDF Suez, que controla a Tractebel, maior empresa privada de geração elétrica no Brasil. Mas a crise financeira que assola a Europa também colabora com o quadro adverso, uma vez que as emissões diminuíram com a queda na produção, levando a uma sobra de licenças de emissão (allowances) no colo das empresas.
A Tractebel obteve em agosto registros para projetos de carbono de cinco usinas eólicas localizadas no Ceará e no Piauí. Com capacidade instalada de 145 MW, as cinco plantas deverão gerar anualmente 229 mil RCEs, rendendo ao redor de R$ 6 milhões. “Os créditos podem ser estocados ou vendidos no momento oportuno, considerando que a baixa atual tem razões conjunturais”, avalia Hauser.
Entre as líderes no setor de eólicas, a CPFL Renováveis está desenvolvendo projetos do MDL para três parques eólicos no Rio Grande do Norte, que somam 296,2 MW, ou quase 30% da capacidade total das usinas eólicas em operação ou construção (1.038 MW). Os projetos devem gerar quase 270 mil créditos anuais de carbono e receberam registros no MDL entre maio e novembro passados. “Apesar da instabilidade de preços, nossa companhia tem como prática sempre considerar as RCEs em seus empreendimentos desde a análise prévia até a aquisição do negócio”, explica Tarcísio Borin, diretor de sustentabilidade da empresa.
Na Renova, há três projetos em desenvolvimento, com previsão de gerar cerca de 797 mil RCEs ao ano em usinas eólicas na Bahia. A CPFL e a Renova ocupam, respectivamente, a segunda e a terceira posição na lista dos maiores investidores do País em energia eólica, ficando atrás da Energimp.
O aumento nas metas de redução no segundo período de Kyoto, entre 2013 e 2020, e a sinalização do presidente Barack Obama de que será mais proativo no tema climático no segundo mandato (mais no blog De lá pra Cá, no site de Página22) podem ajudar a reaquecer o mercado de carbono. Se a recuperação demorar muito para acontecer, porém, os mercados de carbono poderão entrar em colapso por pura falta de negócios.